Acórdão nº 0827686 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelM. PINTO DOS SANTOS
Data da Resolução03 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 7686/08 - 2ª Secção (apelação) ______________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Cândido Lemos Des. Marques de Castilho * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Nestes autos de incidente de qualificação de insolvência, foi proferida, a fls. 337 a 351, sentença que considerou verificadas as presunções estabelecidas nas als. a), d), f) e i) do nº 2 do art. 186º do CIRE e decidiu: - qualificar como culposa a insolvência de "B.........., SA" e considerar efectuado por tal qualificação o seu administrador-presidente, C.........., identificado nos autos; - decretar a inabilitação do identificado administrador por um período de seis anos, bem como a sua inibição, por igual período, para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação provada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; - e determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo requerido e condenar o mesmo na restituição aos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos.

Inconformado com o assim decidido, interpôs aquele administrador-presidente [e oponente no incidente, já que havia deduzido oposição ao parecer do Sr. Administrador da Insolvência, corroborado pelo Exmo. Magistrado do MP, que considerou que houve culpa grave e dolosa por parte da devedora e que deveriam ser afectados pela qualificação da insolvência como culposa todos os membros do Conselho de Administração em exercício à data da declaração daquela] o presente recurso de apelação (a que foi fixado efeito meramente devolutivo) cuja motivação, junta a fls. 403 a 419, culminou com as seguintes conclusões: 1 - A matéria de facto a que se referem os quesitos 1º a 4º, 6º a 10º, que obtiveram resposta positiva, e os quesitos 14º, 15º, 18º, 19º, 23º e 24º da matéria dada como não provada, correspondem a uma incorrecta interpretação e apreciação da prova produzida em audiência de julgamento.

2 - Da prova feita e devidamente gravada e da documentação existente nos autos, resulta clara desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e a decisão sobre a matéria de facto, nos concretos pontos questionados devendo ser alterada de acordo com o supra alegado e requerido (nos pontos I e II do corpo da motivação).

3 - Não ficou demonstrado que o recorrente tenha abandonado a administração da insolvente para se dedicar exclusivamente à sociedade referida em 4) (dos factos provados), nem que os bens da empresa foram levados para a empresa de Lisboa, como não se provou que outros bens tenham sido levados para a sociedade referida em 4), assim como os clientes da empresa.

4 - Não ficou demonstrado, nem de algum modo provado, que os veículos automóveis utilizados pela insolvente passaram a estar ao serviço da sociedade referida em 4). O mesmo se diga relativamente às transferências para contas pessoais do recorrente ou o uso do cartão de crédito da insolvente para gastos pessoais.

5 - Como não ficou provado que o Administrador da insolvência não tenha tido acesso à contabilidade integral da insolvente.

6 - Ficou provado que a contabilidade da empresa estava entregue à Dra. D......... e que o Sr. Administrador da insolvência solicitou que reunisse a contabilidade, que a administração da insolvente enviou cartas registadas a funcionários a solicitar a entrega de equipamentos que tinham feito seus, bem como que na reunião ocorrida em Maio de 2005 foi nomeado novo Director Geral da insolvente e que o recorrente se ausentava frequentemente das instalações da insolvente, quer para Angola, onde existiam projectos pendentes, quer no país para acompanhar projectos em curso e angariar novos clientes.

7 - O tribunal recorrido considerou que todas as testemunhas do requerido surgiram com um relato muito coerente e desinteressado, mesmo tratando-se de testemunhas que estão, ou estiveram, em litígio judicial com o recorrente, tendo todas subscrito o requerimento para a qualificação da insolvência como culposa, e alguns referido mesmo que estavam ressentidas com o recorrente e considerou que o(s) depoimento(s) das testemunhas do apelante, também ex-trabalhadores da insolvente, (foram) interessado(s) e tendencioso(s).

8 - A existência de culpa grave terá que ser aferida por actos concretos que permitam estabelecer um nexo de causalidade entre os actos praticados e a situação da insolvência da sociedade, que não existem nos autos.

9 - Face à matéria constante dos autos, a insolvência teria de ser declarada fortuita já que ocorreu sem qualquer culpa do recorrente que em nada contribuiu para a mesma.

