Acórdão nº 242/15 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2015

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução29 de Abril de 2015
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 242/2015

Processo n.º 134/15

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A., S.A., recorrente nos presentes autos em que são recorridos a Presidência do Conselho de Ministros e o Instituto da Conservação da Natureza, impugnou a revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 1-A/2004, de 8 de janeiro, pedindo a declaração de ilegalidade das normas resultantes da conjugação dos artigos 11.º a 15.º do Regulamento do Plano de Ordenamento do Parque Natural de Sintra-Cascais, cumulando esse pedido com pedido de indemnização pelos danos resultantes da alegada ilegalidade. Subsidiariamente, formulou pedido de efetivação de responsabilidade civil por ato lícito, tendo suscitado, entre outras, questões de inconstitucionalidade material e orgânica do artigo 143.º, n.º 3 do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (“RJIGT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro.

      Por despacho saneador de fls. 2401 e ss., o julgamento quanto à matéria constante do pedido subsidiário foi diferido. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de setembro de 2012 (fls. 2720 e ss.), a ação foi julgada improcedente no que tange ao pedido de declaração de ilegalidade e ao pedido de indemnização por danos decorrentes da referida ilegalidade.

    2. O pedido subsidiário foi apreciado por despacho de 12 de março de 2013 (fls. 2803 e ss.), tendo o mesmo sido julgado improcedente.

      A autora reclamou para a conferência, nos termos do disposto no artigo 27.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), tendo reiterado a invocação de inconstitucionalidade orgânica e material do já mencionado artigo 148.º, n.º 3, do RJIGT.

      Por acórdão de conferência, de 20 de junho de 2013, a reclamação foi indeferida, mantendo-se os fundamentos do despacho reclamado (fls. 2929 e ss).

      Irresignada, a autora interpôs recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, persistindo, no que ora releva, na suscitação das referidas inconstitucionalidades. Aquela composição veio a negar provimento ao recurso por acórdão proferido em 15 de outubro de 2014 (fls. 3169 e ss.), o qual manteve a fundamentação do aresto então impugnado.

    3. Foi interposto o recurso de constitucionalidade deste aresto, com fundamento no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, seguidamente abreviada como “LTC), para apreciação do citado artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT, no sentido de que: «a) o mesmo se aplica às hipóteses em que o particular não obteve licença durante o período de cinco anos, por motivos imputáveis à Administração, assim determinando a cessação do direito à indemnização, no final do referido prazo de cinco anos, mesmo naqueles casos em que durante tal prazo o particular não pôde concretizar os seus direitos por razões imputáveis à Administração (…); e/ou b) o mesmo apenas consagra o direito à indemnização nos casos em que o particular disponha de um licenciamento válido, excluindo, assim, o pagamento de indemnização nos casos de caducidade ou alteração in pejus de diversas posições jurídicas dos particulares, consolidadas por outros títulos jurídico-públicos» (fl. 3247), por violação dos princípios constitucionais da confiança, da propriedade privada e da igualdade.

      Admitido o recurso (fls. 3280) e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 166/2015, determinando o não conhecimento do objeto do recurso pelo facto de o mesmo não integrar a ratio decidendi do acórdão recorrido, com os seguintes fundamentos:

      5. Saliente-se, em primeiro lugar, que o objeto do recurso se desdobra em três questões de inconstitucionalidade relacionadas com a interpretação do artigo 143.º, n.º 3, do RGIT, o qual tem a seguinte redação:

      “As restrições singulares às possibilidades objetivas de aproveitamento do solo resultantes de revisão dos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares apenas conferem direito a indemnização quando a revisão ocorra dentro do período de cinco anos após a sua entrada em vigor, determinando a caducidade ou a alteração das condições de um licenciamento prévio válido”.

      As mencionadas questões são as seguintes:

      (i) Interpretação do artigo 143.º, n.º 3, no sentido de que os dois requisitos para a atribuição da indemnização são cumulativos (cfr. a conclusão 30. das alegações de recurso apresentadas no tribunal recorrido – fls. 3056);

      (ii) Interpretação do artigo 143.º, n.º 3, no sentido de que o requisito temporal aí previsto determina a cessação do direito à indemnização no final do prazo de cinco anos, mesmo naqueles casos em que durante esse prazo o particular não pôde concretizar os seus direitos por razões imputáveis à Administração (cfr. a conclusão 31. das alegações de recurso apresentadas no tribunal recorrido – fls. 3056);

      (iii) Interpretação do artigo 143.º, n.º 3, no sentido de que o requisito material exija a preexistência de uma licença válida (cfr. a conclusão 32. das alegações de recurso apresentadas no tribunal recorrido – fls. 3057), «excluindo, assim, o pagamento de indemnização nos casos de caducidade ou alteração in pejus de diversas posições jurídicas dos particulares, consolidadas por outros títulos jurídico-públicos» (cfr. a alínea b) do ponto 4 do requerimento de recurso, fls. 3247).

