Acórdão nº 086237 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Fevereiro de 1995

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução14 de Fevereiro de 1995
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Cível: I) Relatório. 1 - No Tribunal Judicial da Comarca de Fafe, A, propôs acção de processo ordinário contra B, C, D e E, únicos e universais herdeiros de F, pedindo que seja declarada filha deste com o fundamento de ser fruto das relações sexuais havidas entre a sua mãe e o dito F, designadamente nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o seu nascimento, e ainda porque, desde o nascimento, o F sempre a tratou como filha, tal como o público em geral o fez. Os réus constaram a acção, impugnando os factos articulados pela autora. Houve, ainda, réplica. Saneado o processo e organizados a especificação e o questionário, procedeu-se a julgamento. A acção foi julgada improcedente, por caducidade do direito de a propor. 2 - Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, onde, por acórdão de folhas 121 e seguintes, foi confirmada a sentença da 1. instância, ainda que com diversa fundamentação. 3 - Entretanto, a autora interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça. Na sua alegação de recurso a recorrente formulou as seguintes conclusões: 1.) Encontra-se provado que a recorrente é filha biológica do investigado, dada a exclusividade das relações sexuais de sua mãe com este, durante o período legal da concepção. 2.) Igualmente se encontra provado que o investigado tratou, por vezes, a recorrente como sua filha e dando-lhe a bênção - facto que é o mais inequívoco tratamento de um pai a um filho - pelo menos até à idade escolar deste. 3.) Tais factos traduzem inquestionavelmente a reputação do investigado de que a autora era sua filha, e a exteriorização desse cumprimento que constitui o cerne do tratamento como filha. 4.) Ignora-se (porque não se provou se esse tratamento continuou ou não) se o tratamento em questão cessou alguma vez e quando. 5.) Tendo a acção sido proposta mais de dois anos depois de a recorrente ter atingido a maioridade, e tendo-se provado que o investigado a tratou como filha, a acção poderia ser instaurada, nos termos do artigo 1817, n. 4 do Código Civil, no prazo de um ano depois de tal tratamento ter cessado. 6.) Ignorando-se se o tratamento cessou ou não, e tendo a acção sido proposta menos de um ano, depois da morte do investigado, não foi excedido o prazo do artigo 1817, n. 4 do Código Civil. 7.) De qualquer modo é ao réu que incumbe a prova da matéria da excepção, como é a caducidade, nos termos do artigo 342, n. 2, do Código Civil. 8.) No caso presente, estando provado que o investigado tratava a recorrente, sua filha, como tal, até um determinado momento, a normalidade da vida permite concluir que tal tratamento deverá ter continuado para além do momento em que se provou (embora, porventura, de forma ainda mais discreta, que não logrou provar-se positivamente), a menos que tivesse ocorrido algum facto anómalo (que não foi alegado nem provado) que determinasse uma tal mudança de atitude. 9.) A existência de tal presunção natural sempre para inverter o ónus da prova, atribuindo-o ao réu, no caso de se entender que, como elemento constitutivo do seu direito, ou excepção, ele pertencia ao autor (Código Civil, artigo 344, n. 1). 10.) De toda a maneira, decorre do artigo 1817, n. 4, do CC, que o direito do filho de investigar a sua paternidade, obtendo o reconhecimento judicial da sua filiação biológica, está sujeito, além do mais, ao limite temporal de ser instaurada a respectiva acção até um ano depois de ter cessado o seu tratamento como filho por parte do pretenso pai. 11.) Assim, analogamente ao que sucede no caso de o direito estar sujeito a termo final, deverá sempre competir ao réu, provar o decurso do prazo, por analogia com o disposto no artigo 343, n. 3, do Código Civil. 12.) De qualquer modo, o artigo 1817, n. 4, do Código Civil, é inconstitucional, por violação dos princípios fundamentais dos direitos à integridade pessoal, sobretudo, à integridade moral, e à identidade pessoal (artigos 25, n. 1 e 26, n. 1, ambos da Constituição Política). 13.) Poderá entender-se que não será assim, se as limitações, condicionantes ou restrições postas por aquele normativo ao reconhecimento predial da paternidade não foram desproporcionados, tornando excessivamente onerosa a posição do filho investigante. 14.) Violará sempre, porém, o princípio da proporcionalidade exigir ao filho, que prove que é filho e que o pai o tratou como tal durante certo período da sua vida, provar ainda que esse tratamento não cessou mais de um ano antes da propositura da acção. 15.) Trata-se, com efeito, de um facto negativo, cuja...

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