10 - Salvo melhor opinião, e tendo em conta a impugnação da decisão da matéria de facto, a douta sentença recorrida fez também uma incorrecta interpretação e aplicação da lei ao caso «sub judice» (...) violando, entre outros, o disposto no art. 659º nºs 2 e 3 do CPC, devendo ser revogada e substituída por (...) acórdão que declare a insolvência como fortuita, assim se fazendo Justiça".

Não houve contra-alegações.

Foram colhidos os vistos legais.

* * * II. Questão a apreciar e decidir: Sabendo-se que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (arts. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do C.Proc.Civ., na redacção aplicável ao caso «sub judice», anterior à introduzida pelo DL 303/2007, de 24/08) e que este Tribunal, em princípio, não pode conhecer de matéria nelas não incluída, as questões que importa apreciar e decidir neste acórdão consistem em saber: ● Se a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos termos pretendidos pelo recorrente; ● E se a decisão que qualificou a insolvência como culposa e decretou as medidas que se deixaram descritas no ponto I deve ser mantida ou se, pelo contrário, deve ser revogada e substituída por outra que declare a insolvência como fortuita, como defende o recorrente.

* * * III. Factos que vêm dados como provados: A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1) A insolvente encontrava-se matriculada na Conservatória de Registo Comercial da Trofa sob o nº ..../......, constando de tal matrícula como Administrador Presidente C.........., sendo a sua forma de (se) obrigar pela assinatura do Presidente do Conselho de Administração ou pela assinatura de outros dois administradores, constando ainda de tal matrícula que na data da insolvência apenas exerciam funções de administração o referido presidente e um dos vogais.

2) Da referida matrícula não resulta que a insolvente tenha depositado, na Conservatória de Registo Comercial competente, as suas contas anuais, tendo-se constituído em 10/02/1997.

3) O requerimento de insolvência deu entrada em 7 de Outubro de 2005, sendo requerente E.........., tendo sido, em 15/11/2005, proferida sentença de declaração de insolvência, a qual transitou já em julgado.

4) Em 20/02/2002 foi constituída a sociedade "F.........., Lda.", a qual actualmente tem a firma "G.........., Lda.", matriculada na C. R. Comercial de Cascais, sob o nº ........., tendo, como forma de (se) obrigar, a intervenção de um gerente, que na data da insolvência era o oponente.

5) Em 15/11/2005 foi emitido um cheque no valor de € 5.075,44 em nome da insolvente, cheque esse que foi levantado pelo oponente em 18/11/2005.

6) O oponente abandonou a administração da insolvente desde Maio de 2005, tendo passado a ocupar-se apenas da sociedade referida em 4), em favor da qual passou a utilizar os produtos e clientes da insolvente, bem como para a qual canalizou os recebimentos de clientes da insolvente.

7) Alguns dos bens que a insolvente utilizava na sua actividade foram levados para casa de H.........., então esposa do oponente, tendo outros bens sido levados para a sociedade referida em 4), que os passou a utilizar como seus, o que sucedeu igualmente com o servidor com toda a contabilidade da insolvente, que foi transferido para a sociedade referida em 4).

8) Alguns dos veículos automóveis utilizados pela insolvente passaram a estar ao serviço da sociedade referida em 4).

9) O oponente efectuou transferências de quantias em dinheiro da insolvente para as suas contas pessoais, bem como utilizou o cartão de crédito da insolvente para gastos pessoais.

10) O Administrador da Insolvência não teve acesso à contabilidade integral da insolvente, não obstante haver pedido ao oponente o servidor onde a mesma se encontrava.

11) A insolvente, para pagar dívida a um seu funcionário, procedeu à entrega de uma viatura ao mesmo, registada em nome da insolvente, viatura essa que viria a ser apreendida para os autos.

12) A contabilidade da insolvente, desde Março de 2005, passou a ser efectuada por uma Técnica Oficial de Contas chamada D.......... .

13) O montante referido em 5) nunca foi entregue ao Administrador da Insolvência, que desconhece o seu destino.

* *Foram dados como não provados os factos que integravam os quesitos 14) a 27) da base instrutória.

* * * IV. Apreciação jurídica: 1 - Se o recurso, na parte atinente à impugnação da matéria de facto, merece ou não provimento.

Em primeiro lugar, o recorrente, alegando incorrecta...

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