Acórdão nº 08B2352 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução16 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e BB vieram intentar acção ordinária contra CC - ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO e DD, pedindo que seja declarado que a biblioteca melhor identificada na sua p. i. integra a herança de EE, bem como que os réus sejam condenados a restituí-la ao património da mesma, com a declaração de nulidade ou ineficácia do acto translativo da segunda ré para a primeira.

Alegando, para tanto, e em suma: São herdeiros, com a segunda ré, da herança aberta por óbito de seu avô EE.

Do património hereditário faz parte uma biblioteca composta por cerca de 5.000 livros.

Nunca se procedeu à partilha. Citados os réus, vieram contestar.

Dizendo a ré CC: A segunda Ré, há mais de 3 anos, ofereceu-lhe um conjunto de livros, que julgava ser sua propriedade, detendo os mesmos, desde então, de forma pública, pacífica e de boa fé.

Sempre os tendo adquirido por usucapião.

Dizendo, por seu turno, a ré DD: Desde a morte de seu marido, ocorrida em 26/2/83, que deteve a biblioteca em causa, assim se tornando proprietária da mesma.

De qualquer modo, após a morte do seu dito marido, houve acordo com os herdeiros, no sentido da biblioteca lhe ficar a pertencer.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria da base instrutória.

Foi proferida a sentença, que julgou a acção improcedente, com a absolvição das rés.

Inconformados, vieram os autores interpor, sem êxito (quanto ao mérito), recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

De novo irresignados, vieram pedir revista para este STJ, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Salvo o devido respeito o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1406º, nº 2, 1404°, 1290°, 1265°, e 947º, nº 2, 1251° e 1252º, nº, 2, todos do Código Civil.

  1. - O Douto acórdão recorrido dá um especial enfoque e importância à carta escrita pela Ré DD à mãe dos Autores (cfr. fls 371-372).

  2. - Essa carta foi escrita em 9 de Julho de 1983 e dirigida à mãe dos Autores que na data era casada com o Pai dos Autores (FF) e único filho de EE (cfr ponto b) dos factos assentes).

  3. - Salvo o devido respeito essa interpretação é errada e temerária.

  4. - Em primeiro lugar a carta é escrita à mãe dos Autores que na data não era herdeira da biblioteca.

  5. - O Herdeiro era o seu marido FF.

    7° - Em segundo lugar da leitura da carta se vê que a mesma representa um apelo - à então mulher do outro herdeiro - para que a biblioteca permaneça no mesmo sitio, longe de partilhas e com a promessa que quer que a mesma vá para os descendentes do marido - os aqui recorrentes.

  6. - Essa carta - melhor esse apelo - explica o porque da biblioteca estar por mais de vinte anos no casa e à guarda da Ré DD.

  7. - A interpretação feita pelo douto acórdão recorrido é contra as regras da experiência comum.

  8. - A carta começa com uma referência expressa a uma "preocupação" (com aspas no original) em relação à biblioteca.

  9. - Se fosse uma carta de alguém que já é proprietário o porque de exprimir essa "preocupação", sobretudo de a manter fora de divisões e partilhas.

  10. - Lógico se torna que se a Ré DD falecesse a biblioteca teria como herdeiros o pai dos Autores e irmãos da Ré DD.

  11. - Não será mais lógico e comum ser este o receio expresso na carta de partilhas entre os irmãos dela e o filho do marido.

  12. - A carta não revela qualquer "apropriação" ou intuito de passar a ser proprietária da Biblioteca por parte da Ré DD.

  13. - Não estão preenchidos os pressupostos de aquisição da biblioteca em causa nos Autos, por usucapião, quer por parte da Ré DD, quer por parte da Ré CC.

  14. - Nem sequer se pode falar de doação válida efectuada pela Ré DD á Ré CC, por se tratar de uma alienação "a non domino".

    Quanto à aquisição da biblioteca pela Ré DD - por usucapião.

  15. - O douto acórdão recorrido considerou que estão preenchidos os pressupostos da aquisição por usucapião por parte da Ré DD.

