Acórdão nº 07P0805 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Outubro de 2007
Magistrado Responsável | SOUTO DE MOURA |
Data da Resolução | 04 de Outubro de 2007 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
A - DECISÃO RECORRIDA Em processo comum, o Tribunal Colectivo de Angra do Heroísmo condenou AA, em cúmulo, na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão, pela prática dos seguintes crimes, e tendo em conta as penas parcelares que se indicam: Um crime de furto qualificado, desqualificado pelo valor, p.p. pelos art. 203º nº1 e 204º nº2 e) e nº4 do C.Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.
Um crime de introdução em lugar vedado ao público, p.p. pelo art. 191º do C.Penal, na pena de 1 (um) mês de prisão.
Um crime de dano, p.p. pelo art. 212º nº1 do C.Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão.
Um crime de roubo qualificado, desqualificado pelo valor, p.p. pelos art. 210º nº1 e 2 b) e 204º nº4 e 202º c) do C.Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
Um crime de violação de domicilio, p.p. pelo art. 190º do C.Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão.
Um crime de roubo, p.p. pelo art. 210º nº1 do C.Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
Um crime de roubo qualificado, p.p. pelo art. 210º nº1 e 2 a) do C.Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
I - MATÉRIA DE FACTO a) Factos provados (transcrição): "1. No dia 25 de Outubro de 2005, pelas 14.00 horas, depois de desferir um pontapé na porta, que cedeu à sua força, o arguido entrou numa mercearia situada na Rua do Capitão Mor nº..., S.Mateus, Angra do Heroísmo, com o intuito de se apoderar do que ali encontrasse.
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Nesse local, do interior de uma caixa de madeira, que se encontrava na parte inferior do balcão, o arguido retirou notas e moedas, que totalizavam 70€ e um saco de plástico, contendo no seu interior antigas notas e moedas, que totalizavam a quantia de 840$00.
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Praticou os factos referidos em 1 e 2 de modo a obter coisas com valor, que servissem de troca para adquirir estupefacientes.
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O arranjo da porta da mercearia, em consequência dos factos descritos em 1., custou 30€.
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O arguido sabia que o dinheiro que retirou do estabelecimento comercial não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem autorização do seu legítimo dono, ainda assim querendo levá-lo consigo, o que conseguiu.
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Sabia que lhe estava vedado o acesso ao interior do estabelecimento comercial e, ainda assim, quis nele penetrar, o que conseguiu.
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Sabia que não podia pontapear a porta do estabelecimento comercial e que, com tal conduta, lhe causava estragos, o que quis e conseguiu 8. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.
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No dia 01 de Novembro de 2005, pelas 17.35 horas, o arguido, de cara tapada, dirigiu-se à residência de BB, viúvo, nascido a 27-10-1933, morador na Rua Capitão Mor nº..., S.Mateus, Angra do Heroísmo, com o intuito de obter dinheiro.
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Uma vez ai, introduziu-se na referida residência, por forma que não foi possível apurar, mas não consentida pelo ofendido, o que sabia.
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No interior da residência e munido de um objecto semelhante a uma faca, dirigiu-se ao ofendido, empunhando tal objecto na sua direcção, e pediu-lhe dinheiro.
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Face a esta atitude, o ofendido deu-lhe então 20€. 13. O arguido, no entanto, pretendia mais dinheiro e como o arguido lhe disse que não tinha, dirigiu-lhe as seguintes palavras: "dá-me o dinheiro, senão chamo os meus amigos ..." 14. Não logrando obter mais dinheiro, o arguido retirou-se de casa do ofendido.
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O arguido sabia que, com a sua conduta supra descrita, actuava ameaçando o ofendido com perigo iminente para a sua integridade física, o que quis, por forma a que lhe fosse entregue o dinheiro, como pretendia e conseguiu.
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Sabia que o dinheiro, que quis fazer coisa sua, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem autorização do seu legítimo dono.
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Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a conduta descrita era proibida e punível por lei.
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No dia 30 de Novembro de 2005, pelas 14.20 horas, movido pelo propósito de se apoderar do que ali encontrasse, o arguido, com a cara coberta com um lenço, dirigiu-se ao estabelecimento comercial situado na Rua Capitão Mor, nº ..., S.Mateus, Angra do Heroísmo.
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Entrou no referido estabelecimento empunhando uma faca, que dirigiu a CC, proprietária de tal estabelecimento, ao mesmo tempo que proferia as seguintes palavras dirigindo-se àquela: "dá-me 20€, dá-me o dinheiro".
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Perante a recusa de CC em dar-lhe o dinheiro, e os seus gritos de socorro, o arguido fechou a porta da mercearia. Seguidamente, arrancou do balcão e levou consigo a caixa registadora, a qual continha cerca de 300€ em notas e moedas, e pôs-se em fuga.
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O dinheiro veio a ser parcialmente recuperado, não sendo recuperada a quantia de cerca de 100€.
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O arguido sabia que, com a sua conduta supra descrita, actuava ameaçando a ofendida com perigo iminente para a sua integridade física, o que quis, por forma a subtrair dinheiro, como pretendia e conseguiu.
