Acórdão nº 01107/04.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Março de 2008
Magistrado Responsável | Dr |
Data da Resolução | 13 de Março de 2008 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do TCAN: I- RELATÓRIO “Caixa Geral de Aposentações”, com sede na Av. 5 de Outubro, 175, Lisboa, inconformada com o Acórdão do TAF de Viseu, datado de 05.MAR.07, que, em ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL, contra si, oportunamente, interposta por F...
, residente na Rua ..., Aveiro, concedeu provimento ao pedido de anulação do despacho da Direcção da CGA, datada de 02.JUN.04, que reconheceu ao A. o direito à aposentação nos termos requeridos, tendo a correspondente pensão sido calculada nos termos do n.º 1 do art. 53.º do EA, na redacção dada pelo n.º 1 do art. 1.º da Lei n.º 1/2004 de 15JAN, e que a condenou na prática do acto administrativo devido em substituição daquele, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões:
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A douta sentença recorrida deve ser revogada, por, apesar de o artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, conter norma de efeitos retroactivos, não existir qualquer fundamento legal para que seja considerada ilegal, muito menos inconstitucional.
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O artigo 3.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, dispõe que a validade das leis do Estado depende da sua conformidade com a Constituição, mas apenas a lei criminal não pode ser retroactiva nos termos definidos no art. 29.º, n.º1 a 4, da mesma lei.
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O princípio da não retroactividade da lei não tem actualmente, entre nós (salvo quanto à lei criminal o artigo 29.º da CRP), assento na Constituição e, daí, que o preceito do artigo 12.º do Código Civil não se impõe ao legislador.
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Assim, as disposições do artigo 12.º do Código Civil não têm mais força vinculativa que as de outras leis ordinárias, pelo que elas não prevalecem sobre o resultado da interpretação destas (Vaz Serra, RLJ, n.º 110, página 272).
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O artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, por ter norma de efeitos retroactivos, não padece da inconstitucionalidade ou da ilegalidade que lhe é imputada, por não atingir, de forma inadmissível, intolerável, arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente as legítimas expectativas daqueles que pretendem requerer uma pensão de aposentação.
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Prescreve o n.º 6 do artº 1.º da referida Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, que “O disposto nos números anteriores (alterações operadas ao Estatuto da Aposentação) não se aplica aos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, cujos processos de aposentação sejam enviados a essa Caixa, pelos respectivos serviços ou entidades, até à data de entrada em vigor deste diploma, desde que os interessados reúnam, nessa data, as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação, incluindo aqueles cuja aposentação depende da incapacidade dos interessados e esta venha a ser declarada pela competente junta médica após aquela data.” (destacado nosso).
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Assim, uma vez que o legislador não atribuiu qualquer relevância à data em que os interessados formularam o pedido de aposentação junto do seu serviço, mas apenas à data do seu envio para a CGA, é irrelevante que o A. tenha apresentado o seu pedido de aposentação no serviço ao qual está afecto em 2003-12-19.
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Dado que o pedido de aposentação do A. apenas foi enviado em 2004-01-14, a CGA não tinha outra alternativa senão calcular a sua pensão de acordo com a nova redacção do n.º 1 do art.º 53.º do EA, conjugado com a alínea a) do n.º 1 do art.º 43.º do mesmo diploma.
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Acresce, finalmente, deixar bem sublinhado que, tal como prescreve o art.º 43.º do EA, o regime de aposentação é fixado com base na lei em vigor e na situação existente à data em que seja proferido o despacho que a concede.
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Razão pela qual a CGA fez uma correcta interpretação e aplicação da lei.
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Assim, o M.º Juiz a quo, por entender que o pedido de aposentação devia ter sido deferido “…nos termos do disposto no art.º 53.º do Estatuto da Aposentação na redacção anterior à conferida pela Lei 1/2004, de 15 de Janeiro”, ainda que não tivesse sido enviado a esta Caixa, pelo respectivo Serviço, dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004, de 15 de Janeiro, isto é, até 1 de Janeiro de 2004, fez errada interpretação e aplicação da lei.
O Recorrido contra-alegou, tendo apresentado, por seu lado, as seguintes conclusões de recurso: i) No essencial vem o presente recurso alicerçado na alegada «falta de fundamentação legal para considerar ilegal a disposição retroactiva do art. 2º da L 1/2004, de 15.1» — todavia sem razão, como se demonstrará infra.
ii) Por despacho de 02/06/2004, da Direcção da Caixa Geral de Aposentações foi reconhecido ao A. o direito à aposentação.
iii) A sua pensão foi calculada de acordo com o regime legal vigente e a situação existente em 02/06/2004, aplicando-se assim o n.º 1 do art. 53º do Estatuto da Aposentação, na redacção que lhe foi conferida pelo n.º 1 do art. 1º da Lei 1/2004, de 15/01.
