Acórdão nº 03165/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 14 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelFonseca da Paz
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1. "N ..., S.A.", inconformadas com a sentença do T.A.F. de Sintra que, no processo cautelar de intimação para abstenção de uma conduta que haviam intentado contra o Instituto ... (...), a "G..., S.A.", a T..., Lda." e a "F..., SA" indeferiu o pedido, dela recorreram para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões: "1ª.) A providência requerida nestes autos tem natureza conservatória, porque o seu objectivo é manter o quadro jurídico existente, impedindo que o mesmo se altere antes de a acção principal ser decidida; 2ª.) A selecção da matéria de facto feita na douta decisão recorrida e incluída nas als. A) a H) é constituída por transcrições truncadas de documentos juntos aos autos que nenhuma relevância prática têm para a decisão da causa; 3ª.) Os factos constantes das als. I) a J), na sua actual formulação, são inoperantes para a decisão da causa, porque se limitam a relatar o facto de o INPI ter emitido certidões, truncando o seu conteúdo, por forma a que se não conheça o concreto âmbito da protecção concedida pela Patente e pelos Certificados Complementares de Protecção dos autos; 4ª.) À excepção dos constantes das als. M) a R), todos os factos que foram dados como indiciariamente provados pelo douto despacho recorrido devem ser eliminados da lista de factos com interesse para a decisão da causa, por não serem importantes para a decisão da causa, circunstância essa que se evidencia até pelo facto de que a Mma. juíza "a quo" deles não retirou qualquer efeito jurídico; 5ª.) Os factos com relevo para a decisão da causa são os que se encontram listados nas als. A) a S") desta alegação, os quais se encontram provados documentalmente ou admitidos por acordo, uma vez que os mesmos não foram impugnados especificadamente pelos recorridos; 6ª.) Entre esses factos avulta o de que a recorrida "Novartis" é titular da patente portuguesa PT 96799, a qual protege, além do mais, o invento constituído pelo produto denominado Valsartan, pelo processo da sua síntese, por formulações farmacêuticas de medicamentos contendo esse produto, pelo processo de preparação daquelas formulações e pela utilização terapêutica das referidas substância activa e formulações; 7ª.) De salientar também o facto de à requerente "Novartis AG" terem sido concedidos, em relação à Patente, dois Certificados Complementares de Protecção (nos 20 e 24), que tornam a sua protecção válida, respectivamente, até 22/10/2013 e 2/2/2015, quanto, respectivamente, aos medicamentos contendo Valsartan como princípio activo, ou o mesmo composto associado a Hidroclrotiazida; 8ª.) Importante também é o facto, certificado pelo INPI, de que a Novartis AG concedeu uma licença de exploração da Patente à Novartis Portugal; 9ª.) A alegação feita pela contra-interessada "Teva" de que a certidão emitida pelo INPI é falsa não tem qualquer fundamento, por isso que a decisão de conceder a Patente foi tomada depois de as reivindicações terem sido alteradas pela recorrente "Novartis AG", facto documentado pelas certidões juntas aos autos pelas contra-interessadas, dessas certidões constando expressamente que as reivindicações iniciais tinham sido substituídas pelas reivindicações alteradas; 10ª.) O âmbito de protecção de uma patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações dela constantes, servindo a descrição e os desenhos para as interpretar, conforme dispõe o art. 97º. do C.P.I.; 11ª.) A Patente confere à sua titular e licenciada da respectiva exploração o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português, o qual se traduz no de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, fabriquem, ofereçam, armazenem, introduzam no comércio ou utilizem o produto dela objecto nos termos constantes das reivindicações (arts. 101º. e 32º. nº 4 do CPI); 11ª.) O direito emergente da patente é um direito absoluto, na medida em que goza de eficácia "erga omnes", impondo a todos os sujeitos jurídicos um dever geral de respeito; 12ª.) O direito de exclusivo emergente de titularidade da uma patente goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral, nos termos do art. 316º. do CPI; 13ª.) Tal como o direito de propriedade privada em geral, é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental de natureza análoga à dos "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do art. 17º. da Constituição; 14ª.) Uma vez que os medicamentos genéricos que as contra-interessadas se propõem lançar no mercado em Portugal são constituídas por formulações farmacêuticas contendo Valsartan ou Valsartan e Hidroclorotiazida, produzidos de acordo com os métodos de síntese e de formulação previstos na Patente e expressamente indicados para o tratamento das doenças mencionadas também na Patente, é manifesto que o lançamento desses genéricos no mercado e a sua comercialização posterior constituirá uma actividade infractora dessa Patente, visto que tal actividade se não encontra autorizada pelas recorrentes; 15ª.) A comercialização de medicamentos no território nacional não é uma actividade livre, pois carece de prévia autorização do INFARMED, nos termos do art. 14º nº 1 do D.L. nº 176/2006, de 30/8 (Estatuto do Medicamento); 16ª.) A autorização de introdução no mercado prevista nessa disposição legal é um acto administrativo "permissivo", porque possibilita uma conduta doutro modo vedada, mas também tem natureza "constitutiva", na medida em que investe o seu destinatário no direito de comercializar o específico medicamento a que se reporta, tendo também um conteúdo "impositivo" ou "injuntivo", visto que da sua concessão decorre para o destinatário a obrigação de comercialização efectiva do medicamento que dela é objecto, nos termos das disposições conjugadas do dito art. 14º nº 1 e do art. 29º. nº 1 a) do Estatuto do Medicamento; 17ª.) O princípio da legalidade, espelhado no art. 3º do CPA contém um comando de obediência à Lei e ao Direito, ou seja, uma total conformidade não só com as leis e os princípios jurídicos que disciplinam especificamente uma certa conduta da Administração, mas também aqueles que constituem todo o ordenamento jurídico ou o chamado "bloco de legalidade"; 18ª.) O "bloco de legalidade" a que deve obediência conformativa toda a actividade administrativa é constituída por: d. princípios e regras constitucionais, internacionais e legais.

