Acórdão nº 07P3979 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução15 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

AA foi condenado no Pº 88/06. OJAGRD, em Tribunal Colectivo e no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, pela prática de um crime de homicídio do artº 131º do C.P., e de outro crime de homicídio na forma tentada p. e p. nos artºs 22º, 23º, e 131º do C.P., respectivamente nas penas de dez anos de prisão e de três anos de prisão. Em cúmulo, foi condenado na pena única de onze anos e seis meses de prisão.

O MºPº interpôs recurso da decisão para este S.T.J., pretendendo, no fundamental, uma condenação por crimes de homicídio qualificado, com a consequente modificação das penas.

Cumpre portanto conhecer.

A - DECISÃO RECORRIDA I - Factos provados (transcrição).

"I 1 - No dia 23 de Junho de 2006, cerca das 18.00 horas, em Girabolhos, área desta comarca, os arguidos BB e AA envolveram-se em discussão, tendo no decurso dela o arguido AA caído ao chão.

2 - Tal discussão ocorreu, pelo menos, por causa de uns pagamentos devidos pelo arguido AA a um taxista que transportava a sua mulher a Mangualde, para fazer diálise.

3 - Nesse mesmo dia, às 20 horas, o arguido AA apresentava escoriações leves do cotovelo esquerdo e no pescoço, bem como dor lombar com irradiação para a nádega esquerda, tendo tais lesões causado um período de doença de 8 dias, sem impossibilidade para o trabalho.

II 4 - O arguido AA era possuidor de uma pistola marca "Star", modelo CK (STARLET), de calibre 6.35 mm "Browning" (25 ACP), n.º de série 1301310, fabricada por Bonifácio Echeverria em Elbar, Espanha, de funcionamento semi-automático de movimento simples, com percussão central e indirecta, com um cano de 59 mm, com 6 estrias de sentido dextrógiro no seu interior, munida do respectivo carregador com munições de calibre adequado àquela, marca FEDERAL.

5 - No dia 29 de Junho de 2006, cerca das 12.00 horas, o arguido AA decidiu passar a andar com a pistola acima descrita por força dos acontecimentos ocorridos no dia 23 de Junho de 2006 (descritos em I), e para que numa próxima situação de conflito pudesse fazer uso daquela arma de fogo contra o CC, o DD e/ou o EE, caso fosse necessário.

6 - Nesse mesmo dia, a hora não concretamente apurada, mas após o jantar, o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento conhecido como "Café da ....", sito na Rua da ....., em Girabolhos, área desta comarca, onde se encontravam os gémeos DD e EE.

7 - Uma vez ali chegado, permaneceu no local algum tempo, aí tendo consumido um café.

8 - Quando os gémeos DD e EE se preparavam para abandonar o supra aludido café, a fim de se dirigirem para a sua residência, um deles dirigiu-se ao arguido, dizendo que pretendiam falar com ele, tendo o arguido AA retorquido: "Não quero nada convosco, deixem-me em paz", tendo os gémeos saído para o exterior do Café.

9 - O arguido AA abandonou o Café pouco depois, com a intenção igualmente de se dirigir para sua casa.

10 - Já no exterior do café, o arguido viu os gémeos, e seguiu o seu caminho, no que foi secundado por aqueles, que caminhavam poucos metros atrás do arguido na mesma direcção, pois eram vizinhos muito próximos.

11 - Ao verificar que os irmãos DD e EE seguiam atrás de si, o arguido AA retirou do bolso direito das calças a arma já referida, empunhou-a, virou-se para trás e apontou a arma na direcção de DD e de EE, efectuando dois disparos consecutivos na direcção do peito daqueles, quando estes se encontravam a uma distância não superior a dois metros.

12 - Um dos projécteis atingiu o DD na região torácica, provocando-lhe um orifício de entrada de projéctil de bordo irregular, traduzido em ferida perfurante na face antero-esquerda do hemitórax esquerdo (linha axilar média esquerda a nível do 7º espaço intercostal), e um orifício de saída de bordo irregular que consistiu em ferida perfurante do dorso (9° espaço intercostal posterior).

13 - O projéctil efectuou uma trajectória da esquerda para a direita, da frente para trás e de cima para baixo, atingindo estruturas e órgãos essenciais à vida, que se alojam naquela região do corpo, causando as lesões descritas no relatório da autópsia, designadamente fractura em forma de meia-lua, do bordo inferior, pelo arco médio da 7ª costela, com rotura da pleura, fractura pelo bordo inferior da 9ª costela pelo arco posterior com rotura da pleura, hemotórax à esquerda, trajecto em canal no pulmão esquerdo com existência de três orifícios nesse pulmão, um a nível da face costal do lobo inferior distando cerca de 5 cm do bordo inferior, um segundo na base do lobo inferior distando cerca de 5 cm do bordo, e um terceiro ao nível do bordo posterior do lobo inferior ao nível da 9ª costela (arco posterior), com infiltração sanguínea, parênquima pulmonar do lobo superior seco, parênquima pulmonar do lobo inferior com congestão e sinal de digito-pressão positiva, edema encefálico acentuado, solução de continuidade no diafragma (metade esquerda) e zona de contusão esplénica.