  16. - Salvo o devido respeito labora em erro, quer pelos factos dados como provados quer pela violação dos artigos 1406º, nº 2 aplicável por força do artigo 1404° e ainda dos artigos 1290°, 1299°, 1265° todos do Código Civil.

  17. - Para que possa julgar-se verificada a aquisição da propriedade (ou de outro direito real) por usucapião, é, pois, preciso demonstrar-se a posse em sentido técnico-jurídico definida pelos dois elementos tradicionais a que aludem os arts. 1251° e 1252°, nº 2 - material (corpus, traduzido no exercício de poder de facto sobre o objecto) e psicológico (animus - intenção assim exteriorizada de exercício do direito correspondente).

  18. - O que eleva a detenção a posse o é animus (rem) sibi habendi logo, assim, avulta também que só quando este na realidade intervenha se pode reconhecer a existência de posse para o efeito de usucapião.

  19. - Nesta conformidade, para evitar a procedência desta acção, a Ré DD tinha que provar a posse em nome próprio pelo tempo da usucapião.

  20. - Posse em nome próprio com intenção exteriorizada de exercício de um direito de propriedade sobre a biblioteca - animus.

  21. - Ora não provou quaisquer factos relativos à posse em nome próprio em relação à biblioteca.

  22. - As repostas dadas aos quesitos 22°, 14°, 15°, 18° e 19°, 8° e 9° em nada provam esse animus por banda da Autora.

  23. - Inexistindo, por consequência, o segundo dos elementos referidos do sentido específico de posse relevante para o efeito a considerar, está-se inicialmente perante posse precária, em nome alheio ou simples detenção, a qual, dure por muito ou pouco tempo, perdura indefinidamente (etiam per mille anos).

  24. - Com essa natureza enquanto não houver inversão do título da posse nos termos que o art. 1265° prevê: só a partir daí começando a correr o tempo necessário para a usucapião a favor do que, antes disso, não passava de possuidor precário 27ª- Seguindo de perto o douto acórdão do STJ - AC. STJ de 10/2/97, BMJ 472/483 III e 489, último par. - 490, quatro primeiros par (transcrito no corpo das alegações) 28ª- Está provado que a Ré DD era (apenas) herdeira da biblioteca aqui em causa, logo mera detentora ou possuidora precária, 29ª- A Ré DD sempre deteve a biblioteca em nome alheio, como herdeira da herança aberta por EE.

  25. - Para passar de mera detentora ou possuidora precária e atento o disposto no artigo 1290° era necessário que existisse uma inversão do título de posse.

  26. - Ora, não está provado, nem sequer alegado, qualquer inversão do título de posse.

  27. - Nem mesmo a carta de fls 371-372 pode ser entendida como uma inversão do título da posse.

  28. - Em primeiro lugar essa carta é dirigida não ao herdeiro (FF) mas sim à sua mulher (GG) 34ª- Em segundo lugar e nos termos do disposto no artigo 1265° do Código Civil tem necessariamente que se dar por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía.

  29. - Seguindo aqui de perto os doutos ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado, Volume 111, 2ª Edição, Coimbra Editora, página 30, em anotação ao artigo 1265° do C.C. (transcritos no corpo das alegações).

  30. - Salvo o devido respeito errou o douto acórdão proferido ao considerar que a Ré DD adquiriu a biblioteca por usucapião, dado que por um lado não resultou provado os elementos da posse sobretudo o elemento psicológico (animus - intenção assim exteriorizada de exercício do direito correspondente), violando, desta forma, o disposto nos arts 1251º e 1252º, nº 2, ambos do Código Civil.

  31. - E caso se considere que estes pressupostos estão preenchidos, errou o douto acórdão, em ignorar por completo que a Ré DD era apenas herdeira da biblioteca logo uma mera detentora da biblioteca.

  32. - Como mera detentora necessário se tornaria uma inversão do título de posse, que não existiu, não foi alegada nem provada.

  33. - Violando desta forma o estatuído nos artigos 1290°, 1299°, 1404º, 1406º todos do Código Civil.

  34. - O douto acórdão recorrido cita (e...

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