Acórdão nº 0561/07 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelPAIS BORGES
Data da Resolução23 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: (Relatório) I. B..., Procuradora da República no Tribunal do Trabalho de ..., identificada a fls. 2, intentou neste Supremo Tribunal Administrativo, contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, acção administrativa especial visando a anulação do acórdão daquele Conselho Superior de 14/03/2007, que indeferiu a reclamação que apresentara do acórdão da respectiva Secção Disciplinar, de 14.03.2006, pelo qual lhe foi aplicada a pena de advertência, e a condenação do R. à prática dos actos adequados a apagar os efeitos decorrentes da referida sanção, designadamente a sua eliminação do registo biográfico e a publicitação da anulação.

A entidade demandada contestou a acção, sustentando a improcedência da mesma.

Na sua alegação, a A. formula as seguintes conclusões: 1. Os factos dados como provados no relatório em que se louva o acto impugnado não permitem de todo sustentar qualquer juízo de censura relativamente à A..

2. A decisão impugnada baseia-se num conjunto de juízos valorativos e conclusivos sem qualquer suficiente fundamentação nos factos realmente apurados.

3. Esquece por completo o grave circunstancialismo em que, por virtude da conduta persecutória do Mmo Juiz (aliás já provado pela condenação deste em processo crime), a A. foi ilegitimamente colocada.

4. Omite que as atitudes assumidas pela A. o foram no exercício das suas competências legais, v.g. em defesa dos interesses dos sinistrados e no uso das faculdades previstas na lei, 5. Ou assumiram o mesmo carácter de defesa ou repulsão de atitudes ofensivas e persecutórias por parte do mesmo Mº Juiz, 6. O qual, aliás, nenhum poder legal tem para fazer à A. admoestações ou chamadas de atenção quanto à forma de esta exercer as suas funções ou de dirigir os respectivos serviços.

7. Nunca a A. adoptou qualquer postura persecutória contra quem quer que fosse, 8. Como a hipotética responsabilidade disciplinar por muitos dos factos invocados no relatório já há muito que estava prescrita.

9. A A. sempre adoptou um comportamento tendente a evitar - mesmo que à custa da sua própria integridade moral - que o ambiente no Tribunal piorasse mais do que a conduta do Mº Juiz já determinara.

10. As atitudes da A. não geraram qualquer repercussão pública negativa e muito menos foram apurados factos que permitam estabelecer qualquer nexo de causalidade entre condutas da A. e consequências, directas e necessárias, negativas.

11. Não foi, pois, demonstrado qualquer facto imputado à A. que seja susceptível de fundamentar um juízo de censura disciplinar. Sem nada conceder, 12. A sanção impugnada também esquece por completo a ponderação de todas as diversas e muito acentuadas circunstâncias atenuantes gerais e especiais, 13. Além de retirar alguns dos factos do respectivo contexto e esquecer outros, conferindo ao respectivo conjunto um sentido e uma relevância que manifestamente não têm.

14. Existe assim, manifestamente, desconformidade entre a verdade material dos factos e os pressupostos fácticos do acto impugnado, gerando assim e inapelavelmente, "ex vi" do art. 135º do C.P.C., a sua anulabilidade, a qual deve ora aqui ser declarada, com todas as consequências legais.

Termos em que a presente acção deve ser julgada procedente e, consequentemente, ser anulada a sanção aplicada, condenando-se ainda a entidade Ré a proceder à prática de todos os actos que se revelem adequados a fazer apagar todos os efeitos decorrentes da mesma sanção, maxime com a sua eliminação do registo biográfico da A. e com a competente publicitação da presente anulação.

  1. Contra-alegou o R. Conselho Superior do Ministério Público, nos termos de fls. 85 e segs., aduzindo, em suma: · A A. imputa à deliberação impugnada vício de violação de lei por erro nos pressupostos (a materialidade apurada não viola os deveres de lealdade, respeito e correcção, e, de qualquer modo, não foram ponderadas circunstâncias atenuantes de relevo), defendendo ainda ter ocorrido a prescrição da responsabilidade disciplinar relativamente a alguns dos factos invocados, nomeadamente os referentes aos despachos de processos de acidente de trabalho para remição de capital; · Quanto à prescrição, importa reter que os factos que mereceram censura e sanção disciplinar ocorreram TODOS a partir do Verão de 2003, altura em que se deterioraram as relações pessoais entre a A. e o magistrado judicial, e que a instauração do inquérito e processo disciplinar, bem como a decisão sancionatória da Secção Disciplinar do CSMP ocorreram antes do final do Verão de 2006, pelo que, mesmo sem descontar os períodos de suspensão, foi respeitado o prazo previsto no art. 4º do ED aprovado pelo DL nº 24/84, de 16 de Janeiro; · E não se verificam os erros nos pressupostos apontados à decisão, pois que os factos reportados no relatório de Inspecção constituem uma postura imprópria e incorrecta, violadora dos deveres funcionais mencionados, sendo também certo que foram ponderadas todas as circunstâncias atenuantes invocadas pela A. e que conduziram à aplicação da pena mais leve legalmente prevista.

* Colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.

(Fundamentação) OS FACTOS Consideram-se provados, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes factos: 1. Por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, de 14/12/2004, e com base em duas participações dirigidas àquela entidade a 28.07.2003 e 19/12/2003, foi instaurado à A. inquérito disciplinar (Proc. nº .../...); 2. Pelo Instrutor do processo foi elaborado o relatório final (fls. 480 a 510 do apenso), cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, designadamente, o seguinte: "(...) 23.- A Dr.ª B... iniciou funções no Tribunal de Trabalho de ..., com a categoria de Procuradora da República, em 99.09.16.

24.- Também nesse referido mês e ano (Setembro de 1999) iniciou funções no mesmo tribunal, o Exmo. Juiz, Dr. C....

25.- O relacionamento, pessoal, entre ambos começou por ser normal e, foi-se fortalecendo com o decurso do tempo, tornando-se mais próximo e cordial, ao ponto dos mesmos e respectivos familiares fazerem convites mútuos e confraternizarem em jantares, passeios, tomar café, etc.

26.- Todavia, a partir de 2003, particularmente após as férias judiciais de verão desse ano, o relacionamento entre tais magistrados (Juiz e Procuradora da República) começou a degradar-se, tornando-se bastante frio, distante e tenso.

27. - Na origem da degradação desse relacionamento estão questões de índole eminentemente pessoal, não descortinadas, envolvendo ambos os magistrados.

28.- A partir da data supra referida, as suas relações passaram a ser meramente funcionais e reduzidas ao estritamente necessário.

29.- O mau relacionamento entre Juiz e Procuradora da República, começou a repercutir-se, negativamente, no trabalho diário de ambos, bem como no dos oficiais de justiça do tribunal, da secção de processos e da unidade de apoio ao M.ºP.°, provocando um mau ambiente de trabalho.

30.- E começou a ser exteriorizado, por diversas formas.

31.- No dia 03.12.12, o Mmo. Juiz, Dr. C..., lavrou o provimento n.º 11 (constante de fls. 130 a 132) que aqui se dá por inteiramente reproduzido, terminando com a seguinte determinação, passamos a citar: "Determino para ser cumprido de imediato, (sublinhou) que os funcionários que "laboram" da Secretaria do Ministério Público coloquem na parte interior da secção, para que não possa ser retirado, um cartaz que indique tratar-se da Secção dos Serviços do Ministério Público, com o respectivo horário de funcionamento; que os funcionários de justiça que "laboram" da Secretaria do Ministério Público retirem pelo menos uma "película" do vidro de uma das portas da secção para que o interior da mesma seja visível; que os funcionários de justiça que "laboram" da Secção Central coloquem igualmente na parte interior da secção, para que não possa ser retirado um cartaz que indique tratar-se da Secção Central do Tribunal com o respectivo horário de funcionamento.

Dê-se conhecimento do presente provimento à Digna Magistrada Do Ministério Público.

Entregue-se cópia deste Provimento a cada um dos Funcionários que chefia cada uma das secções.

Mais determino que oportunamente, caso as nossas instruções não sejam cumpridas, o Sr. secretário deste Tribunal averigue e informe das razões do referido incumprimento, para que possam ser efectuadas as competentes participações a quem de direito." 32.- Seguiu-se, em resposta ao mesmo, o provimento n.º 11/2003, de 03.12.17, da autoria da Senhora Procuradora da República, Dr.ª B... (constante de fls. 133 a 136) que aqui se tem por inteiramente reproduzido, transcrevendo- se, a seguir, a sua parte final: ..."Porém, e sem querer ou pretender desautorizar seja quem for, pois que não se desautoriza quem não tem autoridade para dar a ordem, porque a presidência dos serviços afectos ao Ministério Público deste Tribunal de Trabalho, é da minha competência, determino que os funcionários de justiça que "laboram" na Unidade de Apoio ao Ministério Público retirem o cartaz afixado na porta dos serviços do...

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