Acórdão nº 076/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Maio de 2009
Magistrado Responsável | JORGE LINO |
Data da Resolução | 27 de Maio de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1.1 "A..., SA" vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, em que, «por manifesta ilegalidade da sua interposição», «rejeita-se a presente impugnação».
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
1. A Recorrente apresentou a sua defesa em tempo dado que a nulidade é invocável a todo o tempo, tal como expressamente consagra o n.° 3 do art. 102 do CPPT; 2. Em termos tributários, pode definir-se a taxa como uma prestação pecuniária, imposta coactiva ou autoritariamente pelo Estado ou outro ente público; sem carácter sancionatório; ligada à utilização individualizada, pelo contribuinte, solicitada ou não; de bens públicos ou semi-públicos; com contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo contribuinte. (ver definição adoptada pelo Ac. STA de 16.06.99 tirado no âmbito do Recurso n.° 23175); 3. Aplicando ao caso em apreço a definição exposta, conclui-se que não estamos perante uma taxa uma vez que a mesma pressupõe uma utilização individualizada dos bens semipúblicos, que não ocorre no mesmo; 4. É errada e falaciosa a definição de utilização individualizada sufragada pela douta sentença recorrida: "... consubstancia uma utilização individualizada deste, pois, mantendo a impugnante essa utilização, não será possível a utilização desse espaço para outras finalidades de interesse público..."; 5. Se qualquer utilização do subsolo, na medida em que exista, impossibilita a utilização desse mesmo espaço para outras finalidades - dogma da física que não vemos como negar - daí não se infere automaticamente uma utilização individualizada. Se fosse o Estado a utilizar esse mesmo subsolo não se trataria de uma utilização individualizada. O critério só pode ser o do propósito com que se ocupa a referida área; 6. Ora, finalidades de interesse público. Eis a questão. Descortinamos dois interesses públicos. O primeiro, nacional, sufragado pelo Estado Central, entidade máxima para tal efeito - falamos da inequivocamente fundamental opção económica geoestratégica do fornecimento de energia através de gás natural - o segundo, local, que se consubstancia na obtenção de receita; 7. Parece claro qual deva prevalecer. Mas, então, não é aceitável o argumento de que o subsolo não pode ser afecto ao interesse público se, como se demonstrou, é exactamente esse o papel que está actualmente a desempenhar; 8. No caso em apreço existe mesmo desvio de poder, uma vez que o fim a ser prosseguido é claramente um interesse público secundário desvirtuando a razão pela qual o legislador atribui semelhante capacidade ao Município; 9. Caso se entenda possível o apuramento do valor da taxa sempre estaremos perante uma grosseira violação do princípio da igualdade e do p. da proporcionalidade o que resulta claro por oposição ao tratamento dado aos verdadeiros utilizadores da rede, os Munícipes; 10. No caso dos autos não existe uma utilização de bens dominiais para satisfação de necessidades individuais da Recorrente mas sim perante uma ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público; 11.O bem público é, pois, utilizado na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas, sem que se possa individualizar quem, e em que medida, pode individualmente usufruir das utilidades dessa ocupação; 12. Não existindo uma contrapartida individualizada para a Recorrente do pagamento daquelas "taxas", as quantias que a CML pretende cobrar a esse título extravasam claramente os limites legais daquela figura, tratando-se de um imposto dissimulado e inadmissível na nossa ordem jurídica na medida em que se encontra vedado aos Municípios, face à Constituição, e à lei, criar impostos, sendo de se considerar nulas as liquidações efectuadas; 13. Ainda que se conclua, o que se faz por mero dever de patrocínio, que existe a dita individualização o mesmo nunca poderá ser dito quanto à divisibilidade do benefício levando à impossibilidade de liquidação do tributo; 14.Admitindo o poder do Município para tributar a utilização do domínio público, importa averiguar em que situações é que o pode fazer, e, no que é, e como funciona, esse mesmo domínio público; 15. Ora, não existe regime geral do domínio público que defina legalmente as especificidades da propriedade pública. Assim sendo, pode-se optar por uma aplicação cega do art. 1344° CC, entre outros regimes jurídico-privados, como se decidiu na douta sentença recorrida, ou, como tem vindo a fazer a mais variada doutrina, tentar descortinar um vero regime que permita compreender as características deste instituto.
16. Partamos da concepção tripartida que serviu, historicamente, para explicar a propriedade privada de acordo com a qual é livre o uso, disposição e fruição do quid subjacente ao direito.
17. Ora, a propriedade pública, não é, regra geral, e neste caso concreto, susceptível de disposição, além de que, a faculdade do uso foi, por expressa disposição do Estado Concedente no contrato de Concessão, entregue à concessionária.
18. Fica desde logo em crise o nexo de uma suposta capacidade de fruição, a existir, ser autonomizável do uso e disposição, e se ter mantido na esfera do Município; 19.Demonstrada a falácia da construção jurídica adoptada pelo Meritíssimo Juiz resta agora encontrar regime mais conforme ao ordenamento jurídico e apurar qual, afinal, o critério de afectação do domínio público. Desde já se antecipando que tal critério só pode ser o da funcionalidade; 20. O Decreto-Lei 182/2003, de 16 de Agosto, refere que as estradas são domínio público municipal. Por mera aplicação do art. 1344.° CC, crê-se que também o subsolo merece igual destino. Nada mais errado. A delimitação do domínio público deve ser feita a partir da função a que está adstrita! Assim, deve ser adoptada uma posição que permita a diferenciação vertical do domínio público.
21. Enquanto a estrada responde às necessidades públicas de circulação pedestre e automóvel, atribuição da Autarquia, e é, portanto, domínio público Municipal, já o subsolo ao servir para a distribuição de gás natural será domínio público do Estado; 22. Refira-se que, e não concedendo, ainda que se perfilhe a opinião de que a propriedade se mantém no Município, é imperioso concluir que entre esta e a sua afectação houve uma dissociação a favor do Estado, não restando ao Município qualquer poder que não esta, releve-se a expressão claramente inadequada, "nua propriedade"; 23. Há pois que atender à caracterização deste domínio público e à utilização do mesmo para as funções em causa para que se afira da possibilidade de cobrança de tributos pela utilização do mencionado domínio público; 24. A sujeição dos bens ao regime da dominialidade, caracterizada pelos princípios da inaliabilidade, imprescritibilidade, da impenhorabilidade e, claramente, da incomercialibilidade, visa garantir a afectação desses bens à satisfação das necessidades em causa. Se na propriedade privada vinga a ideia do aproveitamento do bem de acordo com a sua destinação económica, na propriedade pública é incontornável a...
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