14 - As lesões acima descritas foram produzidas na sequência do disparo efectuado pelo arguido, e constituíram causa directa, necessária e adequada da morte de DD, que veio a ocorrer no dia 3 de Julho de 2006, pelas 7.00 horas.

15 - O outro projéctil atingiu o EE, provocando-lhe um orifício de entrada de projéctil de arma de fogo na face anterior do tórax do lado direito (região peitoral direita), tendo tal projéctil ficado alojado na região abdominal, junto da coluna vertebral, entre a zona dorsal e lombar (localização costal direita), causando derrame sanguíneo no interior do abdómen, tórax e na urina, ráfia de lacerações hepáticas no segmento VIII com tamponamento, frenectomia da hemicúpula esquerda, e hemopneumotórax.

16 - Após os disparos, EE foi conduzido ao Hospital de Seia, de onde foi transferido para os H.U.C, aí tendo sido submetido a diversas intervenções cirúrgicas, e em 28-9-2006 não se encontrava clinicamente curado.

17 - As lesões acima descritas foram produzidas na sequência do disparo efectuado pelo arguido.

18 - Em seguida, o arguido afastou-se, acabando depois por se dirigir aos soldados da GNR que entretanto chegaram ao local, relatando o que havia sucedido e entregando a arma de fogo que tinha utilizado.

19 - O DD, apesar ter sido atingido por um projéctil proveniente dos disparos efectuados pelo arguido AA, conseguiu chegar ao início das escadas de acesso à sua residência, sita na Rua do ......, nº ..., em Girabolhos (a cerca de 200 metros do local onde ocorreram os disparos), onde ficou prostrado, aí sendo encontrado pelos seus pais - J. P. de O. e M. do E. S. A. C. O. -, cerca das 23 horas e 30 minutos e a quem pediu que chamassem uma ambulância.

20 - Na sequência de uma inspecção efectuada por elementos da Polícia Judiciária da Guarda ao local onde ocorreram os factos, foram encontradas duas cápsulas de munição calibre 6,35 mm, deflagradas pela arma de fogo utilizada pelo arguido AA, tendo ainda sido localizadas manchas hemáticas junto casa dos ofendidos, mais concretamente no início das escadas que dão acesso à mesma.

21 - Nas amostras recolhidas no arguido AA, designadamente nas mãos, face e cabelo e nas peças do seu vestuário, nomeadamente camisa, boné e bolso das calças, foram encontradas partículas características de resíduos de disparo de arma de fogo, compostos por chumbo, antimónio e bário, sendo a presença de tais partículas compatível com os disparos de arma de fogo efectuados por este arguido.

22 - O arguido possui experiência de tiro ao alvo com armas de fogo, e trabalhou como cozinheiro nas Forças Armadas - Marinha.

23 - O arguido AA agiu de forma deliberada, livre e consciente, com intenção de tirar a vida a DD e de EE, apenas não o conseguindo em relação ao segundo por circunstâncias alheias à sua vontade, empunhando uma arma de fogo que apontou aos ofendidos, a curta distância.

24 - O arguido AA procurou, e conseguiu, atingir o tórax dos ofendidos, bem sabendo que nessa zona se alojam diversos órgãos vitais, e que os ofendidos se encontravam numa posição particularmente indefesa face ao meio de agressão utilizado, que se trata de um instrumento com extrema potencialidade letal.

25 - Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

- Mais se provou (incluindo da contestação apresentada): 26 - O Café encontrava-se a dezenas de metros de distância do local onde foram disparados os projécteis pelo arguido EE, e o local era ermo.

27 - O FF e os seus filhos DD e EE mantinham alguns conflitos com pessoas da localidade, e com outros familiares.

28 - São vizinhos muito próximos, há muitos anos, do arguido AA, e nunca antes dos factos relatados nos autos tinham mantido qualquer conflito.

29 - Confessou ter efectuado dois disparos contra os ofendidos DD e EE logo perante a autoridade policial.

30 - O falecido DD foi inicialmente internado no Hospital de Seia, sendo depois transferido para o Hospital da Universidade de Coimbra e deste Hospital de novo transportado para Seia, por se ter entendido que o seu estado não apresentava cuidados que justificassem a sua manutenção em Coimbra.

31 - Entretanto, foi diagnosticada uma situação de "delirium tremens" com insuficiência respiratória e ácidos e metabólica.

32 - O falecido DD era alcoólico crónico, tendo-se colocado a hipótese de sofrer de síndrome de privação.

33 - O arguido EEl encontra-se arrependido por ter efectuado os disparos.

34 - Tem mantido ao longo da sua vida, em Girabolhos, um comportamento considerado exemplar, sendo respeitado por todos os vizinhos.

35 - Sempre foi considerado pessoa pacata e pacífica, dedicado aos seus concidadãos, e...

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