Acórdão nº 029319 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Julho de 2008
Magistrado Responsável | PIRES ESTEVES |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: A..., Limitada, com sede na ..., com sede na freguesia de Almansil, concelho de Loulé, impugnou contenciosamente o acto administrativo contido no Decreto Regulamentar n° 2/91, de 24 de Janeiro, aprovado em Conselho de Ministros, que aprovou o Plano de Ordenamento e Regulamento do Parque Natural da Ria Formosa que no seu mapa anexo incluiu todo prédio sua propriedade uma reserva natural quando o mesmo se situa todo fora do sistema lagunar e dentro da orla terrestre.
Nas suas alegações a recorrente formula as seguintes conclusões: "1ª - A resposta da autoridade recorrida deu entrada na Secretaria do Tribunal fora de prazo, pelo que deve ser desentranhada dos autos, por extemporânea; 2ª - Todavia, sem se conceder, a recorrente levou aqui em conta aquela resposta apenas para o efeito de demonstrar que ela só confirma e consolida a petição inicial; 3ª - O acto impugnado é recorrível, desde logo, porque, não obstante vazado em forma regulamentar, tem, quanto à recorrente, o conteúdo, o alcance e a interpretação de um acto administrativo definitivo e executório: - tem esse conteúdo, porque em violação do disposto no art° 2° n° 1 al. b) n° IV, o acto recorrido produz efeitos jurídicos num caso concreto, sujeitando ao regime da reserva natural os concretos terrenos abrangidos pelos seus limites, cujos proprietários são pessoas jurídicas identificáveis; o acto administrativo em causa reveste, pois, a natureza de acto administrativo plural, que não se confunde com a norma jurídica, geral e abstracta; e, define, em termos de decisão final, a posição da Administração em face da recorrente, sujeitando-a, ao integrar a sua propriedade numa reserva natural em lugar de na orla terrestre (como decorria do referido art° 2°), a um regime em que a conservação da natureza e a investigação científica são «objectivos primordiais» em lugar de o serem o ius aedificandi e a conservação dos seus tejos e das suas salinas (arts. 10º e 3º, 4° e 5° do citado Decreto Regulamentar); - tem esse alcance e essa interpretação, porque o acto recorrido discrimina especificamente a propriedade da recorrente, impondo-lhe desproporcionalmente um regime ecológico excessivo, não só em violação do citado art° 2° n° 1 al. b), como também por confronto com os terrenos vizinhos, excesso esse que, aliás, não foi minimamente justificado ou fundamentado no acto recorrido; ou seja, o acto recorrido foi praticado ad hominem, isto é, para produzir efeitos jurídicos especificamente quanto à recorrente e para a prejudicar, e só a ela, dado que na prática os proprietários dos outros terrenos integrados na reserva natural já não são atingidos pelo conteúdo deste regime ecológico; 4ª - O acto recorrido também é impugnável porque não é um acto de execução DL. n° 373/87, já que este próprio o previa como um acto autónomo em matéria de zonamento; 5ª - Mantém-se procedente a demonstração dos vícios de violação de lei, vício de forma e desvio de poder levada a cabo na petição inicial e que a autoridade recorrida não logrou contestar; 6ª - No que especificamente toca à demonstração de que a propriedade da recorrente está situada fora do sistema lagunar e dentro da orla terrestre, e perante a obstinada recusa do recorrido em o compreender não obstante não fundamentar, também aqui, a sua posição nada melhor do que a recorrente o provar por abalizado estudo científico, que oportunamente será junto a este processo; 7ª - No que especificamente respeita à demonstração do desvio de poder, o recorrido não só não contrariou a petição inicial como até robusteceu-a, ao continuar recusar-se, com agressiva paixão (portanto, por razões subjectivas que excluem a isenção e a imparcialidade), a aceitar que a recorrente é proprietária dos terrenos em causa, o que ela sabe ser reconhecido desde logo pelo registo predial, mas também por documentos oficiais, actos administrativos anteriores e escrituras públicas. Designadamente, o acto de concessão de 1884 nada prova em contrário, não só porque aquele acto a si próprio se qualificava de doação régia, como também porque nem toda a propriedade da recorrente foi concedida, como também porque dos 16.000 hectares concedidos então o recorrido só levanta dúvidas sobre a propriedade dos 500 hectares da recorrente; 8ª - Como pano de fundo de toda a errada actuação jurídica do recorrido neste processo, está uma concepção do direito ao ambiente contrária ao texto constitucional, já que, segundo este, a relação daquele direito com o direito de propriedade não é a da «subalternização» deste, como pretende o recorrido, mas a da limitação recíproca dos dois direitos e só nos casos previstos no mesmo texto constitucional como decorre da letra e da filosofia do art° 18° n° 2 da Constituição, devendo, além disso, as restrições aos direitos constar de lei geral e abstracta, o que faz descobrir dois novos vícios do acto recorrido: o da violação de lei por inconstitucionalidade formal, dado que o acto recorrido restringe o direito de propriedade da recorrente sem revestir a forma de lei geral e abstracta, como impõe o art° 18° n° 3 da Constituição, e o da violação de lei por inconstitucionalidade material, resultante do facto de a restrição ao direito de propriedade da recorrente trazida pelo acto recorrido diminuir a extensão e o alcance conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, pelo menos o princípio da proporcionalidade (arts. 18° n° 2 e 266° 2 da CRP) e o direito à indemnização (art° 62° nº 2 da CRP)".
Formula a entidade recorrida, nas suas alegações, as seguintes conclusões: "1ª - A resposta da entidade recorrida foi tempestivamente apresentada nesse venerando tribunal, nos termos que ficaram consignados; 2ª - O acto impugnado é irrecorrível, por não configurar um acto administrativo definitivo e executório, susceptível de impugnação contenciosa; Com efeito, 3ª- O Decreto Regulamentar em apreço, procede somente à regulamentação da matéria anteriormente definida no DL. n° 373/87, que criou o Parque Natural da Ria Formosa; 4ª - Aquele Decreto Regulamentar constitui, pois, mero acto consequente deste, sendo, assim, irrecorrível; 5ª- O Decreto Regulamentar em recurso não padece dos invocados vícios de forma e desvio de poder, como se sustentou na...
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