Acórdão nº 097/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE LINO
Data da Resolução06 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 O Director-Geral dos Impostos vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que deu provimento ao recurso interposto por A... para anulação do despacho «segundo o qual foi fixado para o ano de 2006, por métodos indirectos, nos termos dos artigos 89.º-A da LGT e 65.º do CIRS, os rendimentos líquidos no valor de € 202.352,47».

1.2. Em alegação, a entidade recorrente formula as seguintes conclusões.

  1. É incorrecto qualificar qualquer dos factos presentes nos autos como manifestação de fortuna. A Sentença recorrida não se limita a fazer uso impróprio do conceito de manifestação de fortuna - que é inaplicável aos factos - e mistura-o com a figura prevista no artigo 87.°, alínea f), a ponto de as confundir no recorte e na disciplina procedimental.

  2. Em primeiro lugar, manifestação de fortuna é conceito que tem um significado jurídico-tributário rigoroso que se esgota nos factos típicos previstos nos números 1 e 4 do artigo 89.°-A da LGT.

  3. Ora, a decisão recorrida está fundamentada no disposto no artigo 87.°, alínea f) e, portanto na verificação de divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.

  4. Os factos presentes a juízo atestam que o valor patrimonial dos bens imóveis do recorrente era de € 176.963,38 no ano 2005 e que passou a ser de € 649.465,96 no ano 2006. Estes dados revelam que houve um acréscimo patrimonial de € 472.502,58.

  5. Por outro lado, no ano 2006 o rendimento global líquido declarado para efeitos de tributação em IRS foi € 5.414,42.

  6. Logo, existe a desproporção requerida na alínea f) do artigo 87.° da LGT e, por isso, teria que ser iniciado um procedimento de avaliação indirecta.

  7. E só no âmbito do procedimento de avaliação indirecta é que será apurado se essa desproporção corresponde ou não rendimento tributável não declarado, cabendo ao sujeito passivo o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte do acréscimo patrimonial evidenciado, nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A da LGT.

  8. Os pressupostos inscritos na alínea f) do artigo 87.° para abrir o procedimento de avaliação indirecta são objectivos. Por um lado, é requerida a existência de um acréscimo patrimonial e, pelo outro, o rendimento declarado. Se a divergência não justificada entre um e outro for de, pelo menos, um terço, ter-se-á forçosamente que iniciar um procedimento de avaliação indirecta no âmbito do qual é ao contribuinte que cabe o ónus da prova.

  9. Do que tratam os autos é da aplicação de um método de tributação indirecto, isto é, de um método que prescinde da captura rigorosa da realidade e, portanto, da qualificação dos rendimentos de acordo com o respectivo facto gerador - coisa que só é possível quando a tributação é directa - para perseguir indícios de capacidade contributiva que tributa mesmo sem qualificar os rendimentos quanto à fonte.

  10. Tal tributação concretiza-se como rendimento enquadrável na categoria G do IRS, nos termos do disposto no n.° 5 do artigo 89°-A da LGT. O que não significa que se tratam de rendimentos qualificáveis como mais-valias. Por definição, na tributação indirecta ignora-se o facto gerador da capacidade contributiva ou não é possível quantificá-la, pois se fosse conhecida a fonte do rendimento e a medida deste, a tributação teria forçosamente que ser directa e de acordo com o catálogo típico das normas de incidência positiva.

  11. Logo, os valores a tributar indirectamente nos termos dos artigos 87.° e 89.°-A da LGT não constituem mais-valias (se o fossem teriam que ser qualificados de acordo com as normas de incidência da categoria G). São encaminhados para a categoria G apenas para efeitos de englobamento e não por serem qualificados do rendimentos de mais-valias.

  12. Portanto, toda a argumentação presente na Sentença, que elabora à volta do qualificação do rendimento como mais-valias e da necessidade de estas serem realizadas e não meramente potenciais ou latentes, é absolutamente inconsistente com o disposto nos artigos 87.° e 89.°-A da LGT, na medida em que estes tratam de métodos de tributação indirecta que, por definição, pressupõem exactamente a impossibilidade de qualificar os rendimentos quanto à fonte.

  13. A alínea f) do artigo 87.° manda abrir o procedimento de avaliação indirecta à vista da verificação de três pressupostos ou indícios, todos eles objectivos: um acréscimo patrimonial, um rendimento declarado e a divergência não justificada entre um e outro de, pelo menos, um terço.

