Acórdão nº 081775 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Dezembro de 1992

Magistrado ResponsávelMIRANDA GUSMÃO
Data da Resolução03 de Dezembro de 1992
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - 1. No Tribunal de Círculo de Abrantes, A, intentou acção com processo ordinário contra a Companhia de Celulose do Caima, S.A., pedindo a condenação desta a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre), e a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 45701880 escudos, com o fundamento da sua fábrica ter emitido para a atmosfera abundante quantidade de dióxido de enxofre, em Maio e Junho de 1984, finais de 1984 e início de 1986, que, em consequência das condições atmosféricas, geraram sulfitos e hisulfitos, os quais cairam em prédio rústico seu, com depósito nos botões, folhas e ramos das diferentes culturas, queimando-as e destruindo-as, tornando a terra ácida, sendo certo que esta situação causou danos em diversas culturas, danos estes que foram especificados e integrativos do segundo pedido formulado. A Ré contestou. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença no sentido de condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 1924717 escudos e a que se liquidar em execução de sentença referente ao dano constituído pela diminuição de produção de pêssegos no período compreendido entre 1984 a 1987 e pelo atraso no desenvolvimento vegetativo dos 2532 pessegueiros, plantados em 1985, e, ainda a absolver a ré do pedido de cessação imediata da emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre). 2. Autor e Ré apelaram e a Relação de Évora, por acórdão de 6 de Junho de 1991, negou provimento ao recurso da Ré e concedeu, em parte, ao do autor, condenando a Ré a pagar a este não apenas 1924717 escudos, mas antes 2035110 escudos, bem assim o que se liquidar em execução de sentença para ressarcimento do dano patrimonial consistente na diminuição de pêssegos entre 1984 a 1987 e no atraso vegetativo dos 2532 pessegueiros plantados em 1985. 3. Autor e Ré pedem revista, principal e subordinada. 4. O Autor pede provimento do recurso em consonância com as conclusões que formula, e que são: 1) Encontrando-se passados todos os factos que integram os requisitos previstos no artigo 1346 do Código Civil, bem como os demais pressupostos, deverá ser condenada a ré a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre); 2) por erro de cálculo fixou-se em 1435110 escudos o valor actualizado com as podas efectuadas nos pessegueiros, e, por tal, deverá a Ré ser condenada a pagar ao autor a quantia de 1712040 escudos, acrescido da actualização indicada na sentença da primeira instância; 3) Deverá a Ré ser condenada a pagar ao autor, atendendo aos factos provados e nos termos dos artigos 483, 487 n. 1, 493 n. 2, 562 e 566, todos do Código Civil; a) A quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos resultantes da não comercialização dos pêssegos que deixou de produzir por um preço 25% superior ao preço ao produtor; b) a quantia a liquidar em execução de sentença referente aos danos sofridos pelas laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras, de imediato traduzidas na queixa e morte de botões, folhas e ramos também dessas culturas, bem como na queda de algumas folhas e flores já existentes, para cuja quantificação não existem elementos. 5- A Ré apresentou contra-alegações onde pugna pela manutenção do decidido, salientando que: 1) não se encontram em parte alguma do processo provados os requisitos do artigo 1346 do Código Civil, tal como decidiram as instâncias; 2) as emissões de dióxido de enxofre não foram a causa directa das podas levadas a cabo pelo Autor, razão porque não deverá ser-lhe atribuído o direito a qualquer indemnização; 3) não poderá haver lugar a condenação, a liquidar em execução de sentença, no que respeita aos pretensos prejuízos resultantes da não comercialização dos pêssegos que "deixou" de produzir por um preço de 25% superior ao preço dos produtos e pelos "danos sofridos" pelas laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras. 6. A Ré pede provimento do seu recurso subordinado nos termos das conclusões que formula, e que são: 1) Os factos passados não apontam para um adequado nexo causal entre a actividade industrial da Ré e os danos que, de ordem material e moral, o Autor alega ter sofrido. 