Acórdão nº 0862/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelJORGE LINO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

1.1 "A..., S.A." vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a presente impugnação judicial.

1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.

  1. O n.º 1 do artigo 24.º do Código do IRC, ao estabelecer que as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício concorrem para a formação do lucro tributável nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, refere-se às condições estabelecidas no n.º 1 do artigo 23.º.

  2. O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não estabelece "condições" para que custos e perdas possam concorrer para o lucro tributável; limita-se a excluir desse concurso certas menos-valias realizadas na alienação onerosa de partes de capital, ainda que preencham as condições do n.º 1 do mesmo artigo 23.º.

  3. As "condições" para que custos e perdas possam concorrer para o lucro tributável são serem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

  4. O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não veio acrescentar a essas condições nenhuma outra, mas veio determinar que certas perdas "não são aceites" ainda que preencham as condições enunciadas no n.° 1.

  5. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC é uma norma excepcional, pois destina-se a ressalvar, de entre as menos-valias que concorrem para o lucro tributável nas condições do n.° 1 do mesmo artigo, aquelas que resultem da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes que tenham relações especiais nos termos do n.° 4 do artigo 58.° do mesmo código.

  6. Os artigos 23.° e 24.° do Código do IRC regulam componentes distintas do lucro tributável. O primeiro regula os custos e perdas que concorrem para o resultado líquido do exercício; o segundo, as variações patrimoniais negativas que não concorrem para esse resultado.

  7. Sendo o n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC uma excepção ao regime dos custos e perdas que concorrem para o resultado do exercício, contido no artigo 23.°, não é lícito inferir que constitui, igualmente, uma excepção ao regime das variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado do exercício, contido no artigo 24.°.

  8. Não se pode presumir ter sido vontade do legislador que a excepção introduzida pelo n.° 7 na disciplina do artigo 23.º devesse constituir igualmente uma excepção à disciplina do artigo 24.° do Código do IRC.

  9. Não tendo a administração tributária questionado o preço atribuído pela ora recorrente às acções transmitidas, não pode o Tribunal a quo fazê-lo para concluir pelo comportamento abusivo desta.

  10. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC não é uma norma anti-abuso: não visa contrariar qualquer abuso resultante das condições acordadas entre entidades relacionadas, uma vez que se aplica independentemente de essas condições serem diferentes ou iguais às que seriam acordadas entre entidades independentes.

  11. Para se poder considerar que o n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC é uma "norma anti-abuso destinada a introduzir medidas de moralização" seria necessário considerar abusiva e imoral toda a transmissão onerosa de partes de capital entre entidades especialmente relacionadas.

  12. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC determina a não aceitação de custos e perdas realizados na transmissão onerosa de partes de capital entre entidades especialmente relacionadas, ainda que: a) as condições entre estas acordadas sejam as mesmas que seriam acordadas entre entidades independentes e que b) os custos ou perdas sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos tributáveis ou para a manutenção da fonte produtora.

  13. A disciplina do n.° 1 do artigo 23.° e do artigo 58.° do Código do IRC asseguram plenamente a tributação pelo lucro real, independentemente do n.° 7 do artigo 23.°.

  14. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC constitui uma restrição desproporcional ao direito à tributação pelo lucro real, consagrado no n.° 2 do artigo 104° da Constituição da República Portuguesa, violando assim esta disposição constitucional.

  15. O acto impugnado é assim, ilegal, por violação de lei, em particular do artigo 24° do Código do IRC e, em última análise, por fazer uma aplicação do n.° 7 do artigo 23° do IRC em desconformidade com o disposto no seu artigo 104º n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.

  16. A douta sentença recorrida deve ser revogada por manter na ordem jurídica o acto ilegal e ainda por omissão de pronúncia quanto ao vício de inconstitucionalidade invocado pela ora recorrente.

    Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta decisão recorrida e anulado o acto tributário impugnado com todas as consequências legais.

    1.3 Não houve contra-alegação.

    1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.

    O julgado deve ser confirmado por nele se ter feito boa interpretação e aplicação da Lei.

    O recorrente não fundamenta a desproporcionalidade das restrições ao direito à tributação pelo lucro real.

    A opção constitucional pelo rendimento real (art. 104º nº 2 da CRP) exige um sistema fiável de conhecimento dos resultados das empresas, pelo que, não sendo isso possível, em muitos sectores, acaba por se tributar não os lucros efectivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados.

    Foi certamente por isso que o preceito constitucional apenas exige que a tributação incida "fundamentalmente" sobre o rendimento real das empresas.

    Ora, a desproporcionalidade só se for intolerável, de um ponto de vista jurídico é que viola a constituição da República, sendo certo que a recorrente não alega nem demonstra a referida intolerabilidade.

    O resto está dentro dos poderes de conformação do legislador ordinário.

    Termos em que sou de parecer que o recurso não merece provimento.

    1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.

    Em face do teor das conclusões da alegação, em especial das conclusões 14. e 15., bem como da posição do Ministério Público, as questões que aqui se colocam são as de saber se ocorre no caso violação do artigo 24.º do Código do IRC; ou uma interpretação do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC desconforme com o disposto no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

    2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.

    a) A impugnante declarou, relativamente ao ano de 2003, uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado de exercício no valor de € 2.092.295,56...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT