Acórdão nº 9180/07.3TBBRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelANT
Data da Resolução23 de Abril de 2009
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães Relatório; Recorrente(s): José P... (Autor); Recorrido(s): Estado Português – Ministério Público (Réu); Vara Mista de Braga – acção ordinária.

***** O Autor demanda o Estado Português, invocando, em suma, as seguintes razões: José Manuel Barros Paredes instaurou, no 1º Juízo Cível de Santo Tirso, uma acção declarativa de condenação contra a então denominada Companhia de Seguros F...

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de PTE 85.000.000$00 (€ 423.978,21), acrescida de juros desde a citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos quando seguia como passageiro de um automóvel, seguro naquela Companhia, que se despistou por culpa exclusiva do respectivo condutor.

A essa acção foi apensada uma outra (nº 541/2000, do 4º Juízo Cível de Santo Tirso), intentada pelo aqui Autor contra a mesma seguradora, em que aquele pediu a condenação desta a pagar-lhe a quantia de PTE 91.927.850$00 (€ 458.534,18), com juros desde a citação, para ressarcimento dos danos que lhe advieram em consequência do mesmo acidente, dado que seguia também como passageiro na mesma viatura que se despistou, de sua propriedade, e que era conduzida por José G....

Para assegurar a legitimidade processual singular da Seguradora demandada, atenta a limitação da respectiva responsabilidade, reduziu o Autor o seu pedido à importância que, adicionada àquela que fosse atribuída ao demandante Paredes, esgotasse completamente o capital de PTE 120.000.000$00.

Na 1ª instância foi julgada totalmente improcedente a acção do Autor, por ser o próprio segurado, com a consequente absolvição do pedido da Ré, e parcialmente procedente a acção do demandante Paredes, sendo a Seguradora condenada a pagar-lhe € 75.000,00 a título de indemnização pelo dano não patrimonial, com juros desde 04.10.2000.

Dessa decisão apelaram ambos os demandantes, fazendo-o também a Fidelidade por via subordinada, mas a Relação do Porto negou provimento aos recursos principais, confirmando o decidido pela 1ª instância, e julgou prejudicado o recurso subordinado.

Inconformados com o decidido pela Relação, interpuseram recurso de revista o demandante Paredes e o aqui Autor, aí alegando este último, em síntese, que, à luz do disposto nos artigos 5º e 7º do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 130/94, de 19 de Maio, que visou adaptar o primeiro dos referidos diplomas à Directiva do Conselho de 14 de Maio de 1990 (90/232/CE), vulgarmente conhecida por 3ª Directiva Automóvel, dúvidas não há de que, com a nova redacção, deixaram de estar excluídos do âmbito da garantia do seguro obrigatório os danos decorrentes de lesões corporais sofridas pelo proprietário do veículo e tomador do seguro, quando não seja ele o seu condutor, ficando apenas excluídos da cobertura os danos resultantes de lesões materiais sofridas pelo proprietário transportado.

Admitindo, ainda assim, serem fundadas as dúvidas interpretativas quanto a saber se a legislação nacional sobre seguro obrigatório automóvel – SOA – cobre ou não, em caso de acidente de viação, os danos advindos de lesões corporais do proprietário do veículo e tomador do seguro que segue como passageiro no seu próprio veículo, cuja condução confiou a outrem, alertou o Autor para a obrigatoriedade do reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça (TJCE), nos termos do artigo 234º do Tratado da União Europeia, por o Supremo Tribunal de Justiça ser um órgão jurisdicional nacional cujas decisões, segundo o direito interno, não comportam recurso judicial.

Para o caso de se dar desde logo como assente a responsabilidade da seguradora recorrida pelo pagamento da indemnização devida ao Recorrente, pediu o Autor a revogação do acórdão recorrido e a consequente condenação da seguradora a pagar-lhe a peticionada indemnização de € 458.534,18, acrescida de juros moratórios legais a contar da citação.

Todavia, o Supremo Tribunal acabou por coonestar o entendimento sufragado pelas instâncias «de que o segurado nunca pode ser considerado terceiro, visto que responsável originário é ele, e a seguradora apenas responsável indirecta, por via do contrato de seguro», e que «solução diferente não é imposta pelas alterações introduzidas no art. 7º, nºs 1 e 2 do DL nº 522/85, devidas à directiva Comunitária nº 90/232/CEE, conhecida por 3ª Directiva Automóvel, e ao DL nº 130/94, de 19 de Maio, porque aí apenas se pretende fazer melhor a demarcação de terceiros (os passageiros ficam cobertos pela garantia), que não o segurado, deste modo definindo melhor que fica excluído da garantia».

Acrescentou o nosso mais Alto Tribunal que «uma vez que estamos ainda perante um seguro de responsabilidade civil, e não em face de um seguro de danos (…), a mesma pessoa não pode figurar, simultaneamente, como beneficiário da garantia (…) e como beneficiário da indemnização».

