Acórdão nº 0825375 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelM. PINTO DOS SANTOS
Data da Resolução06 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 5375/08 - 2ª Secção (apelação, com um agravo) ___________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Cândido Lemos Des. Marques de Castilho * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B.........., residente na .........., .., .........., em .........., Vila Nova de Gaia, por si e na qualidade de legal representante de sua filha C.........., instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra a Companhia de Seguros D.........., SA, com sede na .........., nº ..., em Lisboa, alegando, em síntese, que: - em 30/03/1995, a 1ª autora e seu marido, E.........., adquiriram, por escritura pública de compra e venda, a fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente a uma habitação no .º andar esquerdo - frente, do prédio urbano sito na .........., nº .., em .........., Vila Nova de Gaia; - para suportarem o pagamento do respectivo preço, celebraram com o F.........., SA (abreviadamente F1..........) um contrato de mútuo com hipoteca, que ficou a constar como documento complementar àquela escritura; - nos termos da cláusula 34ª desse documento complementar, a mesma autora e seu marido celebraram com a ré um contrato de seguro de vida com vista à cobertura de riscos de morte, invalidez absoluta e definitiva por doença e invalidez total e permanente por acidentes, do qual era beneficiário o banco mutuante; - em 2001, a autora e seu marido celebraram um novo contrato de empréstimo com o mesmo banco, no montante de 2.500.000$00, tendo-lhes sido exigida a outorga de outro contrato de seguro de vida para cobertura de riscos idênticos ao do contrato de seguro anteriormente referido; - o marido da autora faleceu a 01/05/2003, tendo-lhe sucedido como únicas herdeiras as aqui autoras, suas mulher e filha; - apesar de interpelada, a ré recusa-se a pagar o valor do empréstimo, considerando-o nulo e de nenhum efeito.

Baseadas nesta factualidade, pediram que: 1º. A ré seja condenada a pagar ao beneficiário dos contratos de seguro, ou seja, ao F1.........., o valor dos empréstimos em dívida à data do falecimento do identificado E.........., acrescido de eventuais juros de mora entretanto vencidos e demais despesas associadas aos empréstimos, tais como a cláusula penal, se accionada, despesas judiciais e extra-judiciais.

  1. Ou, assim não se entendendo, seja a ré condenada a pagar-lhes directamente a elas (autoras) a quantia em dívida referente aos ditos empréstimos, acrescida de eventuais juros de mora entretanto vencidos e demais despesas associadas aos mesmos, tais como cláusula penal, se accionada, despesas judiciais e extra-judiciais.

    A ré, aceitando, embora, a celebração dos contratos de compra e venda, de mútuo bancário com hipoteca e de seguro invocados pelas autoras, contestou a acção e deduziu reconvenção. No primeiro caso, excepcionou a anulabilidade dos contratos de seguro por o identificado E.......... ter prestado, conscientemente, declarações inexactas acerca da sua saúde, as quais influenciaram decisivamente a aceitação dos contratos e a fixação das condições contratuais. No segundo, estribada na anulabilidade dos contratos de seguro, pretende que lhe seja reconhecido o direito de reversão, a seu favor, dos prémios de seguro pagos.

    Concluiu pugnando: 1º. Pela procedência da excepção peremptória da anulabilidade dos referidos contratos de seguro do ramo vida, com a sua consequente absolvição dos pedidos formulados pelas autoras.

  2. Pela procedência da reconvenção e consequente condenação das autoras-reconvindas na reversão a favor da demandada dos prémios de seguro pagos no valor de € 1.494,78.

    As autoras replicaram à excepção peremptória e à reconvenção, sustentando a improcedência de ambas.

    Mais requereram a condenação da ré como litigante de má fé, por entenderem que esta adulterou deliberadamente factos que são do seu conhecimento pessoal.

    Após a resposta da ré ao pedido de condenação como litigante de má fé, em que defendeu o desatendimento do mesmo, foi proferido despacho saneador e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, com reclamação de ambas as partes, de que só a da ré obteve parcial provimento.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual, a dado passo, as autoras, através da sua mandatária, apresentaram o seguinte requerimento: "Conforme foi referido pela testemunha G.........., os dados clínicos do Sr. E1.......... (é E..........) foram enviados ao médico da Companhia que depois os fez chegar ao Departamento de Gestão de Sinistros e este, por sua vez, ao Contencioso, o qual os divulgou neste processo. A testemunha desconhece se foi notificada a Comissão Nacional de Protecção de Dados nos termos do art. 27º da Lei nº 67/98. Não se encontrando, por isso, a ré certamente na posse da necessária autorização da CNPD de forma a aceder ou a divulgar os dados de saúde do E.........., nos termos do art. 28º da referida Lei. Assim, requer-se a V. Exa. a notificação da Companhia ré para juntar aos autos a referida autorização, uma vez que não existindo esta estamos perante uma prova ilícita respeitante a todos os dados clínicos revelados neste processo, violador do art. 26º da referida Lei".

