Acórdão nº 08B864 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução17 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

AA e BB intentaram a presente acção, sob a forma de processo ordinário, contra SOCIEDADE CC & FILHOS, LDA, pedindo que sejam anuladas as deliberações sociais da Assembleia Geral da ré de 26 de Novembro de 2005.

Como fundamento, alegaram que a acta indica que tal Assembleia Geral ocorreu a 26 de Outubro de 2005, quando, na verdade, ocorreu a 26 de Novembro de 2005, não tendo tal erro sido corrigido. A acta foi escrita em papel sem configuração legal. A sócia MF interveio na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por morte de seus pais, quando, à data, era já representante comum das duas quotas. Na indicação da votação não se diz quem votou a favor, contra ou se absteve. A diferença entre o capital social actual e o mínimo legal é de 1.508,41 €, corrigindo-se na acta tal valor incorrectamente. Finalmente, alegaram que têm direito especial à gerência, pelo que a sua destituição da gerência obriga ao recurso à via judicial.

A ré contestou, alegando que a qualidade de representante comum das quotas resulta da própria lei, defendendo que os erros de escrita cometidos se devem a meros lapsos, motivo pelo qual se devem ter por rectificados, sendo certo que os factos alegados nos artigos 7° a 13° da petição inicial, para além de não serem exactos, não têm qualquer interesse para a apreciação da validade da deliberação de destituição dos autores. A acta foi escrita no livro de actas da sociedade ré, onde foram já escritas outras, não exigindo a lei que a acta seja documentada em qualquer livro com um formato, número de linhas ou quaisquer outras características especiais, sendo certo que um eventual incumprimento nunca seria sancionado com a invalidade da deliberação tomada. A lei apenas impõe que se exare na acta o resultado das votações e não o sentido de voto individual dos sócios, a menos que algum sócio o requeira. Finalmente, resulta do contrato de sociedade que não foi atribuído aos autores qualquer direito especial à gerência, podendo, assim, ser livremente deliberada a destituição dos gerentes, sem necessidade de instaurar qualquer acção judicial.

Os autores apresentaram réplica, ampliando, ainda, o pedido formulado na petição inicial, no sentido de ser ordenado o cancelamento de qualquer inscrição na Conservatória do Registo Comercial efectuada com base na deliberação tomada na Assembleia Geral da ré de 26 de Novembro de 2005.

A ré apresentou tréplica, pronunciando-se quando aos documentos juntos com a réplica e quanto ao requerimento de ampliação do pedido.

Dispensada a audiência preliminar - uma vez que, a ter lugar, se destinaria apenas a facultar a discussão do mérito da causa - foi proferido o saneador, no qual, por entender que o processo continha os elementos necessários, o Sr. Juiz conheceu do mérito, tendo julgado a acção improcedente.

Discordando desta decisão, dela recorreram os autores, sem êxito, para o Tribunal da Relação do Porto.

Ainda irresignados, pedem revista, concluindo a alegação do recurso pela seguinte forma: Discutindo-se na presente acção se três sócios podem destituir da gerência dois seus irmãos que com eles foram nomeados gerentes no pacto social, por vontade de seu pai, é necessário indagar da vontade e intenção das pessoas envolvidas quanto à atribuição ou não dum direito especial à gerência, matéria que é controvertida; No despacho saneador-sentença o Tribunal de 1ª instância ignorou completamente a matéria de facto alegada donde poderia emergir o conhecimento dessa concreta vontade e intenção, como foi desconsiderado o facto insólito, ou, pelo menos raro, do pacto da sociedade recorrida permitir que todos os sócios nomeados gerentes pudessem delegar por procuração, total ou parcialmente tais poderes em seus cônjuges, bem como o de ser proibida a cessão de quotas a pessoas estranhas, e de, sendo sete os sócios iniciais, a sociedade ficar obrigada com a assinatura de quaisquer dois desses sete sócios, com excepção do sócio JL; E isto porque tais factos não se enquadravam no entendimento que o Tribunal da 1a instância tinha acerca da atribuição de direito especial à gerência, que se pode resumir assim: a) A destituição de gerentes por maioria simples é livre, a menos que sejam titulares de direito especial à gerência (o recorrente, então apelante, declarou nas alegações de apelação que também concordava, até por ser doutrina que decorre de Assento do STJ de 9/11/1977); b) O direito especial à gerência tem que ser individualizado no pacto social (no que o recorrente, então apelante, declarou na mesma sede que discordava, porque constituía um desenvolvimento não contemplado na lei); c) Logo, como no caso em julgamento o pacto social da então sociedade apelada apenas se limitava a atribuir a todos os sócios a gerência, não há qualquer direito especial à gerência; O acórdão da Relação, pelo contrário, entendeu que não seria de subscrever a sentença do Tribunal da lª instância de que "a circunstância de terem sido nomeados gerentes todos os sócios da sociedade ré e não apenas os autores, afasta, desde logo, a concessão de um direito especial à gerência a todos ou alguns deles"; E sublinhou que "é actualmente pacífico o entendimento em sentido contrário"; Ou seja, o Tribunal da Relação sufragou o entendimento do então apelante, ora recorrente, segundo o qual o direito especial à gerência pode ser atribuído a todos os sócios, desde que seja especialmente ampla a configuração desses poderes; Da mesma forma, o recorrente só pode concordar com o entendimento exposto no acórdão recorrido acerca da orientação dualista que deve ser seguida em matéria de interpretação do pacto social da sociedade recorrida; Com efeito, a dupla medida interpretativa (objectivista, quanto às cláusulas de organização e de funcionamento social, relevantes também para futuros sócios e terceiros, e subjectivista, quanto às cláusulas estatutárias que regulam as relações de um ou mais sócios entre si ou com a sociedade) é não só rigorosa do ponto de vista analítico, corno se harmoniza com a natureza das questões e os interesses que se discutem nos presentes autos, em que estão apenas em causa as vontades, representações e interesses dos diversos sócios, que têm relações familiares muito próximas, já que a sociedade foi inicialmente constituída por um casal e seus cinco filhos e prossegue com esses cinco filhos.

