Acórdão nº 07P4271 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2008

Magistrado ResponsávelCARMONA DA MOTA
Data da Resolução10 de Janeiro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. A nota de culpa 1.1. Em 14Ago02, a Direcção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar levantou auto de notícia, dando conta de factos que faziam incorrer a Empresa-A - Hipermercados, S.

A., em contra-ordenações ps. art.s 28.1.

a do DL 560/99 de 18Dez (rotulagem irregular p. com coima de € 99,76 a € 44 891,81) e 58.1.

a do DL 28/84 de 20Jan (falta de qualidade da mercadoria p. com coima de € 24,94 a € 7481,97).

1.2. Notificada da pré-acusação por c/r remetida em 24Out02, a Empresa-A - Hipermercados, S.

A., arguiu, em 06Nov02, a «nulidade» decorrente de nela se não fazer «qualquer menção sobre qualquer facto que, integrando o elemento subjectivo das alegadas contra-ordenações, fosse imputável à arguida» e pediu, em conformidade, «a anulação de todos os termos do processo a partir, inclusive, da comunicação efectuada».

1.3. Procurando suprir a nulidade invocada, a DGFCQA, na sua condenação/acusação de 16Jun03 imputou à arguida, a título de «negligência», os factos acusados («Ao não diligenciar no sentido de deterem os produtos frutícolas os seus normais requisitos de qualidade, encontrando-se ainda tais produtos frutícolas devidamente rotulados com as respectivas menções obrigatórias, a arguida violou os deveres objectivos e subjectivos de cuidado, pelo que actuou com negligência»).

  1. A PRIMEIRA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL 2.1. A impugnação judicial que se seguiu, em 13Ago03, insistiu na arguição - a que limitou o recurso - da nulidade detectada na pré-acusação: «Deverá ser concedido provimento ao presente recurso de impugnação judicial e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por sentença que anule todo o processado a partir, inclusive, da notificação efectuada à arguida».

    2.2. Em 04Jun04, o 2.º Juízo de Caldas da Rainha (impugnação 2231/03.2TBCLD) considerou que «a nota de ilicitude era nula por não conter os elementos subjectivos da ilicitude», declarou «nulo todo o processado posterior à notificação efectuada à arguida para os efeitos do art. 50.º do DL 433/82», «revogou a decisão recorrida» e mandou remeter o processo á autoridade administrativa «a fim de ser suprida a omissão em causa (falta de elemento subjectivo)».

  2. A SEGUNDA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL 3.1. A notificação anulada foi renovada 24Fev05, mas, em 07Mar, a Empresa-A - Hipermercados, S.

    A., também reputou nula a nova notificação: «Da notificação a que ora se responde é patente que a mesma não inclui a descrição de qualquer facto integrador do elemento subjectivo das contra-ordenações que lhe são imputadas».

    3.2. A renovada notificação de 27Abr05 procurou suprir a nulidade invocada: «A arguida, na sua actuação, agiu com dolo, pois, tendo consciência ou obrigação de saber que a prática daqueles factos constituíam infracção, ainda assim não obviou às consequências da mesma e, portanto, conformou-se com a situação».

    3.3. Em 02Mai05, a Empresa-A - Hipermercados, S.

    A., reconhecendo embora que «a notificação ora apresentada dizia expressamente que a arguida agiu com dolo», sustentou que tal notificação «não fornecia todos os elementos necessários para lhe permitir ficar a conhecer todos os aspectos relevantes para fundar uma decisão de aplicação de uma coima», pois que «não especificava suficientemente quais os factos que permitiam proceder à imputação subjectiva da infracção à arguida a esse título».