      6. O objeto do recurso de constitucionalidade deve coincidir com a ratio decidendi da decisão recorrida. A utilidade do recurso de constitucionalidade encontra-se liminarmente afastada quando o critério sindicado não coincide com o critério normativo aplicado.

      Com efeito, o recurso de constitucionalidade tem um carácter instrumental em relação à decisão recorrida, pelo que, a sua admissibilidade depende da existência do interesse processual em ver revogada a decisão proferida, ou seja, «é ainda indispensável que a eventual procedência do recurso seja útil» (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Legitimidade e Interesse no Recurso de Fiscalização Concreta da Constitucionalidade” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Armando M. Marques Guedes, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, p. 947 e ss., p. 958). Assim, prossegue o mesmo Autor (v. ibidem, pp. 958-959),

      “[O] recurso de constitucionalidade apresenta-se como um recurso instrumental em relação à decisão da causa, pelo que o seu conhecimento e apreciação só se reveste de interesse quando a respetiva apreciação se possa repercutir no julgamento daquela decisão (cfr. TC 768/93, TC 769/93, TC 162/98; TC 556/98; TC 692/99).

      Expressando a mesma orientação noutras formulações, o Tribunal Constitucional afirmou que o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental, pelo que só devem ser conhecidas questões de constitucionalidade suscitadas durante o processo quando a decisão a proferir possa influir utilmente na decisão da questão de mérito em termos de o tribunal recorrido poder ser confrontado com a obrigatoriedade de reformar o sentido do seu julgamento (TC 60/97), e concluiu que o recurso de constitucionalidade possui uma natureza instrumental, traduzida no facto de ele visar sempre a satisfação de um interesse concreto, pelo que ele não pode traduzir-se na resolução de simples questões académicas (TC 234/91, […]; TC 167/92).”

      Deste modo, ou as dimensões extraídas pela recorrente do artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT e que a recorrente pretende ver fiscalizadas integraram, efetivamente, o fundamento decisório da decisão recorrida – caso em que se impõe o conhecimento daquelas em que se verifique tal coincidência –; ou, na medida em que tal resposta seja negativa, não se pode conhecer do mérito do recurso em relação a tais dimensões, uma vez que a respetiva cognoscibilidade se apresenta sempre dependente do prévio preenchimento dos requisitos do recurso, designadamente o referente à instrumentalidade do mesmo.

      7. No que se refere ao caráter cumulativo dos requisitos do direito a indemnização previstos no artigo 143.º, n.º 3, do RJIGT e à natureza do título exigido como requisito material – uma licença –, matéria atinente à primeira e terceira questões de inconstitucionalidade acima enunciadas, o acórdão recorrido (a fls. 3169 e ss.), seguindo o que já fora o entendimento do acórdão da conferência, a fls. 2929 e ss.) afirmou o seguinte:

      “[N]o caso dos autos [– e contrariamente à posição assumida noutro aresto do Supremo no sentido de serem cumulativos os requisitos para a existência do direito de indemnização estabelecidos no n.º 3 do artigo 143.º do RJIGT –], o Acórdão [da conferência] não tomou qualquer posição sobre a posição a dar ao preceito. A fundamentação que seguiu foi a de que mesmo aplicando-se uma tese mais ampla, defendida por alguma doutrina, a situação da Recorrente não encontrava guarida.

      Para esse efeito, o Acórdão [da conferência], na senda do despacho reclamado, chamou à colação a doutrina perfilhada por Fernanda Paula Oliveira […] que advoga precisamente que, a par de uma interpretação restritiva, é possível sustentar uma interpretação mais ampla e constitucionalmente mais adequada para o referido preceito, que passa quer pela não exigência da verificação cumulativa dos requisitos do art. 143.º, n.º 3, do RGIGT, quer por uma interpretação ampla do conceito de licença prévia.

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