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Sabia que o dinheiro, que quis fazer coisa sua, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem autorização da sua legítima dona.
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Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a conduta descrita era proibida e punível por lei.
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No dia 06 de Abril de 2006, pelas 16.50 horas, o arguido, movido pelo propósito de se apoderar do que ali encontrasse, dirigiu-se à mercearia situada na Canada do Capitão Mor nº..., S.Mateus, Angra do Heroísmo, onde se encontrava a sua proprietária, DD.
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Após entrar, aproximou-se da caixa do dinheiro sem que a ofendida o notasse.
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Ao ser detectado pela ofendida, o arguido desferiu uma pancada, com um rolo da massa que levava consigo, na cabeça da ofendida, após o que voltou a abeirar-se da caixa do dinheiro.
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Seguidamente, e após ter-se apoderado da quantia de 75€, pôs-se em fuga.
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Em consequência dos factos referidos em 27, a ofendida sofreu uma ferida contusa com grande esfacelo do couro cabeludo, hemorragia local e consequente choque hipovolémico - devido a perda de grande quantidade de sangue - o que lhe determinou um período de doença de 15 dias, com impossibilidade para o trabalho.
Na sequência do choque hipovolémico houve necessidade de reanimar a ofendida.
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Em consequência dos ferimentos sofridos, a ofendida DD foi assistida e internada no hospital durante 12 dias.
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O arguido sabia que, com a sua conduta supra descrita, actuava com violência contra a ofendida, criando-lhe perigo iminente para a vida, o que quis, por forma a conseguir levar consigo o dinheiro, como pretendia e conseguiu.
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Sabia que o dinheiro, que quis fazer coisa sua, não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem autorização da sua legítima dona.
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Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a conduta descrita era proibida e punível por lei.
Mais se provou que 34. No hospital, a ofendida DD necessitou dos seguintes tratamentos: a) atendimento no serviço de urgência, no valor de 100€; b) internamento por 12 dias, no valor global de 3.600€; c) análises, no valor de 41,36€; d) sutura, no valor de 20,80€; e) pensos e tratamento, no valor de 6,20€; f) soroterapia, no valor de 12,84€; g) exames radiológicos, no valor de 24,50€.
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As quantias referidas no ponto 22 nunca foram pagas.
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Do CRC do arguido nada consta.
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O arguido não se mostra arrependido.
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O arguido é oriundo de uma família de baixo estrato sócio-cultural, sendo o pai pescador e a mãe doméstica.
Em termos gerais e à parte ocasionais episódios de violência doméstica, sobretudo dirigidos à mãe do arguido, originados pelos consumos excessivos de álcool do progenitor o agregado familiar é referido como organizado e estruturado, beneficiando de uma integração positiva no contexto comunitário em que se insere.
Residem em casa própria e não têm dificuldades económicas significativas.
Os dois irmãos mais velhos do arguido têm agregados constituídos, apresentando uma situação estável.
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O arguido abandonou a escola com cerca de 13 anos, após a conclusão do 4º ano de escolaridade.
Tal aconteceu devido ao facto de a família não valorizar o contexto escolar, por comparação à ocupação laboral, acompanhando o arguido o pai desde muito cedo na actividade piscatória, perdendo progressivamente motivação para a continuidade do seu projecto formativo.
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Desde que saiu da escola, o arguido tem trabalhado como pescador, primeiramente num processo de aprendizagem com o pai, na pesca de rede, e, após os 17 anos, com um irmão, proprietário de uma embarcação, na pesca de peixe de profundidade.
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O arguido conheceu a esposa quando esta tinha 14 anos e ele 19. Vivem maritalmente há cerca de 7 anos. Casaram há cerca de 2 anos e têm duas filhas, uma com dois anos e outra com algumas semanas.
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O relacionamento do casal começou por ser positivo, degradando-se depois, em consequência dos problemas de dependência de estupefacientes do arguido.
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O arguido iniciou o consumo de estupefacientes com cerca de 20 anos, consumindo haxixe, transitando depois para o consumo de heroína e cocaína, dependência que manteve até à reclusão.
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Esta dependência constituiu uma fonte de instabilidade para o próprio e para a família, devido ao agravamento do seu descontrolo comportamental, - furtos domésticos, ameaças, atitudes agressivas - e ao envolvimento em actos desviantes, num contexto de grande desestruturação e com o objectivo de obter dividendos para manter os consumos.
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Aquando da reclusão, o arguido encontrava-se desempregado há aproximadamente dois meses, dado que a debilidade física e a instabilidade emocional, associadas a consumos intensos de heroína, e sobretudo de cocaína, não lhe permitiam cumprir horários e rotinas.
Organizava o seu quotidiano entre os consumos e a obtenção de dividendos para a aquisição de estupefacientes.
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Na família, o arguido originava conflitos frequentes ou assumia uma postura manipulativa junto dos progenitores - chantagem emocional, ameaças - para conseguir dinheiro.
A esposa, ocasionalmente, tinha de sair de casa com a filha e procurava apoio junto dos sogros, por recear o comportamento do arguido.
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A família proporcionou...
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