    3.4. A entidade administrativa, em 04Jul05, indeferiu a nulidade arguida («Ao analisarmos a notificação (...), verificamos que da mesma consta uma descrição exaustiva da matéria de facto, a indicação da hora e data da infracção, o devido enquadramento jurídico e a imputação subjectiva a título de dolo; à arguida não foram vedados quaisquer elementos que tenham posto em causa o seu direito de defesa, simplesmente por se ter concluído pela conduta dolosa do agente; a final de contas, estamos perante uma notificação, cabendo agora à entidade administrativa, em sede de decisão, apreciar e decidir se a conduta do agente foi ou não dolosa») e proferiu decisão («Em sede de defesa, a arguida não se pronunciou sobre os factos que lhe são imputados; ora, analisada a matéria de facto constante dos autos, não cremos que a arguida agisse dolosamente com o intuito de prejudicar deliberadamente o consumidor, razão pela qual consideramos que a arguida não assegurou todos os requisitos exigidos por lei relativamente à rotulagem e à boa conservação do produto em causa, como poderia e deveria ter feito, violando por isso o dever objectivo de cuidado a que estava obrigada, não usando da diligência exigida por aquelas circunstâncias»).

    3.5. Notificada por c/r de 14Set05, a arguida, em 22Set05, impugnou judicialmente a decisão: «No que toca à nulidade da decisão, a notificação que originou este processo (apesar de várias vezes repetida) estava ferida de nulidade por violar o disposto no art. 50.º do RGCO, pelo que a decisão recorrida, culminando um processo ferido de nulidade ab initio é, ela própria nula») e pediu que fosse «declarado nulo todo o processado desde a notificação efectuada à arguida».

    3.6. Porém, o 2.º Juízo de Caldas da Rainha (processo 3514/05.2TBCLD), em 29Set06 julgou improcedente a impugnação judicial: Relativamente ás invocadas nulidades, nos termos do artigo 50 do DL 433/82 não é permitida a aplicação de uma coima ou de umas sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação ou sobre a sanção ou sanções em que incorre. Ora o impugnante insurge-se pelo facto da notificação feita nos termos do artigo 50.º do DL 433/82, ter mencionado que o recorrente agiu com dolo, sem o demonstrar, nem especificar suficientemente os factos que permitiram proceder à imputação subjectiva da infracção à arguida a título de dolo. Começamos por dizer que a notificação feita nos termos do artigo 50.º do DL 433/82, funciona como acusação, pelo que não se trata de nenhuma prova conclusiva no sentido de não poder ser refutada... aliás a decisão condenatória, imputa a prática das contra-ordenações a titulo de negligência... Na notificação feita ao arguido, a autoridade autuante, e quanto á imputação subjectiva dos factos, limita-se a acusar o impugnante de dolo, porquanto sabia (ou tinha obrigação de conhecer que à prática daqueles factos constituíam infracção, ainda assim não obviou às consequências da mesma, conformou-se com a situação. Poder-se-á argumentar que esta linear acusação é suficiente para se considerar imputada subjectivamente ao impugnante a prática das contra-ordenações, ou que pelo contrário omite aspectos relevantes e prejudica a defesa? Os elementos subjectivos da prática de um crime (ou de uma contra-ordenação) são elementos psico-volitivos que fazem apelo à intervenção da razão/conhecimento e à vontade. Se a acusação refere que o impugnante recorrente, tinha consciência (ou obrigação de saber) que a prática dos factos (rotulagem insuficiente e falta de requisitos) constituía contra-ordenação e não se absteve de os omitir, sendo certo que a descrição da prática dos factos consta da acusação/notificação, entende-se que a imputação subjectiva apesar de lapidar e linear, não prejudicou de qualquer modo a defesa do impugnante e tem de considerar-se suficiente. É verdade que a acusação/notificação omitiu o facto subjectivo do recorrente ter agido de vontade livre e consciente... Contudo, tendo acusado o recorrente de ter consciência da omissão na rotulagem e ter consciência da falta de requisitos dos produtos, tal é suficiente para se inferir que agiu de vontade livre e consciente, pois que a consciência da ilicitude implica adesão da...

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