e. actos tais como os regulamentos administrativos, os contratos administrativos e actos administrativos constitutivos de direitos f. outros comportamentos administrativos unilaterais susceptíveis de consolidar situações jurídicas dos particulares.

19ª.) A ausência dessa conformidade constitui infracção ao ordenamento jurídico e tem como consequência a invalidade da actividade administrativa infractora; 20ª.) Ao praticar o acto administrativo de concessão de uma patente, o Estado assume o dever de não conceder autorizações ou licenças administrativas para a prática, por terceiros, de actividades que violem a esfera do exclusivo consagrado por essa patente, quando essas actividades não sejam livres, isto é, quando dependam de autorização administrativa; 21ª.) A concessão de AIM, no caso em apreço constituiria um acto inválido, nos termos do art. 135º. do CPA, por violar o princípio da legalidade, ao actuar em desconformidade com as vinculações que para o Estado derivam do acto administrativo de concessão da Patente; 22ª.) De igual modo, ao actuar contra um "direito absoluto" das recorrentes, o INFARMED estaria a actuar desconformemente com o "bloco de legalidade", incorrendo na consequência invalidante do art. 135º. do CPTA; 23ª.) Os arts. 62º. e 266º. da CRP impõem que a Administração interprete e aplique as leis de modo conforme aos direitos, liberdades e garantias, donde decorre que o INFARMED não pode aplicar o Estatuto do Medicamento de forma incompatível com a protecção, a que está vinculado, do direito de propriedade industrial das recorrentes; 24ª.) Essas normas constitucionais sairão directamente ofendidas de uma actuação do Infarmed cujo único objectivo e efeito útil será o de franquear às contra-interessadas a liberdade para o desenvolvimento da actividade violadoras de um direito fundamental; 25ª.) Daí derivaria uma invalidade autónoma, consistente na nulidade da AIM, por força do imperativo do art. 133º. 2 d) do CPA; 26º.) Acresce que tendo os actos de concessão das AIMs em causa como exclusiva finalidade a viabilização jurídica, pela via administrativa, do exercício de uma actividade criminosa que de outra forma não poderia ser praticada, eles não podem deixar de ser considerados, se vierem a ser praticados, como actos inválidos, fulminados com a nulidade pelo art. 133º. 2 c) CPA; 27ª.) Os actos administrativos que se perspectivam serão, assim, inválidos por diversas razões, nomeadamente porque violam o "bloco de legalidade" assim infringindo o "princípio da legalidade" enunciado no art. 3º. do CPA e porque ofendem o preceito dos arts. 62º. e 266º. da CRP que, "in casu", se aplicam directamente para além de serem nulos por ofenderem o núcleo essencial de um direito fundamental das recorrentes e terem como objecto uma actividade criminosa, tudo nos termos do art. 133º. nº 1 c) e d) do CPA; 28ª.) Tem assim o Infarmed o dever de não praticar tais actos porque os mesmos são lesivos dos direitos das requerentes e enfermariam de ilegalidade de diversa...

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