Acórdão nº 01892/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Setembro de 2007

Data25 Setembro 2007
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_02

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo: I - A...- Transportes do Centro, SA, não se conformando com a sentença do Mº Juiz do TAF de Leiria que negou provimento ao recurso que havia interposto da decisão lhe aplicou coima dela vem interpor recurso para esta Secção do TCAS, formulando as seguintes conclusões: 1.A sentença deve ser revogada.

  1. O Tribunal "a quo" errou, desde logo, quanto ao aspecto fáctico do "thema" destes autos.

  2. Quer porque não valorou adequadamente os factos provados.

  3. Quer porque não deu por provados outros factos abundantemente demonstrados pela prova produzida.

  4. Ora, salvo melhor opinião, resulta só por si dos factos provados, que a arguida não praticou a infracção que lhe vem assacada -cfr. art°114° do RGIT.

  5. Isto porque, o Tribunal dá por provado que nem todo o IVA gerado já tinha sido recebido dos clientes quando estava vencido perante o Estado.

  6. Na verdade, difícil seria o Tribunal dar por provado o contrário, pois é facto notório que o mecanismo de funcionamento do IVA pressupõe, na prática, que as empresas subsidiem o Estado com o seu próprio dinheiro, face aos atrasos sucessivos nas cobranças.

  7. Por isso pergunta-se: o IVA que o Estado reclama, nestes autos, já tinha sido recebido dos clientes da arguida, ou não? 9.Ora, o Tribunal "a quo" fundou a sua convicção probatória nos documentos juntos a fls., mas também, e sobretudo, nos depoimentos de José Joaquim Marques de Almeida e Vítor Carpalhoso, documentados de acordo com a acta de audiência de fls., para cujo teor se remete (e que se dá por inteiramente reproduzida).

  8. Considerou o Tribunal "a quo" que estes depoimentos foram credíveis, e que atestaram, com rigor, a situação financeira da arguida.

  9. Bem como o seu comportamento perante o Estado, os clientes e os fornecedores.

  10. Se assim foi, então o Tribunal "a quo", com base nesses depoimentos, deveria ter dado por provados os seguintes factos: - O funcionamento das regras próprias do IVA levou ao desequilíbrio da tesouraria da arguida.

    - A arguida não tinha condições de proceder ao pagamento da prestação tributária em dívida, que motivou o presente processo contra-ordenacional.

    -Todos os cheques emitidos e subscritos pela Arguida seriam, invariavelmente, devolvidos por falta de provisão 13.Mas também os seguintes factos:- Os fornecedores e clientes tomaram conta da actividade económica da empresa.

    - Apenas forneciam com a garantia antecipada a produto final e stocks.

    - A empresa vem sobrevivendo com a gestão imposta de fora pelos fornecedores e clientes.

    - A gestão foi feita praticamente sem a circulação de dinheiro.

    - O próprio pagamento aos funcionários foi gerido e determinado pelos fornecedores e clientes.

    - Os pagamentos efectuados foram determinados pelos fornecedores e apenas efectuados por estes para garantirem os fornecimentos.

  11. Os depoimentos das testemunhas foram julgados idóneos e credíveis pelo Tribunal "a quo".

  12. As testemunhas mostraram ter razão de ciência suficiente quanto aos factos descritos, não apenas porque conhecem a realidade da empresa, mas também, e sobretudo, por possuírem conhecimentos e experiência na área da contabilidade.

  13. O depoimento das testemunhas, salvo o devido respeito - que muito é! - não pode ser credível para uns aspectos, e absurdo para outros.

  14. Cada empresa é uma realidade específica, sendo possível conceber inúmeras formas de gestão.

  15. E uma delas é a gestão "hetero-imposta", nomeadamente, pelos financiadores.

  16. Como se sabe, clientes, financiadores e fornecedores são realidades que gravitam em torno da empresa, constituindo elementos imprescindíveis desta.

  17. Daí que não seja descabido contemplar que a gestão da empresa se fizesse sem a circulação de dinheiro.

  18. Na verdade, impunha-se que o Tribunal "a quo" compulsasse esse(s) facto(s) com os demais que deu por provados, nomeadamente, que a empresa tinha as suas contas bancárias a "zeros".

