Acórdão nº 08S1294 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

Com o patrocínio do Ministério Público, instaurou AA no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada e contra A&R, Ldª, acção de processo comum, solicitando que fosse declarado ilícito o despedimento de que o representado autor foi alvo e, em consequência, condenada a ré a pagar-lhe € 15.437,50, acrescidos de juros desde a citação.

Para tanto, alegou, em súmula, que: - - em Abril de 1987, mediante acordo verbal, foi admitido ao serviço da ré para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização e com uma remuneração que, ultimamente, se cifrava em € 125, desempenhar as funções de tratador de gado, funções essas que exerceu até 14 de Março de 2006; - nesta data, CC, gerente da ré, disse ao autor "que se fosse embora, assim o despedindo, pondo termo à relação contratual de trabalho que os vinculava" (sic, item 3º da petição inicial); - o despedimento do autor foi ilícito, uma vez que a respectiva comunicação foi efectuada oralmente, não foi precedida de processo disciplinar e não foi fundamentada em qualquer facto que, legalmente, constituísse justa causa; - reclama, por isso, as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da decisão a proferir, que computou em € 500, e a indemnização em substituição da reintegração, a tudo acrescendo juros.

Contestou a ré, em síntese impugnando a quase totalidade do invocado na petição, designadamente afirmando: - - que o autor sofreu um acidente de trabalho que consequenciou a sua «baixa» por doença desde Outubro de 2003 a Abril de 2005 e, regressado ele ao serviço, dizia não poder trabalhar, não obstante, durante o período de «baixa», ter dado continuidade aos seus negócios de compra e venda de cabras, que maneava e tratava; - em Fevereiro de 2006, após o sócio-gerente da contestante lhe ter dito em tom irónico "eu dava-te uma esferográfica, para ires para ali dentro, mas não sabes escrever", o autor não mais prestou o seu trabalho; - a expressão dita pelo sócio-gerente da ré não foi iluminada pela intenção de mandar embora o autor.

Prosseguindo os autos seus termos, sem efectivação de matéria assente e base instrutória, veio, em 19 de Junho de 2007, a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, considerou ter ocorrido o despedimento do autor, sendo, porém, esse despedimento nulo, por ser verbal, pelo que condenou a ré a pagar-lhe € 13.361,12, acrescidos de juros desde a citação, montante esse correspondente às retribuição atinentes a um dia do mês de Dezembro de 2006, aos meses de Janeiro a Maio de 2007 e a dezanove dias de Junho seguinte, o que ascendia a € 3.069,45 (retribuições essas cujos valores, muito embora não estivessem incluídos no pedido formulado pelo autor, a dita sentença entendeu que essa não inclusão só por lapso não foi efectuada), e à indemnização substitutiva da reintegração.

Do assim decidido apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Com sucesso o fez, já que aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 9 de Janeiro de 2008, julgando procedente a apelação, absolveu a ré do pedido, em suma por considerar que não logrou o autor demonstrar "factos que, toda a clareza revelassem ter o mesmo sido alvo de despedimento por parte da Ré/Apelante".

  1. É deste aresto que, irresignado, o autor, desta feita já com patrocínio de advogado, vem pedir revista, rematando a alegação adrede produzida com o seguinte quadro conclusivo: - "

    1. Resultou provado nos autos, quer na 1ª instância, quer em sede de recurso, que, em 22 de Fevereiro de 2006, o gerente da Recorrida disse ao Recorrente ‘Vai-te embora!'.

    2. Contrariamente àquele que é o entendimento do douto acórdão da Relação de Lisboa, o Recorrente não só alegou factos que demonstram ter havido, efectivamente, um despedimento, como ainda logrou prová-los, como se infere, desde logo, pela decisão tomada pelo tribunal de 1ª instância, que teve como demonstrados os factos alegados e concluiu pela verificação daquele despedimento.

    3. Entendeu, porém, o douto acórdão que o Recorrente demonstrou apenas que o gerente da Recorrida disse ao Recorrente que se fosse embora, mas não provou em que contexto terá sido proferida tal expressão, nem outros factos dos quais se depreendesse, inequivocamente, que a intenção da Recorrida era cessar a relação de trabalho existente entre ela e o Recorrente.

    4. Na verdade, o teor da expressão proferida pelo gerente da Recorrida é, por si só, bem esclarecedor daquela que era a vontade da Recorrida e a não considerar-se assim, será retirar significado a outras declarações expressas de despedimento como ‘Está despedido' sempre que o trabalhador não conseguir provar o contexto em que tal declaração foi feita.

    5. Exigir, como faz o acórdão da Relação, que o Recorrente invocasse ‘todos os factos susceptíveis de, uma vez demonstrados, levarem à conclusão da verificação do [despedimento]' levaria a que alegar e provar uma declaração expressa de despedimento deixasse de ser suficiente para provar a existência do mesmo, o que seria dar mais importância aos factos acessórios que aos principais.

    6. O douto acórdão deixa transparecer, porém, alguma incongruência nesse raciocínio quando termina concluindo que não é possível reconhecer a existência do despedimento invocado pelo Recorrente porque o mesmo não alegou e, consequentemente, demonstrou ‘actos que, com toda a clareza revelassem ter o mesmo sido alvo de despedimento' por parte da Recorrida.

    7. Na verdade o Recorrente alegou e demonstrou (tanto que foram dado como provados pelo tribunal de 1ª instância e pelo próprio Tribunal da Relação de Lisboa) esses factos; alegou e provou que o gerente da Recorrida lhe disse ‘Vai-te embora!' e esse é um facto que, com toda a clareza revela que o Recorrente foi, efectivamente, despedido.

    8. Aliás, é o próprio acórdão da Relação que enuncia que a declaração negocial de despedimento tanto pode ser feita de uma forma directa, isto é, através de uma manifestação, clara e expressa, da vontade de despedir por parte da entidade patronal - portanto, dizendo-se ‘Vai-te embora!' - como pode inferir-se ou deduzir-se de factos praticados por esta que, com toda a probabilidade, a revelem.

    9. Perante tal afirmação, não se pode deixar de considerar estarmos em presença de requisitos alternativos e de concluir que era suficiente o Recorrente provar a existência de uma manifestação clara e expressa da vontade de despedir por parte da Recorrida, dispensando-se, por isso, porque desnecessários, a invocação de outros factos que a confirmassem.

    10. E a expressão ‘Vai-te embora!', proferida pelo gerente da Recorrida, não pode ser tida de outra forma senão como uma manifestação clara e expressa da vontade daquela em despedir o Recorrente, pois qualquer outra pessoa, colocada na posição deste, não poderia deixar de interpretar tais palavras como uma declaração de despedimento, pese embora a Recorrida diga não ter sido esse o sentido que lhes conferiu.

    11. Nos termos do art. 236º do Código Civil, que consagra a teoria da impressão do destinatário, a declaração negocial não vale com o sentido que o declaratário real (o Recorrente) lhe atribuiu, mas sim com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição daquele, teria deduzido do comportamento/palavras do declarante, o que faz concluir que qualquer outra pessoa teria encarado, como fez o Recorrente, tais palavras como uma manifestação directa da vontade da...

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