Acórdão nº 9812/03.2TVLSB.L1-8 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 21 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução21 de Maio de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO Associação Portuguesa de ---- intentou acção ordinária, contra --- - Linhas Aéreas ---, pedindo seja esta condenada a pagar os montantes correspondentes à comissão incidente sobre o passenger service charge, desde 1 de Janeiro de 1994 até final, bem como os juros desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento, calculados às taxas legais em vigor em cada momento, sendo o montante devido aos anos de 1998 a 2000 de 165.044,42 euros, acrescido de 74.527,22 euros de juros desses anos, contados desde 1 de Janeiro do ano seguinte a que se reportam, bem como os vincendos.

Pede ainda que seja declarada a existência do direito das representadas da APAVT a receber comissões, à taxa vigente em cada momento, sobre os montantes relativos à passenger service charge ( taxa de serviço a passageiros).

Em síntese, alegou que até 31 de Dezembro de 1993 as companhias aéreas, nomeadamente a ré, apresentavam uma tarifa única no titulo de transporte (bilhete) e autonomizavam uma taxa única (a taxa de segurança), pagando aos agentes de viagem uma comissão correspondente a uma percentagem, em vigor em cada momento, sobre a tarifa. A ré, a partir de 1 de Janeiro de 1994, alterou esta prática passando a apresentar, no título de transporte, uma série de caixas (boxes) - PTE - Tarifa; PT - correspondente à taxa de segurança (security charge) e YP - correspondente à taxa de serviço de passageiros (passanger service charge) - com o objectivo de excluir da comissão paga aos agentes de viagens o montante referente à passanger service charge.

Esta, cobrada pelo aeroporto às companhias aéreas, faz parte dos custos que estas têm de suportar para transportar os passageiros que procuram os seus serviços, correspondendo ao montante que o aeroporto cobra à companhia aérea pela utilização e movimentação de passageiros, clientes dessa companhia, naquelas instalações.

Contestou a ré, excepcionando a nulidade de todo o processo, por contradição entre o pedido e causa de pedir, a ilegitimidade da autora para os termos da acção, e estar configurada uma situação de abuso de direito, porquanto entre 1 de Janeiro de 1994 e 31 de Outubro de 2003 as agências de viagens associadas da autora aceitaram a forma de remuneração fixada pela ré como contrapartida para a prestação dos serviços realizados pelas mesmas. O silêncio da autora e das agências de viagens suas associadas durante quase 10 anos revela aceitação às condições estabelecidas para a remuneração dos serviços prestados e a reclamação ora apresentada configura uma situação de uso inadmissível do (pretenso) direito.

Alegou, ainda, que a taxa de serviço a passageiros é um tributo criado e disciplinado por lei que tem de ser cobrado pelas transportadoras por imposição legal e tem como destinatária a entidade gestora dos aeroportos, sendo fixada em função da natureza dos passageiros e não se inclui no conceito de tarifa, não é um custo operacional da ré e não tem qualquer conexão com o serviço prestado pelas agências de viagens.

Replicou a autora quanto à matéria das excepções.

No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada nulidade de todo o processo e relegado para final o conhecimento das outras excepções invocadas.

Foi proferida sentença que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade da autora e do abuso de direito.

A acção foi julgada procedente, tendo sido reconhecido o direito das representadas da APAVT a receber comissões, à taxa vigente em cada momento, sobre os montantes relativos à taxa de serviço a passageiros (passenger service charge).

A ré foi condenada a pagar à autora a quantia que se apurar em execução de sentença, referente à comissão devida sobre a passenger service charge no período de 1 de Janeiro de 1994 até hoje.

Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu a ré tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - Este recurso de apelação tem por objecto e visa a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e sobre o mérito da causa (matéria de direito).

  1. - O facto constante da resposta ao quesito 2° da base instrutória, correspondente ao ponto N) da fundamentação de facto da sentença, foi incorrectamente dado como provado, uma vez que o depoimento da única testemunha indicada não incidiu sobre o mesmo, não existindo nos autos outros meios probatórios aptos para sustentar a resposta dada. Ao responder nos termos em que o fez, o tribunal violou os princípios referentes ao ónus de prova consignados nos artigos 516° do CPC e 342° nºs 1, 2 e 3 do CC. Por conseguinte, deverá a Relação, nos termos do disposto no artigo 712° n° 1, alínea a) e n° 2 do CPC, alterar a resposta ao quesito, dando-se como não provado.

