Acórdão nº 003755 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 1995

Magistrado ResponsávelCARVALHO PINHEIRO
Data da Resolução18 de Outubro de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - A "Federação dos Sindicatos de Trabalhadores Transportes e Urbanos - CGTP/IN", com sede na Travessa do Almada, n. 12 - 2. esq., Lisboa, propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção com processo especial nos termos do artigo 177 e seguintes do C.P.T., contra "Rodoviária Nacional, EP", com sede na Av. Columbano Bordalo Pinheiro, n. 86, Lisboa, e as demais entidades autorgantes do "A.C." respeitante aos trabalhadores ao serviço da dita Ré, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, I série, n. 45, de 8 de Dezembro de 1983, pedindo seja a cláusula 54 dessa Convenção Colectiva de Trabalho interpretada no sentido de que o direito do trabalhador à segunda refeição ou ao reembolso, previsto no seu n. 6, existe mesmo nos casos em que o trabalhador é mandado regressar à base - local de trabalho habitual - antes de completadas as 12 horas de serviço após o início, desde que ao ultrapassar as 12 horas de trabalho se encontre nos limites definidos pelas alíneas a) e b) (deslocado) e tenha ultrapassado o prazo para a segunda refeição, definido no segundo parágrafo do n. 4 da dita cláusula.

Apenas a Ré "Rodoviária Nacional" contestou, o que fez por excepção e impugnação. Elaborou-se o saneador, onde se julgaram improcedentes as excepções deduzidas; e considerando o Mmo. Juiz que o estado dos autos permitia já a apreciação do mérito da causa uma vez que a controvérsia era sobretudo jurídica, passou a conhecer directamente do pedido e acabando por julgar procedente a acção, fixou à aludida cláusula a seguinte interpretação : "Tem direito a receber a quantia de..., a partir de 1 de Julho de 1983, o trabalhador que permanecendo ao serviço da empresa mais de 12 horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição, se encontre na situação de deslocado, prevista no n. 1 da dita cláusula, no período compreendido entre o final da 11. hora e o final da 12. hora, desde o início do serviço, incluindo o período da primeira refeição, sendo tal quantia devida independentemente de ter ou não o trabalhador tomado a segunda refeição no período mencionado no n. 4 ". Deste saneador-sentença apelou a Ré "Rodoviária Nacional", mas o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu acórdão de folhas 261, confirmou a decisão impugnada.

De novo inconformada, pediu a dita Ré revista a este Supremo Tribunal que, pelo seu Acórdão de folhas 312 e seguintes, anulou o referido acórdão da Relação e ordenou a baixa do processo à 2. instância para ser fixada a matéria de facto provada de modo a constituir base suficiente para a decisão de direito.

Nesta conformidade, proferiu a Relação de Lisboa o seu acórdão de folhas 339 e seguintes, em que de novo confirmou a sentença recorrida. Outra vez a Ré "Rodoviária Nacional" recorreu de revista para este Supremo Tribunal, e, alegando o recurso nele sustentou as seguintes conclusões:- "A) Cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça apreciar o mau uso feito pelo Tribunal da Relação do poder-dever consignado no n. 2 do artigo 712 do C.P.C..

Ora, B) Há factos controvertidos, oportunamente articulados pela ora Recorrente, relevantes para a decisão da causa segundo uma das soluções plausíveis da questão de direito, que o Tribunal da Relação não fixou, nem ordenou a baixa dos autos à 1. instância para esse efeito, tendo desse modo, feito mau uso, e violado, o disposto no n. 2 do citado artigo 712. C) Face à necessidade de ampliar a decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, deve, ao abrigo do disposto nos artigos 729 n. 3 e 730 n. 1 do C.P.C., ser mandada julgar novamente a causa na Relação, para que esta revogue o saneador sentença e ordene o prosseguimento dos autos com elaboração de especificação e questionário e subsequente tramitação.

