Acórdão nº 0186/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Dezembro de 2008

Data17 Dezembro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1 - A..., intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção popular na forma de recurso contencioso do acto de licenciamento das obras do hotel "B...", na vila da Calheta, Madeira, praticado pelo Senhor PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DA CALHETA.

É Contra-interessada a sociedade C..., Lda.

O processo foi remetido ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na sequência de declaração de incompetência territorial do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Por despacho de fls. 325-345, o Meritíssimo Juiz julgou improcedentes as questões prévias suscitadas.

Inconformadas, a Autoridade Recorrida e a Contra-interessada interpuseram recursos daquele despacho, que foram admitidos com subida diferida (fls. 349, 350, 355 e 357).

O Senhor Presidente da Câmara Municipal de Calheta apresentou alegações no seu recurso jurisdicional em que concluiu da seguinte forma: 1. O presente recurso circunscreve-se à questão prévia da irrecorribilidade do acto impugnado, julgada improcedente através da decisão de fls. 325 e seguintes dos autos.

  1. Apesar de a decisão recorrida reconhecer que "o acto que manda emitir o alvará, que pressupõe a existência de licenciamento, é um mero acto de execução e, por isso, irrecorrível" (cfr. fls. 344), a verdade é que daí não retira as legais consequências, rejeitando, como deveria, por irrecorribilidade, o presente recurso contencioso de anulação.

  2. Ao invés, o Tribunal recorrido entendeu que "é perfeitamente desculpável o erro em que o conteúdo do alvará fez o recorrente cair", considerando "que o que o Recorrente quer é atacar o despacho municipal que, segundo o próprio alvará, permitiu a construção", assim julgando improcedente a excepção da irrecorribilidade (cfr. fls. 345 dos autos).

  3. Sucede que o ónus de identificar o acto recorrido impende sobre o ora agravante, nos termos do disposto no artigo 36º n.º 1 alínea c) da LPTA, e que o erro na identificação do acto recorrido não é passível de regularização, por o artigo 40º n.º 1 da LPTA não o permitir.

  4. De facto, a petição só pode ser corrigida se houver erro desculpável na identificação do autor do acto, mas não já quando houver erro, desculpável ou não, na identificação do acto recorrido - cfr. artigo 40º n.º 1 alínea a) da LPTA.

  5. Impedido, por força do disposto no referido artigo 40º da LPTA, de convidar o agravado a corrigir a identificação do acto impugnado, o Tribunal "a quo" resolveu sanar oficiosamente, em manifesta fraude à lei, tal erro por via da decisão ora em apreço, considerando "que o que o Recorrente quer é atacar o despacho municipal que, segundo o próprio alvará, permitiu a construção" (cfr. fls. 345 dos autos).

  6. Acontece que o objecto do presente recurso era, e continua a ser, o acto que ordenou a emissão do alvará de construção, e não o acto que licenciou essa mesma construção, já que só este, e não aquele, permitiu a construção.

  7. Ora, o acto que manda emitir o alvará de licença de construção é um mero acto de execução e, por isso, irrecorrível, razão pela qual deveria a decisão recorrida ter rejeitado, como era devido, o presente recurso por irrecorribilidade do acto impugnado.

  8. Surpreendentemente, o Tribunal recorrido, para justificar a não rejeição do presente recurso por irrecorribilidade, vem pôr em causa a existência do procedimento administrativo municipal de licenciamento da construção em apreço, bem como, e sobretudo, do acto final desse mesmo procedimento.

  9. Todavia, o disposto no artigo 48º do RJLOP foi escrupulosamente observado no processo em análise, já que, posteriormente à aprovação, pela Direcção Regional de Turismo, do projecto do Hotel B..., teve seguimento o respectivo procedimento municipal de licenciamento, sendo que o acto de aprovação não foi impugnado e, no caso, o licenciamento, assume, em bom rigor, ele próprio, a natureza de acto de execução.

  10. Na verdade, por ofício de 31.10.1996, a Direcção Regional de Turismo informou a Câmara Municipal da Calheta de que "aprova, ao abrigo do Decreto Regulamentar n.º 8/89, de 21 de Março, aplicado à Região pelo Decreto Legislativo Regional n.º 25/M/92, após consulta das seguintes entidades: Câmara Municipal da Calheta, Secretaria Regional do Equipamento Social e Ambiente e Secretaria Regional de Economia e Cooperação Externa, o projecto como Hotel de 4 estrelas, com a capacidade de 52 quartos/2 suites/108 camas - cfr. doc. 4 junto com a resposta ao pedido de suspensão de eficácia.

