Acórdão nº 06P1037 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Abril de 2006

Data06 Abril 2006
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. o despacho recorrido - Arguido/recorrente: AA (1) 1.1. Em 30Jun05, no decurso da 1.ª sessão da audiência de julgamento, AA arguiu, em requerimento ditado para a acta, a nulidade da prova contra si obtida mediante escutas telefónicas (fls. 2635 a 2642, maxime 2636/2637, 14.º volume).

1.2. Porém, o tribunal colectivo (2), no dia 04Jul05 (cfr. acta de fls. 2687 a 2704, mais concretamente fls. 2691 a 2702), indeferiu a arguição.

  1. o Recurso interlocutório 2.1. Insatisfeito, o arguido interpôs imediato recurso (fls. 2703), que motivou de fls. 2823 a 2841 (15.º volume): A inobservância dos requisitos do art° 188.1 CPP gera nulidade, nos termos do art. 189° CPP, nulidade esta que determina a proibição de utilização da prova obtida em juízo. Trata-se de nulidade invocável a todo o tempo, e não apenas até ao encerramento do debate instrutório como pretende o tribunal "a quo".

    A lei processual penal, no art° 188º CPP, consignou que os resultados das intercepções telefónicas, para serem valorados como meio de prova, deveriam ser transcritos em auto, restrito apenas às conversações consideradas relevantes pelo JIC. Não constando da transcrição das escutas telefónicas que a JIC tenha procedido à escolha de todo o material probatório transcrito e resultante dessas escutas, existe nulidade insanável, devendo todo o material concernente ao Arguido AA ser considerado nulo e de nenhum valor. Também ocorreu violação do disposto no art° 188.1 CPP na medida em que os autos de intercepção e gravação não foram de imediato lavrados e levados ao conhecimento da JIC, de modo a esta poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas. No sentido da inconstitucionalidade do art° 188.1 CPP, quando interpretado em termos de não impor que o auto de intercepção e gravação de conversações e gravações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos ou de alguns deles, já se pronunciou o acórdão ACTC7648, www.dgsi.pt, n° TCB1997 0521974072. Devem pois as escutas referidas concernentes ao recorrente AA ser julgadas nulas e de nenhum efeito por constituírem método proibido de prova, nos termos e para os efeitos do art° 126.3 CPP, com todas as consequências de lei, julgando-se igualmente nulo e de nenhum efeito todo o processado após a realização das mesmas, incluindo a prisão preventiva decretada ao recorrente AA, ao abrigo das mesmas.

  2. O ACÓRDÃO FINAL Em 07Jul05, no acórdão final, o tribunal colectivo do 2.º Juízo de Mafra (3) condenou AA a) como co-autor material de um crime de roubo qualificado («prisão de 3 a 15 anos de prisão») (4), na pena de 7 anos de prisão; b) como co-autor material de um crime de roubo qualificado (5) , na pena de 9 anos de prisão; c) como co-autor material de um crime de receptação («prisão até 5 anos») (6), na pena de 1 ano de prisão; d) como co-autor material de um crime de receptação (7), na pena de 14 meses de prisão; e) como co-autor material de um crime de roubo qualificado tentado (8), na pena de 3 anos de prisão; f) como co-autor material de um crime de roubo qualificado (9), na pena de 6 anos de prisão; g) como co-autor material de um crime de roubo qualificado (10), na pena de 7 anos de prisão; h) como co-autor material de um crime de receptação (11), na pena de 15 meses de prisão; i) como co-autor material de um crime de receptação (12) na pena de 1 (um) ano de prisão; j) como autor material de um crime de detenção de arma proibida (13), na pena de 7 sete) meses de prisão; l) como autor material de um crime de detenção de arma proibida («prisão de 2 a 5 anos de prisão») (14), na pena de 3 anos de prisão; m) como autor material de um crime de tráfico de menor gravidade («prisão de 1 a 5 anos»), na pena de 18 meses de prisão; n) e, em cúmulo jurídico, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão.

  3. O RECURSO, PARA A RELAÇÃO, DO ACÓRDÃO FINAL Também inconformado com a condenação final, o arguido recorreu em 19Jul05 à Relação, pedindo a absolvição «porque nenhuma prova foi produzida em juízo que permita concluir pela condenação do recorrente pelos crimes pelos quais ele foi condenado».

  4. O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO 3.1. A Relação de Lisboa (15), em 05Dez05, negou provimento ao recurso intercalar: Uma vez que foi interposto recurso em momento anterior à decisão final, cuja apreciação, em função do regime de subida atribuído, foi deferida para apreciação conjunta com os que viessem a ser interpostos da decisão que pôs termo à causa, haverá que por ele começar, quer por uma razão de ordem, quer ainda para prevenir a hipótese da eventual solução que lhe possa ser conferida prejudicar a apreciação dos demais.