  14. A razão de ser do procedimento tributário de avaliação indirecta é precisamente a de conferir esses indícios, escrutinar a realidade que eles indiciam para confirmar se existe um não rendimento tributável encoberto atrás deles. É no procedimento que se irá apurar se esses indícios não são consistentes ou se a capacidade contributiva indiciada através deles não existe ou não é tributável. Esta conclusão tira-se facilmente à vista do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A.

  15. O que mais sobressai do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A é que nesta classe de procedimento tributário há uma inversão do ónus da prova."Cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo patrimonial ou o consumo evidenciados". Portanto, à Administração Tributária cabe a prova dos factos que fazem deflagrar o procedimento de avaliação indirecta, e esses são os tipificados na alínea f) do artigo 87.°. Ao contribuinte cabe toda a prova destinada a ilidir ou enfraquecer o corolário presuntivo que a lei tira desses indícios e que é o de que existe um rendimento tributável não declarado.

  16. Logo, não é ao órgão da Administração Tributária que é exigível a prova de que o acréscimo patrimonial não se registou no ano em causa ou não se registou todo no ano em causa, de que houve valorizações paulatinas não reflectidas no valor patrimonial tributário, de que este resulta de simples mudança das regras de avaliação ou de quais foram os custos de edificação do imóvel.

  17. Nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 89.°-A, tudo isso era ónus do recorrente.

  18. Por isso, não faz sentido reclamar essa prova da Administração Tributária.

  19. Se assim fosse perder-se-ia a razão de ser deste procedimento de avaliação indirecta, pois sempre que a Administração Tributária estivesse em condições de satisfazer todos aqueles requisitos de prova também estaria em condições de, se fosse caso disso, tributar os rendimentos sem necessidade de recorrer a métodos indirectos.

    Nestes termos e nos mais de direito que VExas. doutamente suprirão, deve ser revogada a sentença recorrida por repercutir uma interpretação incorrecta do disposto nos artigo 87°, alínea f) e 89.°-A, n.°s 3 e 5, da Lei Geral Tributária e por, no caso, estarem verificados todos os pressupostos da avaliação indirecta e ser legal o acto de fixação recorrido.

    1.3 O recorrido A... contra-alegou e apresentou as seguintes conclusões.

    1. Nem a avaliação de um imóvel nem a valorização de um imóvel de que o titular dos rendimentos é proprietário constituem «per se» acréscimo de património ou consumo evidenciado pelo sujeito passivo.

      II A Administração Tributária partiu do valor fixado numa avaliação para inferir que tal valor configurava um acréscimo patrimonial ou consumo evidenciado face ao valor declarado pelo sujeito passivo em sede de IRS, deslocando, assim, o ónus da prova para o sujeito passivo.

    2. Era à Administração Tributária que incumbia descobrir a verdade material sobre o rendimento manifestado na edificação do imóvel para afirmar que tais rendimentos divergiam dos rendimentos declarados no mesmo ano.

    3. Partir do valor fixado em avaliação ao imóvel do sujeito passivo e considerá-lo como «acréscimo de património» ou «consumo evidenciado», comparar aquele valor com o montante de rendimentos declarados para efeitos de IRS pelo mesmo sujeito passivo e concluir pela existência de «divergência não justificada» a que se refere a alínea f) do art. 87° da LGT, para, seguidamente, qualificar a dita divergência como «manifestação de fortuna e outros acréscimos patrimoniais não justificados» nos termos do n.° 5 do art. 89°-A da mesma LGT, constitui uma utilização abusiva das disposições legais citadas.

    4. O erro de raciocínio manifestado pela Administração Tributária em apresentar como fundamento duma proposição a demonstrar (que o valor patrimonial fixado constitui um «acréscimo de património ou um consumo evidenciado pelo sujeito passivo») a mesma proposição sob outras palavras (o valor patrimonial fixado constitui uma «(manifestação de fortuna por divergência não justificada»), para, além duma petição de princípio, constitui uma ilegalidade por falta de pressuposto de facto.

    5. Assim sendo, foi feita uma errada subsunção da situação fáctica do sujeito passivo aos invocados art. 87°, alínea f) e 89°-A, n.° 5 da LGT.

      Termos em que, para além da louvação na douta sentença recorrida, deverá ser negado provimento ao recurso.

      1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.

      Alega a recorrente Fazenda Pública que a decisão recorrida está fundamentada no disposto no artigo 87.°, alínea f) e, portanto, na verificação de divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os...

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