Considerando-se, no entanto, que no acórdão recorrido apenas se errou na aplicação dessas orientações ao caso sub judice; Porquanto tais posições doutrinais impunham que o processo baixasse à lª instância para averiguar da vontade e intenção das pessoas envolvidas, em particular da vontade e intenção do impulsionador da sociedade, pai dos cinco actuais sócios; Recorde-se que é o próprio acórdão recorrido, ao contrário do que aconteceu no saneador-sentença, em que tal matéria de facto foi totalmente ignorada, que ordena a matéria pertinente alegada: a) Esse direito (especial à gerência) foi "ab initio" conferido na escritura de constituição de sociedade e que foi essa a vontade expressa do principal impulsionador da sociedade, o pai dos autores, que a todos os sócios-gerentes e cônjuges atribuiu pelouros e responsabilidades (art. 25°); b) São as próprias circunstâncias em que surgiu a ré, os laços de parentesco que existem entre todos os sócios e o especial desígnio do sócio JL, que quis congregar à sua volta toda a sua família nuclear - ele, a mulher, os filhos e os seus cônjuges, que claramente o indicam - art. 105º; c) A gerência da sociedade e a sua representação em juízo, activa e passivamente, pertence a todos os sócios, que desde já ficam nomeados gerentes, e que poderão delegar por procuração, total ou parcialmente, estes poderes a seus cônjuges; d) Alegaram que a cessão de quotas é proibida a pessoas estranhas (art. 8 do pacto) e que o pacto permite que dois sócios obriguem a sociedade (art. 5º, § 2º); e) E, mais adiante, refere-se no acórdão recorrido que "Exterior ao contrato, importa relembrar a já indicada alegação dos autores de que: - foi essa (a atribuição de um direito especial à gerência) a vontade expressa do principal impulsionador da sociedade, o pai dos autores, que a todos os sócios-gerentes e cônjuges atribuiu pelouros e responsabilidades; - são as próprias circunstâncias em que surgiu a ré, os laços de parentesco que existem entre todos os sócios e o especial designio do sócio JL, que quis congregar à sua volta toda a sua família nuclear - ele, a mulher, os filhos e os seus cônjuges, que claramente o indicam".

Ora, em especial este último registo da matéria de facto alegada, foi completamente ignorada pela sentença da primeira instância; E não podia nem devia sê-lo, porquanto, nos termos do próprio acórdão recorrido, era necessário não só analisar a letra do pacto social, mas também o espírito e o contexto em que foi constituída a sociedade para se poder decidir em consciência se os autores tinham ou não um direito especial à gerência; Esperar-se-ia, portanto, que o tribunal de apelação ordenasse o prosseguimento do processo em ordem à indagação da veracidade de tais alegações; No entanto, o acórdão recorrido, inesperadamente, conclui que tais alegações apenas reforçam o carácter personalista da sociedade e nada esclarecem sobre o âmbito da gerência atribuída no contrato; Ora, como bem observado no aresto sub censura, a lei (art. 236° a 238° e, especificamente, o disposto no nº 2 do art. 236° e nº 2 do art. 238° do Código Civil) dá relevância à vontade real e à intenção dos intervenientes no pacto social, no caso, à especial intenção de que era possuído o principal impulsionador da sociedade - JL; Sendo assim, como é, de acordo com a própria doutrina expendida no acórdão recorrido, é evidente que a ser indagado se foi essa (a atribuição de um direito especial à gerência) a vontade expressa do principal impulsionador da sociedade, o pai dos autores, que a todos os sócios-gerentes e cônjuges atribuiu pelouros e...

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