Acórdão nº 0463/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução11 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo 1.

Relatório A... e mulher B..., devidamente identificados nos autos, recorreram para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no TAF do Porto que, na ACÇÃO ORDINÁRIA que intentaram contra C..., SA, absolveu a ré do pedido.

Terminaram as alegações formulando as seguintes conclusões: 1) Dispõe o artigo 62° da Constituição da República Portuguesa que "A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da constituição" (n.° 1) e que "A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização" (n.° 2).

2) Nos termos do disposto no artigo 1305° do Código Civil "O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas".

3) O artigo 1308° do Código Civil refere que "Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei", acrescentando-se no artigo 1310° do Código Civil que "Havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados".

4) In casu provou-se que os AA. são donos e legítimos possuidores dos prédios referidos em 1.1) dos factos provados, sendo que em consequência da criação da servidão aeronáutica do Aeroporto do Porto, no património e na exploração da Ré, através do Decreto Regulamentar n° 7/83 de 3 de Fevereiro, resultou, para os AA., a imposição de desarborização de parte dos mesmos prédios, pelo que o prejuízo dos AA. decorre do abate antecipado das árvores, da perda de rendimentos futuros e dos danos provocados pelo abate.

5) Refere o artigo 27° nº 1 e 2 do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto Lei n.° 845/76 de 11/12, então em vigor, que "À expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos confere ao expropriado o direito a receber uma justa indemnização", sendo que "A indemnização será fixada com base no valor real dos bens expropriados e calculada em relação à propriedade perfeita (..)".

6) Nos termos do disposto no artigo 28° n.° 1 do Código das Expropriações a justa indemnização visa "(..) ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação. O prejuízo do expropriado mede-se pelo valor real e corrente dos bens expropriados (..)".

7) Refere, também, o artigo 30° n.° 1 do Código das Expropriações que "Para efeito de expropriação, o valor dos terrenos situados fora dos aglomerados urbanos será calculado em função dos rendimentos efectivo e possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como prédio rústico e ao seu estado no momento da expropriação, devendo tomar-se em conta, porém, a natureza do terreno e do subsolo, a sua configuração e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas, susceptíveis de influírem no seu valor, desde que respeitem unicamente àquele destino".

8) Por último, refere o artigo 350 do Código das Expropriações que "No caso de expropriação parcial, calcular-se-ão separadamente o valor total do prédio e os valores da parte compreendida e da não compreendida na expropriação. Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou da expropriação resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo o custo de novas vedações, especificar-se-ão, também em separado, essa depreciação e esses prejuízos ou encargos, correspondendo a indemnização ao valor da parte expropriada acrescida destas últimas verbas".

9) É nestas disposições legais que se funda o direito dos AA. a uma indemnização e não nos pressupostos legais da responsabilidade civil extracontratual subjectiva por factos ilícitos, uma vez que, na realidade, não se trata aqui da prática, pela Ré, de qualquer facto ilícito, doloso ou negligente verificando-se um nexo de causalidade adequada entre esse facto e o dano ocorrido (artigo 483° n° 1 do Código Civil).

10) Os AA. alegaram, e ficaram provados, os aludidos factos integradores do respectivo direito a uma indemnização, pelo que a acção deverá proceder.

11) O Decreto Lei n.° 246/79 de 25/07 veio criar a C... (C..., E. P.) - artigo 1°, que é uma pessoa colectiva de direito público que exerce os poderes e prerrogativas que lhe são conferidos por lei, designadamente em relação aos poderes do estado quanto à expropriação por utilidade pública, ocupação de terrenos, implantação de traçados, exercício de servidões administrativas e aeronáuticas ou de poderes definidos para as zonas de protecção, bem como quanto à responsabilidade civil extracontratual (artigo 2° nº 1 e 2 alíneas d) e g) do Decreto Lei n.° 246/79 de 25/07).

12) A criação e definição de servidões ligadas à exploração aeroportuária e às instalações de apoio à aviação civil afectas à actividade da empresa cabe ao órgão estadual competente, sob proposta da C..., E. P. (artigo 2° n.° 4 do Decreto Lei n.° 246/79 de 25/07).

13) No artigo 35° n.° 2 dos respectivos estatutos anexos àquele diploma refere-se que o estado só responderá perante terceiros pelos actos e factos imputáveis à empresa se e na medida em que de modo expresso tiver assumido tal responsabilidade.