  19. Ora, é ou não perfeitamente concebível que a gestão se fizesse sem a circulação de dinheiro, numa empresa com as contas bancárias a "zero"? 23.Além do mais, a gestão imposta por "fornecedores" não tem de ser, necessariamente, uma gestão que conduza à liquidação do activo da empresa.

  20. Os fornecedores entregam as mercadorias desde que tenham uma garantia.

  21. Essa garantia era constituída pela garantia final e stocks.

  22. Assim sendo, o Tribunal "a quo" não apreciou adequadamente a matéria de facto.

  23. Tanto mais que, os factos não provados estão em perfeita associação e sintonia lógica com os factos que o Tribunal deu por provados.

  24. Ora, "revista" a matéria de facto, vejamos as implicações jurídicas.

  25. A contra-ordenação prevista e punida pelo art° 114° do RGIT é decalcada do crime de "abuso de confiança fiscal" previsto no art° 105°, n° 1, do mesmo diploma.

  26. Na verdade -- cfr. LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS, in "Regime Geral das Infracções Tributárias", Anotado, 2003, pág. 690 e ss. - em qualquer dos casos o que está em causa é a "apropriação" por parte do sujeito passivo de uma quantia que não lhe pertence, mas que pertence ao Estado.

  27. Isto é, o sujeito passivo obriga-se a liquidar e entregar ao Estado uma determinada importância.

  28. No fundo, é um "cobrador" mandatado pelo Estado.

  29. Assim, passe a redundância, para que o sujeito passivo se "aproprie" dessa importância é necessário tê-la recebido (do contribuinte).

  30. Nesse sentido, vide MONTEIRO DA COSTA, José, in "Despenalização da não entrega da prestação tributária", fls. 5, disponível em www.verboiuridico.net.

  31. Na verdade, o art° 105° do RGIT pune todos aqueles casos em que a não entrega da prestação recebida se prolongue, dolosamente, por mais de 90 dias após o termo do prazo legal de entrega.

  32. Nas demais hipóteses, o delito fica-se pela mera contra-ordenação.

  33. Em ambos os casos, todavia, o agente não é punido sempre que por qualquer razão válida não esteja em condições de entregar a referida prestação, por exemplo, porque não a recebeu do contribuinte (o comprador, o cliente final, etc.}.

  34. Tal entendimento aplica-se, naturalmente, ao IVA, pois que, por um lado, nada nesse imposto sugere que assim não seja, 39.E, por outro, em nenhum imposto é tão vincada a distinção entre sujeito passivo e contribuinte.

  35. Como se demonstrou, a mecânica do IVA implicou que a arguida não tivesse recebido dos seus clientes o imposto que o Estado lhe exige, nas datas em que é exigido.

  36. Ou seja, aquando do "vencimento" do IVA, a arguida estava desprovida das respectivas importâncias, pois não as tinha recebido ainda dos seus clientes, que são, na verdade, os contribuintes/devedores de imposto de IVA.

  37. Com efeito, nem os prazos médios de cobrança, dados por provados pelo Tribunal, o permitiriam, tanto mais que a arguida estava (e está) inserida no regime mensal de IVA.

  38. Assim, a arguida não pode ser sancionada por um delito sem objecto.

  39. O Tribunal "a quo" deu por provado que nem todo o IVA gerado foi recebido dos clientes da arguida.

  40. Admitindo-se isto, como é possível afirmar, peremptoriamente, que o imposto em causa já tinha sido "retido" pela arguida, com o recebimento do preço dos serviços prestados e bens fornecidos? 46.Não é possível, naturalmente.

  41. Tanto mais que, o Tribunal "a quo" consigna que "no momento do pagamento previsto no Art° 40/1, a) CIVA, a arguida não tinha ainda recebido todo o dinheiro para fazer a entrega do IVA liquidado".

  42. Assim, na prática, o Tribunal "a quo", contra o que exara, e sem qualquer fundamento que o habilite para tal, decide por presunção (isto é, presume que no imposto que possa ter sido "recebido" dos clientes se encontre aquele que é "reclamado" nestes autos), e contra os factos que decidiu dar por provados.

  43. Ao fazê-lo, viola a garantia do "in dúbio pró reo", que impõe que a valoração da prova, em caso manifesto - e documentado (ou seja, sempre que conste da sentença, como é caso) - de dúvida se faça a favor do arguido (como manifestação da presunção de...

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