2) Ao contrário, das respostas aos quesitos 20, 21, 22, 23, 30, 36, 40, 45, 46, 52, 58, 66, 67, 75, 76, 77 e 78 resulta que as produções por hectare que o recorrido obteve, foram superiores à média. 3) Não havendo danos, não pode haver presunção de culpa e, consequentemente, não há obrigação de indemnizar. 4) Deste modo, não pode haver lugar ao pagamento de qualquer "quantum indemnizatório" para ressarcimento das alegadas podas, uma vez que elas se mostram necessárias ao desenvolvimento das próprias árvores de fruto; 5) E mesmo que assim se não entendesse, sempre se dirá que não ficou provado que o recorrido teve de proceder à poda de 15564 árvores. - Provou-se, apenas, que fez podas em relação a algumas árvores. 6) No que respeita aos danos não patrimoniais, a que a recorrente não deu causa, pela sua natureza e circunstância, não se mostram suficientemente graves para merecerem a tutela do direito; 7) Mas, mesmo que não fosse esse o entendimento, sempre o quantum indemnizatório atribuído ao recorrido teria de ser considerado manifestamente exagerado; 8) Porque não resultou provado que as emissões de dióxido de enxofre tivessem dado causa à diminuição da produção de pêssegos entre 1984 e 1985 e no atraso vegetativo dos 2532 pessegueiros plantados em 1986, não poderá haver lugar à atribuição ao recorrido do direito ao ressarcimento ao respectivo dano patrimonial. 7) O autor não apresentou contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir II - Elementos a tomar em conta na decisão: 1) Na freguesia e concelho de Constância, no lugar de Almagem, existe um prédio rústico, composto por terra de semeadura com oliveiras e árvores de fruto e casa de habitação... e no lugar de Marca Tudo existe um prédio rústico de cultura arvense, com a área de 64920 metros quadrados... 2) O autor desenvolveu a exploração agrícola destes prédios, nos quais existem culturas frutícolas e hortícolas, sendo os mesmos constituídos maioritariamente por férteis terrenos de aluvião e, por isso, com especiais aptidões para a agricultura, sendo constituídos só em parte por terrenos arenosos; 3) O autor tem um lugar de venda no mercado grossista do Cais do Sodré, em Lisboa, para onde promove o transporte e venda de grande parte da produção das culturas existentes nestes prédios; 4) Estes prédios confrontam com uma fábrica da Ré, que produz pasta de papel; 5) No processo de laboração da fábrica, esta emite para a atmosfera dióxido de enxofre; 6) A fábrica da Ré utiliza enxofre para a preparação de um composto químico impulsionador de libertação de fibras de celulose das madeiras; 7) Em Maio e Junho de 1984, nos finais deste ano e no início de 1986, a fábrica da Ré emitiu para a atmosfera várias toneladas de dióxido de enxofre; 8) Por nessa altura existir grande concentração de água no ar, a absorção da água pelo dióxido de enxofre deu origem a ácido sulfuroso e a dióxido de enxofre, reagindo com partículas de óxido de magnésio deu origem a sulfitos e hissulfitos; 9) A absorção da água pelo dióxido de enxofre é uma forma de passagem próxima quer ao ácido sulfúrico quer ao ácido sulfídrico, em presença de catalisadores; 10) Esse sulfito e hissulfito depositou-se nos botões, folhas e ramos das culturas dos prédios, queimando-as e matando-as por destruição dos seus tecidos, cada vez mais profundamente à medida que neles penetra, tornando a terra ácida e provocaram a queda de algumas folhas e flores já existentes; 11) A fábrica da ré na sua laboração liberta para a atmosfera fusfural, o qual só parcialmente neutraliza o dióxido de enxofre, podendo este ser arrastado pelo vento; 12) Nos prédios supra referidos existiam plantados em 1984, 1985 e 1986, pelo menos, 8 ha de pessegueiros, num total de, pelo menos, 6516 árvores; 13) Por causa dos factos supra referidos (os referidos em 10), a produção de pêssegos em 1984 foi de 86 toneladas e em 1985 de 94 toneladas; 14) O preço da tonelada de pêssegos ao produtor foi em 1984 de 113116 escudos, em 1985 de 121000 escudos e em 1986 foi de 126000 escudos; 15) No ano de 1985 foram plantados nos prédios referidos supra mais 2532 pessegueiros que, por causa dos factos supra referidos (os constantes de 10), sucedidos em 1986, sofreram um atraso no desenvolvimento negativo; 16) Por causa desses mesmos factos, sucedidos em 1986, a produção de pêssego em 1987 foi apenas de 90 toneladas; 17) O preço da...

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