Acórdão nº 0817916 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Maio de 2009

Data20 Maio 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

(proc. n º 7916/08-1)* Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: *I- RELATÓRIO No Tribunal Judicial de Vila do Conde, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº 33/05.0PBVCD, do 1º Juízo Criminal, foi proferida sentença, em 10/07/2008 (fls. 382 a 392), constando do dispositivo o seguinte: "Pelo exposto, julga-se a acusação provada e procedente e, em consequência decide-se:

  1. Julgar os arguidos co- autores materiais de um crime de sequestro, p. e p. pelo art 158.º, n.º 1 do C.P.

  2. Condenar os arguidos pela prática de tal crime do seguinte modo: - B.................. na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 840 (setecentos e vinte euros[1]); - C................ na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 840 (oitocentos e quarenta euros); - D................ na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 840 (oitocentos e quarenta euros).

  3. Condenar os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça individualmente em 2 UCs, a que acresce 1%, nos termos do art. 13.º, n.º 3 do DL 423/91 a favor do C.G.T., e no pagamento solidário dos encargos, fixando-se no mínimo legal a procuradoria (arts. 513.º n.º 1 e 514º, nº1 e 2 do C.P.P. e 85.º, n.º 1,º al. b) e 95.º n.º 1 do C.C.J.); Após trânsito: D) Remeta boletim ao Registo Criminal;*Notifique e deposite (art. 372.º, n.º 5 do C.P.Penal)*(...)"*Não se conformando com essa sentença, os três arguidos recorreram, apresentando motivação conjunta (fls. 575 a 618), cujas conclusões posteriormente corrigiram, sustentando em síntese: - que existe erro de julgamento quanto a factos dados como provados que impugnaram, relativos ao crime pelo qual foram condenados, propondo (a partir da análise de parte da prova produzida em julgamento que transcrevem), que os mesmos sejam dados como não provados, indicando outros factos a dar como provados, com a sua consequente absolvição; - que ocorre nulidade da sentença por o tribunal ter violado o dever de fundamentação da sua decisão, ao não se pronunciar sobre o depoimento da testemunha E................ (filho dos arguidos C............ e D.............. e na altura dos factos namorado da arguida B...............), também ouvido em julgamento; - sem prescindir, invocam erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, sustentando que deviam ser absolvidos por terem actuado convencidos que podiam deter a assistente, por esta ter praticado facto ilícito (uma vez que se encontrava em lugar vedado ao público, sem sua autorização) sendo aquela detenção lícita, proporcional, indispensável e adequada à defesa da propriedade ou, assim não se entendendo, estando excluída a ilicitude e o dolo por erro sobre as circunstâncias de facto (art. 16 nº 2 do CP) e erro sobre a ilicitude da conduta não censurável (art. 17 nº 1 do CP).

Terminam pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição.

*Na 1ª instância, o Ministério Público respondeu aos recursos (fls. 503 a 507), concluindo pela sua improcedência.

*Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 622 a 626) no sentido do não provimento dos recursos, sem prejuízo da rectificação de lapsos de escrita evidentes na decisão sob recurso.

*Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

*Na sentença sob recurso foram considerados provados os seguintes factos: 1) "No dia 27 de Outubro de 2007[2], cerca das 12h30m, a fim de realizar uma prática religiosa, a assistente deslocou-se a uma pedreira, sita no Lugar ..........., ......., Vila do Conde; 2) O acesso da via pública para tal local fazia-se por uma entrada que se encontrava aberta (sem qualquer portão ou vedação) e por onde podiam passar veículos automóveis; 3) No interior da pedreira, a assistente foi abordada pela arguida B.................. e E................, namorado desta, os quais, por entenderem que a sua presença no local era proibida e ilícita, lhe disseram que os acompanhasse até junto da entrada e aí aguardasse pelo dono da pedreira, com o qual E.................. entrou em contacto por telemóvel; 4) Cerca de 15 minutos depois, chegaram os arguidos C.............., dono da obra, e mulher, D................., convencidos de que a presença da assistente na naquele local era proibida e ilícita, opondo-se a que a assistente exercesse a sua prática religiosa naquele local que os arguidos consideravam de bruxaria mas que esta explicou que era de espiritismo, a sua religião; 5) Por tal razão, cerca das 12h40m, o arguido C................ telefonou para o posto da GNR, Vila do Conde, para ali se deslocar uma força a fim de tomar conta da ocorrência e proceder à identificação da assistente; 6) Os arguidos, agindo de comum acordo e em execução de esforços, na convicção "supra" referida, de que exerciam um direito de reter a assistente até à chegada da G.N.R., colocaram-se à frente da mesma não permitindo que esta dali saísse até à chegada da G.N.R., chegando mesmo a arguida D.................. a empurrá-la se fazia menção de se afastar; 7) Enquanto esperavam pela força da G.N.R. O arguido E............... dirigiu-se à assistente, dizendo-lhe: "sua brasileira; vocês são uns comprados"; 8) Como o taxista que transportou a assistente ao local se aproximasse da entrada, o arguido C........... disse-lhe "Não é nada consigo, se quiser entrar pode entrar. Estou à espera da GNR", o que levou o taxista a aguardar junto do seu veículo, estacionado na via pública próximo da entrada da pedreira; 9) Tendo tido vontade de urinar a assistente pediu que a deixassem fazê-lo nas imediações ao que os arguidos se opuseram, dizendo-lhe a arguida D.............. que fizesse ali mesmo e a arguida B.............: "faz aí mesmo, baixa-te, vocês brasileiras estão mesmo habituadas a andar baixadas"; 10) Incapacitada de suster a necessidade de urinar, dado que o tempo foi passando sem que chegasse a GNR, a assistente acabou por urinar pelas pernas abaixo em frente dos arguidos; 11) Tendo começado a chover, os arguidos abrigaram-se no veículo automóvel estacionado no local, tendo a assistente ficado no mesmo local onde se encontrava à chuva; 12) A GNR acabou por chegar ao local pelas 15h30m, permanecendo os arguidos determinados até esse momento em não deixar a assistente ausentar-se, nos termos já descritos; 13) Os arguidos agiram da forma concertada e em comunhão de esforços, com a intenção e com a perfeita consciência de que, contra a vontade da assistente a privavam da liberdade de movimentos, obrigando-a a permanecer no local, a não se afastar para urinar e sabendo que tais actos e palavras proferidas, a humilhavam, como quiseram, tendo actuado na convicção que esta exercia bruxaria em propriedade alheia e não autorizada e de que a podiam deter até à chegada da G.N.R.; 14) A arguida B.............. vive com os respectivos progenitores, trabalha como fisioterapeuta (tem o curso superior de fisioterapia), auferindo cerca de € 1.000,00 por mês; 15) O arguido C................ vive com a arguida D.............., sua mulher, e com um filho de 20 anos, e aufere como encarregado numa empresa de construção civil, cerca de € 1.200,00 por mês; 16) Possui como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade; 17) A arguida D............. explora um comércio de roupa de bebés, retirando dessa actividade entre de € 200 - € 400 mensais; 18) Possui como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade; 19) Os arguidos não têm antecedentes criminais.

E, foram dados como não provados os seguintes factos: "Não se provaram quais factos em contrário ou para além dos supra apurados, designadamente que: - O arguido C............. ordenou à assistente que se sentasse numa pedra ali existente, ao mesmo tempo que a agarrava por um braço e contra a vontade daquela, fazendo força física, forçou-a a sentar-se; - A G.N.R. só chegou pelas 16 horas; - Quando começou a chover os arguidos ordenaram que a assistente ficasse no lugar onde se encontrava (no sentido que existiu uma ordem expressa); - que os arguidos empurraram a assistente (no sentido de que todos o fizeram, já que apenas se provou tal quanto à arguida D.................)" Na respectiva fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, consignou-se o seguinte: "O Tribunal foi convencido, quanto ao julgamento da matéria provada e não provada, na análise crítica do conjunto da prova produzida, avaliada à luz das regras da experiência, tudo conforme art. 127º do C.P.Penal.

Assim, atendeu-se ás declarações dos arguidos, conjugadas com as da assistente, bem como pelos depoimentos de F............, taxista que a transportou à pedreira e que demonstrou ter um conhecimento directo da situação, que presenciou. Baseou-se também nos depoimentos de G.............., agente da GNR, que recebeu a chamada de C............. e ouviu a assistente no posto policial e H..............., cabo da G.N.R. que chamado ao local transportou a assistente até ao posto policial Assim e no que respeita às declarações prestadas pelos arguidos, estes admitiram que quiseram reter a assistente até à chegada da G.N.R. nas circunstâncias de tempo e lugar apuradas, o que fizeram na convicção que exerciam um direito por esta estar em lugar privado não autorizada e por parecer que fazia bruxaria, admitindo ainda que a assistente urinou à sua frente e se manteve à chuva, enquanto se abrigavam. Na verdade, os arguidos apenas negaram que tenham chamado nomes à assistente, empurrado ou mesmo obrigado a mesma a não sair do local, nem para urinar (alegando que esta não pediu autorização) e dizendo ainda que a arguida B............... se ausentou do local pouco tempo após a chegada de C.............. e D............... só regressando mais tarde.

Contudo e nesta parte em que os arguidos negaram os factos, não se atendeu às suas declarações (as quais para além de pouco críveis e razoáveis face ás...

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