Decisões Sumárias nº 125/09 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução23 de Março de 2009
EmissorTribunal Constitucional (Port

DECISÃO SUMÁRIA N.º 125/2009

Processo n.º 198/09 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

1. O representante do Ministério Público no Tribunal da Comarca de Santa Comba Dão interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a sentença daquele Tribunal, de 24 de Julho de 2008, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, por ofensa dos artigos 18.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), da norma constante do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de a qualificação da insolvência como culposa determinar a inabilitação dos legais representantes do insolvente [por manifesto lapso de escrita – que “contagiou” o requerimento de interposição de recurso –, na parte decisória da sentença refere-se o artigo 186.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, quando patentemente se queria referir o artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do mesmo diploma, cuja inconstitucionalidade fora sustentada e expressamente declarada na parte final da fundamentação da sentença, que imediatamente precedeu a decisão].

Nessa sentença, após se qualificar como culposa a insolvência da sociedade A., L.da, passou a determinar-se quais os efeitos que dessa qualificação derivavam para os respectivos sócios gerentes, B., C. e D., tendo, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, sido declarada a sua inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública e cooperativa, pelo período de cinco anos. Absteve-se, no entanto, a sentença de decretar os referidos gerentes inibidos por um período de 2 a 10 anos, como previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 189.º do CIRE, por reputar tal norma inconstitucional, por ofensa aos artigos 18.º e 26.º da CRP, invocando, em apoio da recusa de aplicação desta norma, o juízo de inconstitucionalidade formulado no Acórdão n.º 564/2007 do Tribunal Constitucional.

Como resulta da própria decisão recorrida, a questão que constitui objecto do presente recurso já foi objecto de anteriores decisões deste Tribunal, o que possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. Na verdade, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 564/2007, julgou inconstitucional a norma do artigo 189.º, n.º 2, alínea b), do CIRE, por ofensa ao artigo 26.º, conjugado com o artigo 18.º, da CRP, no segmento em que consagra o direito à capacidade civil, desenvolvendo, para o efeito, a seguinte fundamentação:

“8. É manifestamente infundada a imputação de violação de qualquer das normas constitucionais invocadas no recurso. De facto, não se vê que o decretamento da inabilitação, como efeito necessário de uma situação de insolvência, afecte uma posição jurídica contemplada pelo âmbito normativo de protecção dos artigos 30.º, n.º 4, 47.º, 58.º, n.ºs 1 e 2, 61.º e 62.º da CRP, colidindo com os bens aí constitucionalmente garantidos.

Já a diferente conclusão temos que chegar, no que toca à violação do artigo 18.º e do artigo 26.º da CRP, na parte em que este reconhece o direito à capacidade civil.

De facto, a inabilitação a que a insolvência pode conduzir só pode ser a correspondente ao instituto jurídico civilístico com essa designação, previsto nos artigos 152.º e seguintes do Código Civil – neste sentido, Carvalho Fernandes, «A qualificação da insolvência e a administração da massa insolvente pelo devedor», Themis, ed. esp., 2005, p. 97. Trata-se, pois, de uma situação de incapacidade de agir negocialmente, traduzindo a inaptidão para, por acto exclusivo (sem carecer do consentimento de outrem), praticar «actos de disposição de bens entre vivos e todos os que, em atenção às circunstâncias de cada caso, forem especificados na sentença» (artigo 153.º, n.º 1, do Código Civil).

Ora, o reconhecimento constitucional da capacidade civil, como decorrência imediata da personalidade e da subjectividade jurídicas, cobre, tanto a capacidade de gozo, como a capacidade de exercício ou de agir. É certo que, contrariamente à personalidade jurídica, a capacidade, em qualquer das suas duas variantes, é algo de quantificável, um posse susceptível de gradações, de detenção em maior ou menor medida. Mas a sua privação ou restrição, quando afecte sujeitos que atingiram a maioridade, será sempre uma medida de carácter excepcional, só justificada, pelo menos em primeira linha, pela protecção da personalidade do incapaz. É «em homenagem aos interesses da própria pessoa profunda» (Orlando de Carvalho, Teoria geral do direito civil, polic., Coimbra, 1981, p. 83), quando inabilitada, por razões atinentes à falta de atributos pessoais, para uma autodeterminação autêntica na condução de vida e na gestão dos seus interesses, que a incapacidade, em...

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