Acórdão nº 745/2002.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DE DEUS CORREIA
Data da Resolução27 de Abril de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 745/2002.P1 Apelantes: B.......... e Outros Apelados: C.......... e Mulher (Tribunal Judicial de Paços de Ferreira- ..º Juízo) Acordam neste Tribunal da Relação do Porto: I-RELATÓRIO C.........., residente na Rua .........., .........., Paços de Ferreira, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra D.........., residente na Rua .........., nº ..., ......, Porto, pedindo a condenação deste a: - desobstruir a livre circulação de água no interior da mina existente no seu prédio, reparando e reforçando o tecto da mesma; - reparar os danos no prédio do A., quer ao nível das fundações, reforçando-as, quer no exterior, reparando as fissuras que se apresentem visíveis; - indemnizar o A. pelos danos não patrimoniais, em montante não inferior a € 2.500,00; - indemnizar o A. pelos danos patrimoniais decorrentes do parecer técnico junto, no valor de € 1.035,30.

Alegou para o efeito que é possuidor do prédio identificado no art. 1º da petição inicial, em cujo subsolo existe uma nascente de água e uma mina de captação dessa água, a qual conduz a água ao longo de várias propriedades, até emergir à superfície no terreno do prédio de que o R. é proprietário, denominado "E..........", sendo a água aproveitada em exclusivo pelo R., nos gastos domésticos e de rega dos terrenos, o que este faz na convicção de que beneficia de um direito de servidão, o qual já existe a favor do prédio em causa há mais de 100 anos.

Há cerca de 50 anos que a mina não é objecto de qualquer tipo de manutenção ou limpeza por parte do R., o que tem levado à acumulação de detritos, acontecendo no início do ano de 2001 que num poço de acesso à mina surgiu água à superfície do mesmo, devido ao facto de a passagem da água se encontrar estrangulada, devido a um aluimento de parte do tecto da mina, localizada por baixo da casa do A., sendo que tal aluimento causou ainda o surgimento de ligeiras fissuras nas paredes da habitação do A., o que lhe casou preocupação e apreensão, por temer pela segurança e estabilidade da sua casa, sendo possível a derrocada das respectivas fundações, acabando por abandonar aquela casa e passar a dormir em casa de uma filha, situação que tem desestabilizado o sono do A. e da esposa e lhe tem causado danos na saúde.

O A. contactou o R., dando conta da urgência da reparação da mina, não obtendo resposta da parte deste, perante o que solicitou a um engenheiro geólogo que realizasse uma vistoria ao local e elaborasse um parecer técnico, para apurar a origem e extensão dos danos sofridos no subsolo da sua propriedade, no que despendeu a quantia de € 1.035,30.

O R. contestou, nos termos constantes de fls. 63 a 70, invocando a sua ilegitimidade para a presente acção e também a ilegitimidade do A., por estarem ambos desacompanhados dos respectivos cônjuges, impugnando os factos alegados na petição inicial respeitantes aos actos eventualmente praticados pelo R. e aos danos sofridos pelo A., e alegando que, devido à necessidade de contestar a presente acção, foi verificar o interior da mina, tendo contratado para o efeito uma equipa de mineiros, verificando que a mina do R. não atravessa o subsolo do caminho público nem do prédio do A., sendo outra e de outra nascente a mina a que se refere o A., existindo portanto duas minas diferentes, com duas nascentes diferentes, sendo certo que, ainda que assim não fosse, sempre há mais de 40 anos que não é usada, na quinta do R., água da mina, já que os seus pais construíram um poço que veio facultar outros meios de abastecimento de água.

O A. replicou, nos termos de fls. 82 a 90, defendendo não existir a excepção de ilegitimidade invocada pelo R. e impugnando os factos alegados na contestação.

Para a hipótese de o tribunal entender que existe ilegitimidade, o A. requereu igualmente a Intervenção Principal Provocada de F.........., com quem é casado no regime da comunhão geral de bens, para intervir ao lado do A., e de B.........., com quem o R. é casado, para intervir ao lado deste.

Por despacho de fls. 104 e 105, e não tendo havido oposição do R., foram admitidas ambas as intervenções.

A Interveniente F.........., a fls. 114, declarou aderir integralmente aos articulados apresentados pelo A..

A Interveniente B.........., a fls. 120, declarou fazer seus os articulados apresentados pelo R., com exclusão da excepção de ilegitimidade invocada na contestação, por tal questão já estar ultrapassada.

*Foi elaborado despacho saneador, onde se considerou estarem sanadas as ilegitimidades invocadas pelo R., em virtude do incidente de intervenção principal provocada, e seleccionou-se a matéria de facto.

