Acórdão nº 03777/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelCristina dos Santos
Data da Resolução23 de Outubro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Vítor ..., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação por anulação da pena disciplinar aplicada, dela vem recorrer concluindo como segue: 1. A sentença recorrida efectua uma errada interpretação do direito de defesa do arguido consignado no artigo 32° da CRP, quando considera que a nota de culpa e o despacho de punição enunciam precisa e concretamente, com todas as circunstâncias conhecidas de modo, lugar e tempo, os factos imputados ao agora recorrente, com referência aos preceitos legais infringidos e de modo a que este se possa defender.

  1. O arguido e agora recorrente não se pode defender da acusação que refere factos descritos como "numa ocasião obrigou o" ou em linguagem não precisa, nomeadamente utilizando a palavra etc. ou conceitos como pressionar ou na parte em que não especifica em que dia da semana ou em que espaço temporal limitado aconteceu o referido "banho à especialista", sendo que nela podia constar tal limitação.

  2. Deve ser entendido que viola o direito de defesa, a acusação que refere factos que podem ter sido praticados entre 26 e 27 de Novembro de 2002 e meados de ABR03, pois o arguido mesmo que demonstre que nalguns desses dias não praticou os factos, ficarão sempre outros dias por provar em que os podia, eventualmente, ter praticado.

  3. A sentença recorrida viola o n° 2 do artigo 98° do RDM na parte em que permite que seja considerado como processo disciplinar o processo de averiguações em que as declarações de queixosos não ajuramentados e em que não foi exercida o contraditório, são tomadas como se no posterior processo disciplinar tivessem sido tiradas e valessem contra a prova obtida no posterior processo disciplinar.

  4. Embora podendo continuar como processo disciplinar, o oficial instrutor deveria ter novamente inquirido as testemunhas que necessitava para provar o constante da nota de culpa, disso dando conhecimento ao arguido para que pudesse assistir e exercer o contraditório nas inquirições, se o entendesse.

  5. A sentença recorrida julgou incorreu em erro na selecção e apreciação da matéria de facto, e erro nos pressupostos de facto, porque apesar de resultar dos autos que testemunhas sobre as quais o arguido era acusado de ter praticado factos com relevância disciplinar, virem declarar em inquirição no processo disciplinar de modo diferente do que constava no processo de averiguações, o tribunal valorou os testemunhos do processo de averiguações contra as declarações proferidas no disciplinar.

  6. A sentença recorrida efectua um erro de julgamento, na parte em que nela se julga que tendo sido fornecido ao militar cópia do processo de averiguações, encontram-se satisfeitas as exigências do exercício do contraditório.

  7. A sentença recorrida ao dar como provado que "o Luís ... veio à presença do instrutor informar que o ora recorrente o tinha contactado no sentido de discutir os assuntos de que o mesmo era acusado na sua Nota de Culpa, procurando condicioná-lo em futuras declarações" deu como provado facto que não foi sujeito ao princípio do contraditório, pelo que nesta parte viola o n° 5 do artigo 32° da CRP, efectua errada valorização de prova, por violação do n° 2 do artigo 327° do CPP, e interpreta mal o princípio do contraditório, aplicável por analogia, com violação das regras de inquirição constantes do artigo 138° do CPP.

  8. Em processo disciplinar militar, só após a notificação da nota de culpa pode o arguido ou o seu mandatário assistir a inquirições, requerer provas, contraditar testemunhos que venham a ser inquiridos ou solicitar a efectivação de quaisquer diligências.

  9. A sentença recorrida errou na parte da sentença - ERRO NA SELECÇÃO E APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO em que nela se afirma "que a Entidade Recorrida com vista a apurar a existência de indícios de violação dos deveres da disciplina militar por parte do Recorrente promoveu a instauração do processo de averiguações, dando conhecimento desse facto ao Recorrente", pois o militar não foi notificado dos termos e autos no processo de averiguações.

  10. A sentença recorrida incorre em ERRO NA SELECÇÃO E APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO quando nela se afirma que "concluindo a Autoridade Recorrida pela existência de fortes indícios de violação das regras aplicáveis, foi promovida a instauração do processo disciplinar em que novamente foi dada a oportunidade de o recorrente se pronunciar e de apresentar meios de prova", pois o militar só se pôde pronunciar sobre o processo de averiguações após a sua conclusão.

  11. O n° 2 do artigo 98° do RDM é inconstitucional, por violação do princípio do estado de direito democrático e princípio do contraditório, decorrentes dos artigos 2° e 32°, n° 5 da CRP, se entendido que os depoimentos, diligências e provas obtidos e efectuados no processo de averiguações não violam o princípio do contraditório, quando juntos ao processo disciplinar e da junção for dado conhecimento ao arguido.