    Observado o contraditório, a Mma. Juiz que presidiu ao julgamento proferiu o seguinte despacho: "Indefere-se o requerido, porquanto, os registos clínicos juntos aos autos foram aceites pelas autoras, constando os mesmos das alíneas L) e M) dos factos assentes. Note-se ainda que aquando da celebração dos contratos de seguro em causa, os segurados autorizaram expressamente os médicos ou qualquer entidade onde os mesmos tenham sido tratados a fornecer à seguradora todas as informações relativas à sua saúde.

    Custas a cargo das autoras, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC's.

    Notifique".

    Inconformadas com este despacho, interpuseram as autoras recurso de agravo, cuja motivação concluíram do seguinte modo: "I - As ora recorrentes requereram a notificação da ré para juntar aos autos comprovativo da autorização da CNPD, para o tratamento dos dados pessoais relativos à saúde do falecido E.........., por considerarem - a não existir a referida autorização - estarmos perante uma prova nula nos termos da aplicação analógica ao processo civil do disposto no art. 32º nº 8 da CRP; Tal autorização é (da) competência da CNPD e depende, directamente, do interesse público ou do consentimento expresso do titular dos dados para esse tratamento; II - Sem a referida autorização, legalmente prevista e obrigatória nos termos do disposto nos arts. 7º nº 2, 27º e 28º da Lei nº 67/98, é proibida a obtenção e divulgação dos dados de saúde do segurado, efectuada pela ré, independentemente do seu consentimento, dada a natureza sensível dos referidos dados; III - Tal proibição torna ilícita a produção de prova da ré, quer documental, quer testemunhal, no que respeita aos dados em questão; IV - É indiferente à apreciação da eventual ilicitude material da prova em questão - resultante da sua obtenção e do acto da sua produção no processo - a não impugnação dos referidos documentos nos termos processualmente previstos; V - Já que estando em causa o respeito pela dignidade da pessoa humana, concretizado, no direito fundamental da reserva da intimidade da vida privada, a prova obtida e produzida com violação deste direito fundamental é materialmente ilícita, não devendo ser valorada, isto é, não está em causa a falsidade ou genuinidade dos documentos juntos e, por isso, não impugnados, mas acima disso, a proibição de prova; VI - Decorre do princípio geral que informa a referida Lei (que) o tratamento de dados pessoais, consistente, nomeadamente, na consulta, recolha, utilização e comunicação por transmissão, deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais; VII - Tal direito mostra-se consagrado no nº 1 do art. 26º da CRP, sendo que a LPD estabelece «... garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias» - v. g. nº 2 daquele preceito constitucional; VIII - A ré, antes da realização do tratamento de dados de saúde do falecido, nomeadamente a revelação e entrega dos mesmos, pelo médico da Companhia ao departamento de gestão e sinistros que, por sua vez, os deu a conhecer e remeteu ao departamento de contencioso da ré, que, por fim, os tornou públicos no processo, deveria ter notificado a CNPD da sua pretensão, nos termos do disposto no art. 27º nº 1 da LPD; IX - O Tribunal «a quo» confunde dois conceitos distintos e com abrangências díspares, que são o consentimento do titular dos dados e a autorização da CNPD; X - O consentimento expresso do titular dos dados para o tratamento, previsto na segunda parte do nº 2 do art. 7º da LPD, apenas exclui a proibição do tratamento daqueles dados, estipulada pelo nº 1 daquele artigo, continuando a caber à CNPD, mediante a avaliação da regularidade e abrangência desse consentimento, a autorização do tratamento requerido; XI - Conforme vem definido na alínea h) do art. 3º da referida Lei, o consentimento é «... a manifestação de vontade (e) deve ser livre, específica e informada...», isto é, trata-se de um consentimento qualificado, conforme definido pela deliberação nº 72/2006 da CNPD; XII - In casu não existe em nenhum dos contratos de seguro juntos aos autos pela ré, qualquer manifestação de vontade do falecido E.......... que possa ter sido prestada naqueles termos; XIII - Não deve o Tribunal «a quo» querer sustentar a licitude da prova em considerações de mérito que tece quanto ao consentimento prestado pelos segurados, tanto mais que, tal consentimento não pode ser generalizado, devendo obedecer aos requisitos para o efeito previstos na Lei; XIV - Não pode ser indiferente para a decisão final a proferir nos presentes autos a legalidade da prova a ser valorada; XV - Apurando-se...

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