Acórdão nº 00992/05.3BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 23 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelDr
Data da Resolução23 de Outubro de 2008
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: Estado Português, inconformado, recorre da sentença do TAF de Viseu, datada de 29 de Setembro de 2007, que julgou procedente a presente acção administrativa comum que “C…, Lda.”, devidamente identificada nos autos, contra si havia intentado e em que pedia a sua condenação ao pagamento da quantia de 109.014,00€, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo pagamento, decorrente de responsabilidade civil extracontratual.

Alegou, tendo concluído: 1. A sentença, na fundamentação, ao indicar a matéria de facto considerada provada, incluiu, nas alíneas Q) a U) os seguintes factos: Q) – Em ordem ao imposto no comunicado mencionado na alínea G da matéria assente, a Autora destruiu as seguintes quantidades de bens: a) 10.110 kg de Frango do Campo; b) 2.832 kg de Perna de frango do Campo; c) 3.726 kg de Peito de Frango do campo; d) 210 kg de Cotos de Frango do Campo; f) 3.300 kg de Perna de Peru; g) 1640 unidades de codornizes.

  1. Nos dia 19, 20, 21, 24, 25 e 26 de Março, sob fiscalização dos Inspectores Veterinários da DGV e no cumprimento da ordem de destruição da DGFCQA recebida em 18 de Março, a Autora já havia procedido à realização das competentes operações de transporte e subsequente destruição do total de 27.356,00 kg de produtos (cf. docs 9 a 14 – cópias dos autos de destruição determinada à Autora).

  2. O cumprimento da ordem de destruição determinada à Autora provocou à mesma prejuízos.

  3. O apuramento do custo foi realizado com base no preço médio de venda praticados nos meses de Fevereiro, Abril e Maio para cada tipo de produtos conforme docs juntos sob os nºs 15 a 20.

  4. O custo dos prejuízos foi então apurado de acordo com os seguintes valores por kg: a) Frango do Campo: EUR 3,70 / kg (cf. docs. 17 a 20); b) Perna de Frango do Campo: EUR 7,00 / kg (cf. docs. 17 a 20); c) Peito de frango do Campo: EUR 7,50 / kg (cf. docs. 17 a 20); d) Cotos do Frango do campo: EUR 7,00 / kg (cf. docs. 17 a 20); e) Asas do Frango do Campo: EUR 2,25 / kg (cf. docs. 17 a 20); f) Perna de peru: EUR 2,70 / kg (cf. docs. 17 a 20); g) Codornizes: EUR 0,60 / unidade (cf. docs. 15 e 16).

    1. Da análise da referida matéria verificamos que a sentença recorrida não levou em conta no cálculo do preço médio dos produtos destruídos, as cotações do mercado das aves (com especial incidência no frango e peru), elaboradas pelo Gabinete de Planeamento e Política Agro-Alimentar integrado na orgânica do Ministério da Agricultura, relativamente ao período compreendido entre a semana de 30/12/2002 a 05/1/2003 e a semana de 08/09 a 14/9/2003, juntas aos autos.

    2. Tais cotações foram confirmadas pelo depoimento da testemunha M... L..., na qualidade de Directora de Serviço de Estatísticas e Gestão de Informação do referido Gabinete de Planeamento e política Agro-Alimentar (depoimento gravado na cassete nº 2, no Lado A, da volta nº 510 até à volta nº 1305).

    3. Sendo assim, o valor do prejuízo da A. relativamente aos produtos destruídos, não pode ser o constante do quesito nº 5 dado como provado, mas sim aquele que resulta do valor do mercado, na altura.

    4. Mais, a sentença também não teve em conta que os produtos destruídos eram todos congelados, ao passo que as facturas que constituem os docs. 15 a 20 (que serviram de base para o cálculo do preço médio constante da resposta ao quesito nº 5) diziam respeito a produtos frescos.

    5. Ora, o preço do frango congelado é inferior ao do frango fresco (cf. depoimento da referida testemunha M... L..., na cassete 2, no lado A da volta 510 a 1305), sofrendo uma desvalorização de cerca de 30% do preço.

    6. Atento o exposto, o valor que terá que ser considerado deve ser, como se disse e pelos motivos explicitados, inferior ao que se deu como provado.

    7. Ao dar como provado o valor constante da resposta ao quesito nº 5, na forma aludida no julgamento da matéria de facto, a Meritíssima juiz violou o disposto no art. 653º, nº 2 do CPC, uma vez que analisou incorrectamente a prova junta aos autos e a que foi produzida na audiência de julgamento. Violando, assim, disposto no art. 659º, nº 3 do mesmo diploma por não proceder ao exame crítico das provas que lhe cumpria conhecer.