    A título interlocutório, suscitou o arguido AA um recurso em que invoca a nulidade das intercepções telefónicas relativas ao "alvo 24102" e, genericamente, a todas as escutas onde interviesse, por alegada violação do disposto no art° 188°, do CPP, uma vez que no entendimento do recorrente ocorreu uma falta de controlo jurisdicional das escutas, caracterizada pela selecção do material que foi considerado com interesse feito por entidade terceira, que não o juiz e, por outro lado, os autos de intercepção e gravação não foram de imediato lavrados e levados ao conhecimento do juiz de instrução. Vejamos. Com alguma frequência se reconduz a infracção às regras do art. 188° do CPP, ao ritualismo aí preconizado, a meio proibido de prova, mas sem razão. Num plano doutrinário, o meio proibido de prova é uma prescrição de um limite à descoberta da verdade, uma barreira colocada à determinação dos factos que constituem o objecto do processo, por razões múltiplas, consagradas nos art.s 126°, n° 3, do CPP, 32°, n° 8, e 34°, n° 4, da CRP, onde se não inclui a inobservância do ritualismo enunciado no art° 188°, do CPP. E não nos cruzamos com um meio proibido de prova, porque se a escuta foi autorizada por um juiz, reconhecendo-se a sua urgência na realização, revelando-se grande interesse à descoberta da verdade, por o crime de catálogo, pela sua gravidade e modo de execução, reclamar aquele meio probatório, deixando indefesa a sociedade se dele se não lançasse mão, ainda assim se acautela, com tal preterição, aquele núcleo, aquele mínimo do direito fundamental do arguido em não ver devassada a sua palavra falada, que fica intocado, situando-se a compressão de tal direito num limiar mínimo. As infracções às regras relativas a tais meios de prova, configuram meras prescrições ordenativas de produção de prova, no dizer do Figueiredo Dias, Processo Penal, 446. Em Ämelung, citado in "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal", pág. 84, de Costa Andrade, vemos que "o vício não é tão grave que haja de impor o recuo do interesse pelo esclarecimento do facto"; do que se trata é de disciplinar, tão-somente, os procedimentos e modos como a prova deve ser legalmente adquirida; são normas instrumentais, procedimentais. Em nosso ver, não se justifica o regime draconiano da nulidade absoluta, insanável, mais adequado à inobservância dos vícios de mais gravidade, na total acepção da palavra, havendo que distinguir, na cominação estabelecida no art. 189° do CPP, que fala genericamente em nulidade para a infracção às regras prescritas nos art.s 187° e 188° do CPP, entre pressupostos substanciais de admissão das escutas, com previsão no art. 187° do CPP e condições processuais de sua aquisição, enunciadas no predito art. 188° do CPP, para o efeito de assinalar ao vício que atinja os primeiros nulidade absoluta; à infracção às segundas o de nulidade relativa, sanável, sujeita à invocação até ao momento temporal previsto no art. 120°, n° 3, al. c), do CPP, dependente de arguição do interessado na sua observância. A jurisprudência do STJ, pensamos que maioritária, não descortinando a preterição das regras do art. 188° do CPP no âmbito das nulidades insupríveis, confina-as às nulidades relativas, sanáveis (...).

    Aplicando-se-lhe o regime das nulidades sanáveis, deriva dele que a sua arguição apenas pode ter lugar, "tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito", nos termos do art. 120°, n° 3, al. c), do CPP. Ora, como bem resulta dos autos, o recorrente não arguiu, atempadamente, qualquer irregularidade nas escutas efectuadas.

    Assim sendo, e porque, a terem existido quaisquer vícios nas escutas telefónicas efectuadas ao recorrente, conducentes à nulidade dos respectivos actos, esses encontram-se sanados, por não terem sido oportunamente arguidos, haverá de ser negado provimento ao recurso.

    3.2. E, quanto ao mérito do recurso principal, recusou-se, no tocante aos factos, a (re)apreciar os assentes pelo tribunal colectivo (senão - no quadro do texto da decisão recorrida - nos estritos limites consentidos pelo art. 410.2 do CPP) e, no tocante ao direito, apenas - favoravelmente ao recorrente - o absolveu, de entre os crimes por que vinha condenado, do de detenção de arma proibida (punhal), reduzindo a respectiva pena única, nessa simples decorrência, para 17 anos e 11 meses de prisão.

    Apreciação da...

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