  2. - O facto constante da resposta ao quesito 6° da base instrutória, correspondente ao ponto R) da fundamentação de facto da sentença, foi dado como provado. No entanto, o mesmo está (i) redigido de modo conclusivo e encerra questões de direito; (ii) não se provou; (iii) encerra uma contradição lógica face ao quesito 22° da base instrutória, que foi dado como não provado. Contendo este quesito matéria conclusiva e não factual, a resposta terá de dar-se como não escrita, sob pena de violação do disposto no artigo 646°, n° 4 do CPC. Acresce ainda que, não tendo sido feita prova do mesmo, a resposta dada violou o disposto nos artigos 516° do CPC e 342° nºs 1, 2 e 3 do CC. Por conseguinte, deverá a Relação, nos termos do disposto no artigo 712° n° 1, alínea a) e n° 2 do CPC, alterar a resposta ao quesito, dando-se como não provado.

  3. - O facto constante da resposta ao quesito 27° da base instrutória, correspondente ao ponto BB) da fundamentação de facto da sentença, foi dado como provado, tendo o tribunal referido na fundamentação da resposta dada que para o efeito foi considerada a "acta da Assembleia Geral da autora de 18 de Julho de 2001, onde se discutiu e aprovou o modo de financiamento das acções a propor contra as companhias aéreas, de onde se conclui que os associados da autora ratificaram a propositura da acção, pois de outro modo não se justificava estar a discutir a maneira de a financiar" (sic). A decisão proferida está, salvo o devido respeito, errada porquanto o facto em causa não é passível de prova testemunhal (cfr. artigo 393° n° 2 do CPC) e ficou provado em audiência a existência de uma só acta, de cujo teor (ordem de trabalhos e deliberações tomadas) resulta que o tema nem sequer foi discutido.

  4. - A acta constitui o único meio de prova das decisões tomadas nas assembleias, exceptuados os casos de falsidade ou extravio, em que poderão ser excepcionalmente admitidos outros meios de prova para reconstituir a verdade dos factos. Não tendo sido arguidos quaisquer incidentes de falsidade ou extravio, a acta apresentada faz prova plena dos factos nela vertidos. Ao decidir nos termos em que o fez na resposta dada ao ponto BB) da sentença, o tribunal violou o disposto nos artigos 364°, n° 1, 393, n° 2 e 646º, n° 4 do CPC, devendo o Tribunal da Relação alterar a resposta ao quesito, dando-o como não provado (cf. artigo 712°, n° 1, alínea a) e n° 2 do CPC).

  5. - A discordância da recorrente face à fundamentação de direito inclui a resposta dada às duas questões suscitadas e ali tratadas - nomeadamente a de saber se a APAVT tinha ou não legitimidade para intentar esta acção em nome e representação das agências de viagens (fls. 806 e 807 da sentença) e também a questão de saber se "as agências de viagens têm direito a uma comissão sobre os montantes relativos à passenger service charge" (fls. 807-811 da douta sentença) - mas também questões de direito que não foram tratadas na sentença, e que, se o tivessem sido, teriam levado à absolvição da instância ou à improcedência total do pedido formulado.

  6. - A legitimidade processual activa afere-se, nos termos do artº 26º CPC, pelo interesse directo em demandar, isto é, pela titularidade da relação jurídica que se invoca como fundamento da acção. No presente caso, a acção visa o pagamento de créditos de que são titulares as agências de viagem, porquanto não existe, à luz da configuração feita na petição inicial da relação material controvertida em discussão, qualquer relação entre demandante e demandada mas antes entre a demandada (---) e as agências de viagens associadas da demandante.

  7. - Respeitando a acção ao alegado incumprimento dos contratos comerciais de "agenciamento de negócios" celebrados entre a --- e cada uma das agências de viagens acreditadas junto da IATA, é evidente que as únicas pessoas com um interesse directo na procedência da mesma seriam as partes na relação material controvertida - «rectius», nas relações materiais controvertidas - titulares do correspondente interesse em litígio, ou seja, os agentes de viagens e não a APAVT.

  8. - Não sendo titular da relação jurídica controvertida, por não ser titular do crédito que vem invocar em juízo, não existe interesse directo da autora em demandar e, consequentemente, em face do artigo 26° do CPC a autora é parte ilegítima na presente acção, tal como o seria a IATA se acção tivesse sido proposta contra ela. Por conseguinte, a sentença tem que ser revogada, por violação do disposto no artigo 26° do CPC e substituída por decisão de absolvição da instância, nos termos do disposto no artº 288°,n° 1, alínea d) do CPC.

  9. - A autora também não tem legitimidade em face do disposto no artigo 26°-A do CPC, já que este artigo se destina a fazer valer a defesa de interesses colectivos, nomeadamente através da acção popular, que não estão em causa na presente acção. De facto, o tribunal a quo não distingue, como se impunha, entre a representação corporativa, ou de "classe", dos associados da APAVT, tendente à defesa dos respectivos interesses difusos ou de categoria, e a respectiva representação voluntária. Na tese do tribunal, a representação surge configurada como uma espécie de representação dos interesses colectivos dos associados da APAVT, o que pressupõe...

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