Se se entender que os autos contêm os factos bastantes para proferir decisão de mérito, deverá, então, D) Ser julgado improcedente o recurso, por extinção, ab initio, do seu objecto, porquanto, E) A autora veio a juizo, em 1987, pedir que fosse fixado o sentido e o alcance a atribuir à cláusula 54. do AE publicado no BTE, 1. série, n. 45, de 8 de Dezembro de 1983, cuja cópia instruiu a petição. Todavia, F) A cláusula em apreço sofreu alterações quer na revisão de 1985, quer na de 1986, o mesmo sucedendo em relação à cláusula 53, n. 4, intimamente conexionada com com aquela, pelo que; G) À data da instauração da presente acção de interpretação de cláusula de convenção colectiva (artigo 177 do C.P.T.), a cláusula interpretanda já não existia como direito vigente, na forma e com o conteúdo que a Autora lhe atribuiu na peça introdutória da lide em juízo; H) Se, contra a evidência, se persistir no entendimento de que a cláusula interpretanda está em vigor, e de que os autos encerram os elementos adequados à emissão do Acórdão, com o valor de assento, previsto no artigo 180 do C.P.T., deverá, então, a decisão recorrida ser revogada, e pelas razões invocadas no decurso das presentes alegações. I) Deverá ser fixada a seguinte interpretação para os ns. 6 e 7 da cláusula 54. "6. Terá direito ao reembolso de 690 escudos o trabalhador que haja tomado a refeição fora dos limites estabelecidos no n. 1. 7. O trabalhador terá direito a 620 escudos por cada refeição que haja tomado dentro dos limites referidos no n. 1, quando: "a) não tenha tomado a refeição dentro dos limites de tempo estabelecidos do n. 2 e último parágrafo do n. 4; "b) não tenha tido intervalo com respeito pelo disposto no n. 5". A Autora contra-alegou, sustentando o Acórdão recorrido. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal (Secção Social) emitiu douto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Nas conclusões do presente recurso, que, como é sabido, delimitam o respectivo objecto (cfr. artigos 684 n. 3 e 690 do C.P.C.), levantam-se fundamentalmente, três questões, a saber: - - A questão da censura que, segundo a Recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça deve exercer sobre a decisão da Relação relativa à suficiência ou insuficiência da matéria de facto com vista ao julgamento de mérito no saneador (concl. A), B) e C)).

- A questão da extinção, ab initio, do objecto do recurso (melhor seria dizer, do objecto da causa, da pretensão da Autora) por via das sucessivas alterações que a cláusula 54, em apreço, sofreu, quer na revisão de 1985, quer na de 1986 (concl. D), E), F) e G)).

- Questão da interpretação e fixação do sentido da dita cláusula 54.

(Concl. H) e I)).

Apreciemos estas questões pela ordem indicada.

Mas primeiro vejamos a matéria de facto fixada no acórdão recorrido. III - Tal matéria de facto é a seguinte:- 1. A "Rodoviária Nacional" sempre que, antes de decorridas 12 horas de serviço, ordena que o trabalhador regresse à base, não lhe concede o direito à 2. refeição ou ao reembolso, apesar de a jornada de trabalho durar mais de 12 horas e de ter decorrido o limite horário para a 2. refeição, para além de estar o trabalhador "deslocado" a quando da ordem de regresso à base.

  1. Se o tabalhador (deslocado) regressar à base por percurso dotado de meios para a 2. refeição, a "Rodoviária Nacional" reembolsa-o se ele, nos limites temporais definidos no n. 4 da cláusula, parasse durante uma hora para tomar a refeição.

  2. O entendimento que vem sendo seguido pela Rodoviária Nacional está expresso no "Manual de procedimentos referentes às condições de trabalho", junto a folhas 74 e seguintes dos autos.

  3. Não é, em geral, exequível a tomada da 2. refeição por coincidir com um período de ponta dos transportes e em que se não poderia parar a frota sem grande prejuízo para o serviço público prestado e para os restantes destinatários do mesmo.

IV - 1. No seu acórdão de folhas 312 e seguintes (dactilografado a folhas 332 e seguintes) este Supremo Tribunal anulou o acórdão de folhas 261 e seguintes da Relação de Lisboa, não nos termos dos artigos 729 n. 3 e 730 n. 1 do C.P.C. (cfr. artigo 85 n. 3 do C.P.T.) com vista à ampliação da matéria de facto para constituir base suficiente para a decisão de direito - mas pela simples razão de no acórdão da Relação, então recorrido, não se terem fixado quaisquer factos, impossibilitando o Supremo de observar o disposto no n. 1 do aludido artigo 729.

A Relação de Lisboa remediou o que considerou um lapso, fixando no acórdão agora recorrido os factos tidos por...

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