Acórdão nº 00201/04 de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelDulce Neto
Data da Resolução03 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: A Fazenda Pública recorre da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que J.. e esposa M.. deduziram contra o acto de liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2000 no montante de 8.852.767$00.

Rematou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A. Consiste a questão controvertida em saber da existência de facto tributário na esfera jurídica dos impugnantes, que agiram como mandantes no contrato d compra e venda.

B. Sendo que o mandatário agiu munido de procuração irrevogável para o efeito, facto de que a douta sentença, aplicando o nº 3 do art.11º da LGT, e aliando-a a um contrato-promessa de compra e venda entre mandantes e mandatário, utilizou para concluir como provado que os impugnantes não auferiram qualquer rendimento.

C. Não pode a Fazenda Pública conformar-se com tal entendimento na medida em que resulta da lei civil, nomeadamente do art. 408º conjugado com o 875º, ambos do Código Civil, que a transmissão do direito real de propriedade opera por mero efeito do contrato, materializado em escritura pública.

D. Por outro lado, a procuração é o negócio jurídico unilateral pelo que alguém atribui a outrém, voluntariamente, poderes representativos, produzindo-se os seus efeitos na esfera jurídica do representado (arts. 262º e 258º). Independentemente de se tratar de um mandato irrevogável, o mandatário ficou apto a agir sempre e só por conta dos mandantes.

E. Assim, apesar da existência do contrato-promessa e da procuração, os efeitos jurídicos da alienação do direito real de propriedade produziram-se, nos termos da lei civil, na esfera dos mandantes.

F. Portanto, não lograram os impugnantes provar, como lhes cabia, que se encontravam desvinculados do negócio celebrado pelo mandatário, nem que não receberam o preço.

G. Tendo por base este enquadramento jurídico-civilista e factual, não alcançamos a justeza da aplicação ao caso da interpretação por via da substância económica.

H. Em sede de interpretação e aplicação de normas tributárias ressalta clara a preocupação de expressar a ideia de que sempre que se utilizem conceitos e termos próprios de outros ramos de direito, deverá a interpretação dos mesmos respeitar o sentido que aí têm, nos termos do nº 2 do art. 11º da LGT.

I. Ora, os números 2 e 3 do art. 11º são de aplicação sucessiva, i.é, apenas em caso de impossibilidade de aplicação do nº 2 se chama à colação o nº 3, de forma que nunca subsiste contradição entre ambos, por o nº 3 ter natureza meramente residual.

J. Assim, deve entender-se que o direito tributário utiliza os conceitos elaborados por outros ramos de direito no mesmo sentido que aí têm, não tendo o intérprete-aplicador a faculdade de os alterar, a pretexto de naquele ramo de direito se atender primordialmente à substância económica.

K. Pelo que, só podemos concluir pela existência de facto tributário que decorre directa e exclusivamente da outorga da escritura de compra e venda, em 14 de Janeiro de 2000, com a transferência da propriedade e entrega do respectivo preço, uma vez que é este o contrato que produz os efeitos da transmissão civil do direito de propriedade e que terá relevância fiscal por força do nº 2 do art. 11º.

L. Por fim, a Fazenda Pública entende que o recurso à aplicação do nº 3 do art. 11º da LGT a situações concretas com a configuração relatada nestes...

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