  12. Ocorre na sentença recorrida o vício de falta de fundamentação, a que se refere o artigo 668°, n° l alínea c) CPC, o que constitui nulidade, na parte em que julga que "algumas das questões alegadas pelo Recorrente deveriam ter sido colocadas na sua sede própria, desde logo no processo de averiguações a que respeitam que não se encontra impugnado nos autos" sem concretizar quais questões e como e quando deveriam ser postas no processo de averiguações, impossibilitando o recorrente de sobre tais questões e colocação argumentar em recurso jurisdicional ou até com conformar-se, se for caso disso.

  13. A sentença viola o princípio da contraditoriedade, na parte em que deu como provados factos retirados dos depoimentos constantes do processo de averiguações, sem que tenha havido possibilidade de contraditório de tais depoimentos, dado que foram efectuados antes da entrega da nota de culpa ao arguido e sem que houvesse em tais depoimentos possibilidade do arguido verificar das condições em que foram efectuados, nomeadamente quanto aos métodos de interrogatório efectuados, identificação das questões, insidiosidade ou não das perguntas, sugestão das respostas, resumos eventualmente efectuados, ou deturpação de depoimentos.

  14. A sentença recorrida interpretou e aplicou mal aos autos o princípio da imparcialidade, fundamentando-se implicitamente no princípio da presunção da culpabilidade, com ofensa do princípio constitucionais da efectividade dos direitos fundamentais (artigo 2° da CRP) e da imparcialidade (artigo 266°, n° 2 da CRP), e no Relatório do Oficial Instrutor que não teve em atenção o testemunho dos visados na frase "quem não vai ao Clube é bicho".

  15. A sentença recorrida errou ao não considerar que o Oficial Instrutor do Processo violou o princípio da imparcialidade, sendo certo que este se fundou para acusar e propor a punição do arguido e de outros arguidos nos autos na parte " Que dos praças mais antigos que estavam presentes no Clube, recorda-se especialmente dos, CADJ/MMA 12355-K Ivan ..., l CAB/MMal29268-E Ivan ..., l CAB/MMA 129148-D Carlos ..., ICAB/MMA 127792-J Paulo..., ICAB/MMA 129248-L Pedro ..., ICAB/MMA 129696-F Vítor ..., uma vez que eram estes que estavam a exercer maior pressão sobre ele, e sobre os seus camaradas, nomeadamente mandando-os fazer apresentações individualizadas a todos os presentes, actos de servilismo consubstanciados em apanhar caricas do chão, apagar beatas, contar quadradinhos de um aparelho mata-moscas, etc. Que estes actos mantiveram-se até cerca das 00h00", transcrevendo-a no Processo de Averiguações em inquirições efectuadas a dez militares diferentes em alturas diferentes, como se a tivessem dito em depoimento livre.

  16. Existiu erro de direito na apreciação da frase "Que desde as primeiras semanas, tanto ele como os seus camaradas foram desde logo instruídos pelo CADJ Ivan ..., CADJ Cordeiro..., 1CAB Ivan ..., 1CAB Carlos..., 1CAB Paul ..., 1CAB Pedro ... e 1CAB Vítor ..., e outros que se não recorda que, quando estivessem a ser sujeitos às situações de praxe e entrasse um graduado, teriam que assumir uma postura tranquila e se questionados, afirmarem que se encontravam ali de livre vontade e a conviver com os seus camaradas" constante de imensas inquirições efectuadas no Processo de Averiguações, pois existindo até uma evolução do mais simples para o mais complexo relativamente à questão da "postura tranquila", e uma repetição exacta da mesma em diferentes declarações dos inquiridos, demonstra que tais declarações não foram efectuadas de forma esclarecida e livre, antes sim foram induzidas pelo Oficial Instrutor do Processo, com patente violação do princípio da imparcialidade por parte por parte deste militar.

  17. A invenção de declarações atribuindo-as aos inquiridos, efectuada pelo Oficial Instrutor do processo é gravemente violadora dos direitos de defesa, processuais e fundamentais do arguido, nomeadamente porque, sabendo-se que no recurso contencioso de anulação não existe audiência em que possam ser postas em confronto declarações de uns e outros, a transcrição dos depoimentos tem de ser exacta, de modo a que por todos possa ser tida em conta para efeito de eventual submissão da punição e do processo a recurso hierárquico ou judicial.

    * A Entidade Recorrida contra-alegou, concluindo como segue: 1. Decidiu bem a douta sentença objecto de recurso. Uma análise da nota de culpa, do relatório final e do despacho punitivo permitem circunstanciar cabalmente em termos de modo, tempo e lugar e com referência aos preceitos legais infringidos os factos praticados pelo recorrente.

  18. O arguido evidenciou em termos inequívocos, na sua defesa, haver compreendido perfeitamente o âmbito, sentido e alcance da acusação não resultando em nada afectadas as garantias constitucionais e legais da sua audiência e defesa conforme jurisprudência uniformemente sustentada pelo STA.

  19. O arguido teve inteiro conhecimento da junção do processo de averiguações ao...

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