Acórdão nº 07S4107 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Março de 2008

Data05 Março 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Pelo Tribunal do Trabalho de Barcelos instaurou AA contra BB e mulher, CC acção de processo comum, solicitando a condenação dos réus a pagaram-lhe € 18.900, a título de indemnização por antiguidade, € 2.492, a título de salários referentes aos meses de Fevereiro, Março e 29 dias de Abril de 2004, € 833, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal, correspondentes a 119 dias de trabalho prestados no ano de 2004, e € 1.680, a título de férias e respectivo subsídio, vencidos em 1 de Janeiro de 2004.

Em síntese, alegou: - - que ele, autor, por carta registada de 28 de Abril de 2004, resolveu o contrato de trabalho que, desde o início de Julho de 1989, mantinha com os réus, invocando justa causa; - que tal invocação, por um lado, se baseou na circunstância de, processando os réus descontos para a Segurança Social em montantes bastantes inferiores aos efectivamente pagos, e porque o autor a isso não acedeu, viu-se compelido a receber apenas € 840 líquidos mensais, para assim fazer face à diferença na subida dos descontos; - que, por outro lado, o autor foi obrigado a trabalhar todos os Sábados durante cerca de dezasseis anos, sem que alguma vez lhe tenha sido pago trabalho suplementar.

Contestaram os réus, os quais, em súmula, impugnaram o aduzido na petição e invocaram a excepção de compensação parcial de créditos, já que, inexistindo motivos para justa causa de resolução do contrato por parte do autor, a cessação do contrato de trabalho se haveria de ter como uma rescisão sem aviso prévio, pelo qual eles, réus, tinham direito a ser indemnizados pela quantia de € 937, quantia esta que deveria ser considerada como "contracrédito parcialmente extintivo do pedido" do autor.

O autor veio a ampliar o pedido por forma a serem ao réus condenados a pagarem-lhe € 1.889,43 referentes a pagamento de dias de descanso compensatório, que não gozou.

Por sentença proferida em 16 de Dezembro de 2005, foi a acção julgada parcialmente procedente, declarando-se "lícita e com justa causa a rescisão do contrato operada pelo autor", condenando-se os réus a pagarem àquele € 17.592,23, acrescidos de juros, além de serem os mesmos réus condenados, como litigantes de má fé, na multa de dez unidades de conta e em € 1.000 de indemnização ao autor.

Do assim decidido apelaram os réus para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando no recurso a matéria de facto.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 9 de Maio de 2007, julgou improcedente a apelação e, no tocante à impugnação da matéria de facto, discreteou assim o mencionado aresto: - "(...) Sustentam os recorrentes a este propósito que a matéria de facto constante da alínea D) dos factos provados (‘o autor auferia ultimamente o salário de € 840 líquidos mensais') não foi corroborada por nenhum dos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento, pelo que tal matéria deve ser considerada não provada e eliminada da matéria de facto assente.

Vejamos.

Tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados e verificando-se os demais requisitos formais exigidos pelos arts 690º-A e 522º-C do CPC para a respectiva apreciação, vejamos se a pretensão dos recorrentes é de sufragar no plano substancial.

Impõe-se realçar a este respeito - mais uma vez - que a reapreciação da decisão da matéria de facto em sede de 2ª instância não permite postergar o princípio fundamental da livre apreciação de provas por parte do tribunal da 1ª instância (cf. art. 655º/1 do CPC), salvo se este tribunal tiver cometido erros clamorosos na apreciação do valor probatório dos concretos meios de prova.

De tal sorte que a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser feita com todo o cuidado e ponderação e somente em casos excepcionais e pontuais.

Efectivamente, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores.

Por isso, com respeito e prevalência dos princípios da imediação, oralidade e contraditório, se vem uniformemente entendendo que a alteração da matéria de facto por este Tribunal só ocorrerá se, dos meios de prova indicados pelo recorrente - quando inseridos e valorizados no amplexo global da prova produzida - se verificar que tais elementos probatórios, em concreto, se revelam inequívocos no sentido pretendido. Ora, no caso em apreço pretendem os recorrentes a eliminação do vertido na alínea D) dos factos provados, quanto ao salário que o A. ultimamente auferia, alegando que o depoimento da testemunha DD, em que o Mº Juiz a quo firmou a sua convicção, para além de contraditório e incoerente é destituído de credibilidade por se tratar da mulher do autor e assim ter interesse na causa; por outro lado, no tocante aos documentos relativos a depósitos bancários também não se provou que os mesmos fossem referentes ao salário mensal do A.

Só que da apreciação simultânea, mas conjunta, do conteúdo dos depoimentos adrede prestados e ora invocados após a respectiva audição, em cotejo com o teor dos documentos relativos aos depósitos bancários de fls 14 a 30 -, concluímos que as considerações exaradas na respectiva motivação estão sustentadas numa análise que se nos afigura criteriosa e ponderada das provas e da especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador.

Destarte, em função da relevância do princípio da imediação e oralidade e não vislumbrando erro clamoroso susceptível de postergar a convicção firmada em sede de 1[ª] instância, convergimos com a fundamentação exarada sobre a matéria de facto controvertida, de que a testemunha DD, pela qualidade invocada - e não obstante ela - demonstrou ter conhecimento do último vencimento auferido pelo A., seu marido, em conformidade com o teor dos documentos de fls 14 a 30, de tal depoimento adjuvante.

Aliás, apesar da presença aos pertinentes actos processuais do ilustre mandatário da ré, nem aquela matéria de facto assim seleccionada e provada, nem a leitura do despacho que a decidiu foram objecto de qualquer reclamação ou censura.

E sendo assim, comungamos da opinião que a pretensão dos recorrentes tem, neste enfoque, de improceder.

Todavia, porque se verificam os respectivos pressupostos, uma vez que do processo constam todos os elementos de prova pertinentes - de harmonia com o disposto no art. 712º/1-a) do CPCivil, é mister dar como provado mais o seguinte facto: ‘Desde Abril.2002 até Abril 2004, em relação ao A., os descontos efectuados pela R. para a Segurança Social incidiam sobre a quantia de € 468.50' (...)" 2.

Do falado acórdão pediram os réus revista, rematando a alegação adrede produzida com as seguintes «conclusões»: - "1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto que julgou improcedente a apelação dos RR-Recorrentes, confirmando a sentença recorrida, proferida em 1ª Instância, na medida em que não efectua uma correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais.

  1. Entende-se no acórdão recorrido que, pese embora tenha havido gravação dos depoimentos prestados em sede de julgamento em 1ª Instância, tal não permite postergar o princípio fundamental da livre apreciação da prova por parte daquele tribunal previsto no art.º 655º/1, do CPC, porque existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados e valorados por quem os presencia, não ficando ‘gravados ou registados' para aproveitamento de outro tribunal.

  2. Este princípio não poderá justificar o desrespeito pela Lei substantiva.

  3. É estabelecida legalmente, como condição de reapreciação da matéria de facto, a gravação da prova, sendo que os tribunais apenas dispõem de sistemas de gravação áudio.

  4. Com base na doutrina estabelecida no acórdão recorrido, fica na prática vedada aos recorrentes qualquer possibilidade de ver reapreciados os depoimentos em que assentou a decisão de facto da 1ª Instância, sendo afinal o registo da prova absolutamente desnecessário e o recurso em matéria de facto simplesmente inócuo, assim se violando o direito do RR-Recorrentes de ver reapreciada a matéria de facto assente e, consequentemente, a decisão proferida em 1ª Instância.

  5. No caso dos autos o ónus da prova recai...

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