    8. Além disso, verificamos que inexiste nexo causal entre o invocado facto lícito e os danos verificados.

    9. É evidente que a causa directa e imediata da destruição dos produtos constantes dos autos de destruição foi a ordem emanada pelo Ministério da Agricultura.

    10. Mas a lei exige mais do que uma causa directa e imediata, referindo o art. 563º do Código Civil que “a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, consagrando assim a teoria da causalidade adequada.

    11. Sobre ela o Prof. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª Edição, pág. 928, conforme o Ac. Do STJ de 25/3/2003, Rec. 02ª3006, e no que respeita à delimitação da adequação de determinados factos para produzir determinados danos, refere que “ (…) a indemnização só cobrirá aqueles os danos cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, por outras palavras, o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que não se tivessem produzido”.

    12. E, mais à frente, prossegue: “Deste modo, para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o acto tenha actuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano. ; e ainda “a causalidade adequada não se refere ao facto isoladamente considerado, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” (obra citada, pág. 806).

    13. Ora, falando do caso concreto, é verdade que o RE foi a causa directa e imediata dos prejuízos da Autora. Contudo ela só ocorreu tendo em conta a crise dos nitrofuranos, pela qual o RE não é responsável, mas o são os criadores de frango, peru e outros produtos destruídos, o que levou a uma quebra de confiança no consumo do sector.

    14. Ou seja, a ordem dada é uma causa naturalística do dano, mas a mesma não contém em si a adequação, entendida esta nos mencionados termos legais, para produzir o dano, pois o mesmo decorria do comportamento do mercado, atenta a existência de nitrofuranos em produtos a vender, facto este, pelo qual, os produtores são responsáveis, e que, diga-se, não fora a intervenção do Estado, manteria a estagnação do sector.

    15. Falece, pois, o nexo causal, em termos de causalidade adequada, motivo pelo qual a acção deverá improceder.

    16. Acresce que os prejuízos não são especiais nem anormais.

    17. Este tipo de responsabilidade encontra o seu fundamento no chamado princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos, para que exista uma igualdade na contribuição destes para tais encargos (art. 9º nº 1 do DL 48051 de 21/11/1967) 19. Por tal motivo a exigência de que o prejuízo seja especial, não geral (entendido aquele como o que recai sobre pessoa certa e determinada tendo em conta a sua específica posição relativa) e anormal (não inerente aos normais riscos que são suportados por todos os cidadãos), sendo apenas indemnizáveis os prejuízos manifestamente não habituais, aqueles a que manifestamente não se está “acostumado”.

    18. Ora, no que respeita ao primeiro requisito, parece-nos, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que a não se verifica no caso concreto.

    19. Com efeito, a medida de destruição em causa visou não apenas a Autora, em virtude de a mesma se encontrar no circuito de comercialização das aves, mas todos os produtores de aves domésticas para consumo público, já que determinou, primeiro, em 16/3/2003, a proibição da comercialização da carne de aves congelada de origem nacional, que o tenha sido antes de 14/3/2003 e depois, em 20/3/2003, face á detecção de outros casos positivos em explorações não incluídas nas 43 inicialmente referenciadas, a destruição dos produtos que se encontram armazenados. Ou seja, parece-nos que a medida visou vários cidadãos, não os concretizando nem os determinando, já que a mesma se destina a todos os operadores económicos (dos matadouros à restauração) que comercializavam carne de aves congelada de origem nacional, e não apenas uma pessoa certa e determinada.

    20. Face ao exposto, parece-nos que os prejuízos em causa não revestem uma natureza de especificidade subjectiva, na consideração de quem os suporta, por isso não poderão ser considerados como especiais.

    21. Igualmente também não se verifica o segundo requisito.

    22. Na verdade, a medida de destruição foi tomada na sequência da adopção pelo Ministério da agricultura de um conjunto de medidas adicionais, perante a possibilidade da existência de uma parte significativa da carne de aves congeladas, eventualmente provenientes das explorações que foram sujeitas a sequestro, poderem ter sido introduzidas no circuito comercial, antes da submissão dessas explorações a sequestro (cf. Alínea H da matéria dada como provada). Tal medida visava reforçar a segurança e a confiança dos consumidores, os quais, como se disse, praticamente tinham, no mencionado período de crise dos Nitrofuranos, deixado de consumir carne de aves, decorrente do conhecimento público da existência de aves com resíduos de Nitrofuranos [cf. Alíneas H, Z) e AA)] da matéria de facto dada como provada).

    23. Ou seja, a medida advém do comportamento do sector onde a autora se insere e destina-se, em primeira linha, a restabelecer a confiança no sector. E conseguiu atingir essa finalidade como resulta das Alíneas AA) e BB) da matéria dada como provada.

    24. Assim sendo a actuação da Estado teve como motivo a actuação do sector e destinou-se a relançá-lo. Ou seja, com esta actuação, a administração visou em primeiro lugar o interesse destes operadores...

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