14) O Decreto Lei n.° 404/98 de 18/12 veio transformar a C..., C..., E.P., na sociedade anónima com a denominação C..., S.A. (C..., S.A.) - artigo 9° n.° 1, que, nos termos do artigo 10° n.° 1 do Decreto Lei n.° 404/98 de 18/12, sucede automática e globalmente à C..., E. P., e continua a personalidade jurídica desta quanto ao serviço público aeroportuário de apoio à aviação civil, conservando a universalidade dos direitos e obrigações que se encontrem na esfera jurídica da C..., E. P., à data da transformação.

15) Nos termos do disposto no artigo 13° n.° 3 do Decreto Lei n.° 404/98 de 18/12 a C..., S.A., é a responsável única e exclusiva por quaisquer danos e prejuízos que cause a terceiros no exercício das actividades concedidas.

16) Ao abrigo do disposto no artigo 14° n.° 1 alíneas d), e) e h) do Decreto Lei n.° 404/98 de 18/12 para a prossecução do serviço público que lhe está concessionado a C..., S.A. detém os poderes e prerrogativas do estado quanto à expropriação por utilidade pública, na qualidade de entidade expropriante, de imóveis e direitos a eles relativos que se mostrem necessários à prossecução do serviço público concessionado, sem prejuízo do exercício, nos termos do Código das Expropriações, das competências próprias do membro do Governo competente, 17) Bem como à ocupação de terrenos, implantação de traçados, exercício de servidões administrativas e aeronáuticas ou de poderes definidos para as zonas de protecção, designadamente os relativos a medidas restritivas de actividades e de utilização de solos e à responsabilidade civil extracontratual.

18) Nos termos do n.° 4 do artigo 14° do Decreto Lei n.° 404/98 de 18/12 a criação e definição de servidões ligadas à exploração aeroportuária e às infra-estruturas afectas à concessão cabe ao órgão competente, podendo a proposta ser apresentada pela C..., S A., devidamente informada pelo Instituto Nacional da Aviação Civil.

19) Portanto, é de concluir que a entidade responsável pelo pagamento da indemnização devida aos AA. é a Ré e não o Estado, aliás, repare-se, nem a própria Ré invocou a responsabilidade do Estado na situação presente.

20) A decisão recorrida viola, por isso, claramente, as normas dos artigos 62° da Constituição da República Portuguesa, 1305°, 1308° e 1310° do Código Civil e 27°, 28°, 30° e 35° do Código das Expropriações.

Respondeu a ré considerando não ser devida qualquer indemnização, estar prescrito o direito à indemnização e, em qualquer caso, não serem devidos juros de mora.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

  1. Fundamentação 2.1.

    Matéria de facto A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: "1. Da Matéria Assente: 1.1 - Os Autores são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios sitos no lugar da ..., freguesia de Aveleda, concelho de Vila do Conde:

    1. Prédio rústico denominado ... e do ..., a pinhal, com eucaliptos e castanheiros, confrontando do norte com D..., do sul com E..., do nascente com F... e do poente com caminho público, com a área de 18.150 m2, actualmente inscrito na respectiva matriz sob o artigo 15 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob a 12 gleba do prédio n° 13400 do Livro B-36; b) Prédio rústico denominado ..., a pinhal e eucaliptal, confrontando do norte e poente com caminho público, do nascente com G... e Outro, e do sul com H..., com a área de 4.610 m2, inscrito respectiva matriz sob o artigo 71 e descrito naquela mesma Conservatória do Registo Predial sob o n° 21144 do B-55 (al. A)); 1.2 - a) primeiramente em compropriedade com terceiros, através de doação formalizada por escritura de 11 de Fevereiro de 1975, exarada de fls. 49 a fls. 51 verso do Livro A-66 do Primeiro Cartório Notarial de Vila do Conde, b) depois, por troca que neles consolidou a plena propriedade, formalizada por escritura pública do dia 17 de Junho de 1991 e exarada de fls. 61 a 62 verso do Livro 147-E do Primeiro Cartório Notarial do Porto (al. B)); 1.3 - Acresce que, tendo aquela doação sido celebrada com reserva de usufruto a favor de doador, F..., este faleceu em 21-09-1989 (al. C)); 1.4 - Há mais de 20 e 30 anos, por si e antepossuidores, se acham na sua posse, colhendo frutos e rendimentos e suportando o pagamento dos encargos, designadamente impostos, posse essa adquirida sem violência, sempre exercida na convicção de não se lesarem direitos de outrem, sem soluções de continuidade, isto é, dia a dia...

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