*Tendo entretanto falecido o R. D.........., foram, por decisão de fls. 64 a 66 do Apenso C, habilitados como seus herdeiros, para com eles prosseguir a acção, a Interveniente B.........., os seus filhos, G.........., H.........., I.......... e marido, J.........., K.......... e mulher, L.........., M.........., N.........., O.......... e mulher, P..........., e os seus netos Q.......... e S...........

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*A fls. 435 e 436, o A. e a Interveniente F.......... requereram a Intervenção Principal Provocada de T.........., que também tem vindo a utilizar água da mina e procedeu a alterações no seu terreno, com recurso a máquinas, "a fim de se apurar qual o grau de responsabilidade pelos aluimentos verificados no troço da mina sob o seu terreno", o que não foi admitido, por manifestamente extemporâneo, nos termos do despacho de fls. 442 e 443.

*Procedeu-se seguidamente a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente: -condenou a Interveniente B.......... e os herdeiros habilitados do R. D.......... a proceder à reparação dos aluimentos de terras ocorridos na mina de captação e condução de água referida nos pontos 3 a 5 da matéria de facto e da parte do tecto da mesma mina referida no ponto 16 da matéria de facto, e à consequente desobstrução da livre circulação da água no interior da mina; - condenou a Interveniente B......... e os herdeiros habilitados do R. D.......... a proceder à reparação das fissuras referidas no ponto 13 da matéria de facto, que surgiram nas paredes da casa de habitação dos AA.; - condenou a Interveniente B.......... e os herdeiros habilitados do R. D.......... a pagar aos AA., a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a quantia de € 3.535,30 (três mil quinhentos e trinta e cinco euros e trinta cêntimos); - absolveu a Interveniente B.......... e os herdeiros habilitados do R. D.......... do restante pedido.

Inconformados com tal sentença vieram a interveniente B.......... e os herdeiros habilitados do R. D.......... interpor recurso de apelação.

Os Apelantes formularam, no essencial, as seguintes conclusões de recurso: A sentença recorrida padece de vários vícios, designadamente: I-Não fundamentação da matéria de facto; II-Alteração da causa de pedir e conhecimento de questões que não podia conhecer; III-Errónea apreciação da prova e oposição entre fundamentação e a decisão; IV-Contradição entre a matéria dada como provada.

A decisão a quo mais não traduz que uma mera declaração de quais os factos que julgou provados e não provados, acompanhada de uma "fundamentação" genérica e em bloco dos meios de prova que conduziriam à prova /não prova de determinado quesito.

A boa interpretação teleológica do princípio da motivação, impõe que a fundamentação se refira a cada facto, isolada e autonomamente considerado e que tenha por objecto a indicação dos meios probatórios decisivos na formação da convicção do julgador.

Os recorrentes não saber qual foi a análise crítica que o julgador a quo fez, relativamente ao resultado da perícia efectuada, como também aos esclarecimentos prestados pelos senhores peritos em sede de audiência de julgamento e em que medida terá valorado os mesmos e em que medida determinaram ou não a resposta positiva ou negativa aos quesitos.

Os Autores têm de provar os factos que fazem nascer o seu direito. Ora a causa de pedir nesta acção, para além dos alegados danos, é a existência de um direito real de servidão de águas.

No próprio despacho de fls. 144 se refere que "na petição inicial, vindo alegada a aquisição por usucapião de um direito real de servidão de águas, tão só vêm alegados os factos susceptíveis de integrar o "corpus" da posse e já não os factos dos quais decorre o "animus" necessário à aquisição do direito real em apreço". Aos autores foi-lhes dada a possibilidade, nesse momento, de suprimir a insuficiência de matéria de facto, no que a esta parte concerne, o que o fizeram.

Ora, o julgador a quo fundamentou a sua decisão com base na existência de uma servidão aparente de aqueduto em favor do prédio dos Réus e não pela existência ou não de uma qualquer aquisição por usucapião de um direito real de servidão de águas, ou direito de propriedade de águas.

A eventual existência de uma servidão aparente de aqueduto em favor do prédio dos Réus, tal qual é entendida pelo Julgador a quo não "aproveita" aos Autores, porquanto eles não a alegaram, nem o Tribunal a podia conhecer. Verifica-se, assim, a nulidade prevista no art.º 668.º n.º1 a) do CPC.

Acresce que os Autores não deduziram um pedido prévio e essencial para a eventual condenação nos pedidos formulados na p.i, quando teriam de fazê-lo. Designadamente, pedir a condenação dos Réus a reconhecerem que eram proprietários de um direito real de servidão de águas (ou até de servidão de aqueduto) já que este é pressuposto fundamental e prévio aos restantes formulados na p.i., sendo estes, uma sequência da existência do primeiro.

A servidão é um acessório do prédio dominante e serviente, o que numa servidão de aqueduto, não pode deixar de significar que a sua constituição carece da existência, prévia ou simultânea, de um direito à água que se pretende conduzir.

No caso presente não está demonstrado esse direito à água: da fundamentação da sentença pode...

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