  11. Mais informou a Direcção Regional de Turismo que as obras poderiam iniciar-se, após a aprovação dos projectos na especialidade na Câmara Municipal da Calheta, e a aprovação do projecto de segurança contra incêndios, ao Serviço Regional de Protecção Civil - cfr. doc. 4 supra referido.

  12. Nessa sequência, a Câmara Municipal da Calheta notificou, em 5/11/96, a recorrida particular C..., Lda. para apresentar os projectos de especialidade - cfr. doc. 11 junto com a resposta ao pedido de suspensão de eficácia - o que esta efectivamente fez.

  13. É certo que no processo instrutor não consta qualquer deliberação expressa, por parte da Câmara Municipal da Calheta, no sentido de deferir o licenciamento da construção.

  14. Mas também é certo que essa deliberação não tinha necessariamente de existir, já que a partir da apresentação dos projectos das especialidades começou a correr o prazo de 30 dias para a Câmara Municipal deliberar sobre o licenciamento, conforme decorre do artigo 20º n.º 1 e 2 alínea a) do RJLOP. Ora, não o tendo feito, e ultrapassado o prazo legal de decisão (30 dias), formou-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 61º do RJLOP, acto tácito de deferimento, que não foi impugnado.

  15. Efectivamente, não tendo a Câmara Municipal da Calheta decidido, no prazo de 30 dias a contar da apresentação dos projectos na especialidade, o licenciamento de obras, formou-se acto tácito de deferimento, deferimento este que consubstancia a licença de construção e incorpora a aprovação de todos os projectos apresentados, nos termos do artigo 20º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20/11, alterado pela Lei n.º 29/92, de 5/9 e pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15/10.

  16. Só este deferimento tácito é que consubstancia a decisão final do processo de licenciamento de obras particulares e quando muito só este era susceptível de ser impugnado contenciosamente. Já não o acto recorrido, que ordenou a emissão do alvará, que é mero acto de execução, contenciosamente insindicável, sendo que também o acto de aprovação do projecto pela Direcção Regional de Turismo não foi impugnado.

  17. O ora agravado não recorreu do referido deferimento tácito, nem do acto de aprovação do projecto, mas do despacho que, em sua execução, ordenou a emissão do alvará de licença, razão pela qual o presente recurso contencioso deveria ter sido rejeitado por irrecorribilidade do acto impugnado, como o próprio despacho recorrido, contraditoriamente reconhece.

  18. O despacho recorrido, de forma inviesada e ilegal, altera o objecto do recurso, como altera o sujeito da instância, que passa a ser a Câmara Municipal, que não foi demandada e pela construção arrevesada do despacho recorrido, continua a não ser, como se proporcionou a recuperação de prazo de impugnação do acto de licenciamento que já precludira, ofende-se os princípios da equidistância e imparcialidade a que o Tribunal se deve subordinar.

  19. A douta decisão recorrida violou, entre outras disposições legais, os arts. 36º n.º 1 alínea c) e 40º n.º 1 ambos da LPTA e os artigos 61º n.º 1, 20º n.º 1 alínea a) e 17º A n.º 1 todos do RJLOP.

    Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, revogado o douto despacho recorrido, com as legais consequências.

    Por despacho de fls. 372, o Meritíssimo Juiz julgou deserto o recurso jurisdicional interposto pela Contra-interessada, por falta de alegações. Este despacho não foi impugnado.

    No mesmo despacho, o Meritíssimo Juiz sustentou a decisão recorrida, remetendo para os seus fundamentos.

    Por sentença de 15-7-2005, o Meritíssimo Juiz julgou procedente o recurso contencioso e - declarou a nulidade do acto de licenciamento municipal das obras de construção do edifício do Hotel B... na Vila da Calheta (hoje, ... Hotel), - bem como a nulidade do despacho de 16-9-97, referido no alvará de licença de construção n.º 122/97, da Câmara Municipal da Calheta, que mandou emitir o alvará de licença de construção do edifício do Hotel B... na Vila da Calheta (hoje, ... Hotel), com isenção de taxas.

    Novamente inconformadas a Contra-interessada e a Autoridade Recorrida interpuseram recursos jurisdicionais da sentença.

    O recurso interposto pela Contra-interessada foi julgado deserto por falta de alegações (fls. 528).

    A Autoridade Recorrida veio a apresentar alegações do...

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