No que concerne à obrigatoriedade do reenvio prejudicial, afirmou o Supremo Tribunal de Justiça que «ele só teria lugar se se tratasse de aplicar directamente direito comunitário e se este Tribunal tivesse dúvidas sobre o sentido da Directiva – o que não acontece, quer porque não estamos a aplicar directamente direito comunitário, mas direito nacional (art. 7º, nºs 1 e 2 do DL nº 522/85, na redacção do DL nº 130/94), quer porque não temos justificadas dúvidas sobre a interpretação a adoptar».

Em face de tal decisão (certificada nestes autos a fls. 179-197), diz o Autor ter como certo que, dessa forma, o nosso Supremo Tribunal violou censurável e frontalmente o Direito Comunitário aplicável in casu, quer ao fazer errada interpretação e aplicação da chamada 3ª Directiva Automóvel, por si e através dos diplomas legais que a transpuseram para o nosso direito interno, quer ao não determinar o reenvio prejudicial para o TJCE, como impõe o § 3º do art. 234º do Tratado da União Europeia, e que foi expressamente requerido pelo ora Demandante.

Conclui o Autor, pedindo a condenação do Réu (Estado) a pagar-lhe a importância global de € 554.831,57, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados da data da propositura da acção e até efectivo e integral pagamento.

Contestou o Estado Português, alegando que, no respeitante à exclusão do direito a uma indemnização coberta pelo seguro automóvel obrigatório, resulta do objecto das Primeira, Segunda e Terceira Directivas, bem como do teor das suas disposições, que as mesmas não visam harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados-Membros e que, no estado actual do direito comunitário, estes continuam livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação automóvel.

Admitindo embora que o art. 1º da 3ª Directiva consagra o direito à indemnização dos danos corporais do passageiro que seja simultaneamente o proprietário do veículo, afirma o Estado não ser conhecida qualquer jurisprudência comunitária que sustente que o proprietário do veículo e também tomador do seguro, que é transportado como passageiro no seu próprio veículo, esteja coberto pela garantia do seguro obrigatório automóvel.

Acrescenta que, à data em que o STJ proferiu o Acórdão em causa, não existia, como não existe, qualquer Acórdão do TJCE, ou outro acto comunitário, que interpretasse a 3ª Directiva Automóvel no sentido de que a situação jurídica do proprietário do veículo e também tomador do seguro, que naquele viaja no momento do acidente, não como condutor mas como passageiro, seja equiparada à de qualquer outro passageiro vítima do acidente, e que, mesmo entendendo-se que ao decidir como o fez o STJ violou normas de direito comunitário, é por demais evidente que não se pode considerar que essa mais que duvidosa violação tem carácter manifesto, não se descortinando desvalor jurídico na actuação do STJ.

Saneado o processo e, designadamente, declarado o Tribunal competente e considerado que o processo continha todos os elementos necessários à prolação duma decisão de mérito, foi proferida sentença em que se julgou a acção improcedente e se absolveu o Estado do pedido, nela se sustentando não poder afirmar-se que a interpretação acolhida no acórdão proferido no processo nº 541/2000 seja proibida pelas regras da hermenêutica jurídica, nomeadamente face aos regimes da responsabilidade aquiliana e do seguro automóvel, tanto mais que, na data da sua publicação, não existia qualquer aresto, nacional ou comunitário, que sufragasse o entendimento que entretanto veio a prevalecer no Acórdão Candolin, proferido cerca de seis meses depois.

Considerou-se ainda, na sentença recorrida, que a obrigação do reenvio prejudicial, que recai sobre o juiz nacional, não é absoluta e comporta excepções, como quando a norma a aplicar é de tal forma evidente que não deixa lugar a dúvida razoável, sendo por isso de rejeitar a tese do reenvio automático, falecendo então os pressupostos de que depende a responsabilização do Estado pela reparação dos danos sofridos pelo Autor.

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o Autor, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões: 1ª A harmonização comunitária em matéria de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, em concreto decorrente do artigo 1º da Terceira Directiva Automóvel (90/232/CEE), impõe a obrigatoriedade de cobertura, pelo seguro obrigatório, de danos pessoais sofridos por todos os passageiros transportados no veículo seguro (e que não o conduza) independentemente da sua qualidade de proprietário, de tomador do seguro, ou de segurado da apólice ; 2ª O Direito da União Europeia impõe aos Estados-Membros, incluindo aos seus órgãos jurisdicionais nacionais, o dever de interpretação e de aplicação do Direito nacional em conformidade com aquele e, em particular, o dever de interpretar e aplicar o Direito nacional que procedeu à transposição da Terceira Directiva Automóvel em conformidade com a mesma, sob pena de violação de tal Directiva...

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