iv) Pelo que, para o cálculo da sua pensão, à remuneração mensal relevante foi deduzida a percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência. Ora, v) Com tal não pode o Autor conformar-se, porquanto, dera entrada do seu pedido de aposentação nos serviços de que dependia (Direcção de Finanças de Aveiro) em 19/12/2003; o qual, segundo informação fornecida pela DGCI, depois de instruído, foi remetido para os Serviços Centrais em Lisboa onde deu entrada a 31/12/2003; sendo depois, em 08/01/2004, despachado e remetido à Caixa Geral de Aposentações, onde deu entrada em 14/01/2004.
vi) Nos termos do art. 1º/6 da Lei 1/2004, de 15.1, o disposto no seu n.º 1 (que, como referido, dá nova redacção ao art. 53º do Estatuto da Aposentação), não se aplica aos processos de aposentação enviados à CGA até à data da entrada em vigor da L 1/2004, 1/01/2004 (vd. art. 2º da mesma Lei).
vii) Em conformidade, dispõe o art. 12º/1, do CC que, a lei só dispõe para o futuro e depois de publicada no jornal oficial; e, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (id).
viii) Pelo que não pode o A. ser prejudicado no seu direito, validamente constituído e exercido junto dos serviços competentes, em data anterior à publicação da Lei 1/2004, de 15.1 — além do mais, por que o seu processo foi remetido à Caixa em 14-1-2004 devido a procedimento dos serviços oficiais a que é completamente alheio, mas ainda assim, antes da publicação da aludida lei.
ix) A nova lei, ao contrário do decidido no despacho em crise, não pode assim aplicar-se ao pedido do Autor uma vez que, à data em que esse pedido foi formulado, e em que inclusivamente foi remetido à Caixa, a Lei nº 1/2004 não havia ainda sido publicada.
x) Ou seja, ao pedido do Autor deve aplicar-se a lei em vigor ao tempo em que exerceu o seu direito, o art. 53º do Estatuto da Aposentação na redacção anterior à conferida pela Lei 1/2004 de 15.1, nos termos da qual não havia lugar à dedução da percentagem da quota para efeitos de aposentação e de pensão de sobrevivência para efeitos do cálculo da pensão de aposentação.
xi) Donde, a decisão impugnada viola o art. 12º, n.º 1, do Código Civil, onde se prescreve que a lei só dispõe para o futuro; xii) E ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se ficarem ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
xiii) Além de que, como bem assinala o Mmº Juiz a quo «Não obstante …poder haver uma lei com eficácia retroactiva» no caso vertente nem sequer «se coloca o problema da retroactividade das leis, mas tão-somente um problema de vigência». E «a vigência e eficácia das leis obedece às regras plasmadas no art. 2º da L 74/98» — que dispunha que “os actos legislativos e os outros actos de conteúdo genérico, entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, início da sua vigência verificar-se no próprio dia da publicação …” — vd. sentença a fls. 71 dos autos.
xiv) Daí retira o Mmº Juiz a quo, e a nosso ver bem, a conclusão de que: «Quando a Caixa … recebe o processo não pode invocar uma lei que não existe no ordenamento jurídico» (id.) .
xv) Mas mais: em sede de eventual relevância das disposições transitórias no tocante à eficácia temporal da «lei nova — in casu a L 1/2004 — sobre as situações que esta se propõe regular, assinala ainda o Mmº. Juiz a quo, muito a propósito, diga-se, o seguinte: «Dispõe o art. 9º do CC que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Do que se depreende que o legislador pretendeu salvaguardar as situações daqueles que tinham enviado os seus processos de aposentação até à data da entrada em vigor da lei nova, sendo estes aposentados de acordo com a lei antiga, desde que reunissem os requisitos legais.
Resulta da matéria provada que o Autor deu entrada do seu pedido de aposentação nos serviços de que dependia … em 19.12.2003, o qual segundo informação fornecida pela DGCI, depois de instruído foi remetido para os Serviços Centrais em Lisboa onde deu entrada em 31.12.2003, sendo depois, em 8.1.2004, despachado e remetido à CGA, e que, por ofício de 14.1.2004 deu entrada na CGA.
xvi) Assim sendo, como é, acertadamente conclui o Mmº Juiz a quo que: …o pedido deu entrada nos serviços da CGA antes da publicação da L 1/2004, em 15.1.2004. Logo, o pedido deu entrada antes do início da vigência (da lei nova), de acordo com o estatuído no art. 2º da L 74/98, de 11.11».
— idem fls. 72 dos autos.
xvii) Donde, conclui, sem razão para reparos, que: … a entidade de mandada quando calculou a pensão de aposentação do autor nos termos do nº 1 do art. 53 do Estatuto de Aposentação, na redacção dada pelo nº 1 do art. 1º da L 1/2004, incorreu em vício de violação de lei» — ibidem.
Termos em que, tudo considerado e em síntese, se apresenta de negar provimento ao recurso em presença, pela improcedência da sua tese essencial — «falta de fundamentação legal para considerar ilegal a disposição...
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