Acórdão nº 9809/2008-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Março de 2009

Data03 Março 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório: A, Lda, veio propor contra o Banco S.A.

, acção declarativa de condenação sob a forma ordinária, que por despacho de fls. 241/242 passou a seguir a forma sumária, pedindo a condenação do R. a ressarci-la, mandando depositar a verba de € 8.179,89 na sua conta, a pagar juros moratórios à taxa comercial de 9% e, ainda, a pagar custas e honorários a advogado. Alega, para tanto e em síntese, que tendo o R. prestado à A., para o exercício da sua actividade, uma garantia bancária a favor de "C, S.A.", tal garantia caducou, o que a A. comunicou ao R., bem como a necessidade do respectivo cancelamento. Após o referido cancelamento pelo R., este veio lançar a débito na conta da A. o valor daquela garantia, sem previamente a ter informado ou obtido o seu acordo.

Contestou o Banco R., impugnando parcialmente a factualidade constante da p.i. e alegando, em súmula, que a garantia só podia ser cancelada por declaração expressa do terceiro beneficiário, pelo que o cancelamento operado pelo R. a pedido da A. ficou a dever-se a mero lapso dos seus serviços. Daí que o R. tivesse detectado o lapso e reactivado tal garantia. Assim, e como a beneficiária "C, S.A." tivesse interpelado o R. para proceder ao pagamento parcial do valor da garantia, com fundamento em Acórdão do S.T.J. que condenara a A. a devolver à mesma "C, S.A." a quantia de Esc. 1.637.415$00 por ter cumprido defeituosamente o contrato que justificara a prestação da garantia, procedeu ao pagamento devido. Conclui, pedindo a intervenção acessória da mencionada "C, S.A." e a improcedência da acção.

Admitido aquele incidente de intervenção acessória, apresentou a interveniente a sua contestação, alegando que a garantia não caducou e foi bem paga pelo R..

Procedeu-se à realização de audiência preliminar.

Logrado o acordo das partes, proferiu-se saneador/sentença que conheceu do mérito da causa e que, julgando a acção procedente, condenou o Banco R.

"a pagar à A.

Lda., € 8.179,89, acrescidos de juros de mora contados desde 01.02.2005 até à presente data, à taxa de 4%, e desde a presente data até efectivo e integral pagamento, à taxa legal. Mais decide o Tribunal absolver o R. do pedido da A. de pagamento de honorários devidos a advogado." Considera, para tanto, que não respeitando a garantia bancária em questão ao contrato de empreitada defeituosamente cumprido, não devia ter esta sido paga pelo Banco R., pelo que assiste à A. o direito a reaver a quantia em causa, sem prejuízo do direito da ora interveniente a ser reembolsada da quantia que liquidou de forma indevida à A..

Inconformado, o Banco R. recorreu da sentença proferida, sendo o recurso recebido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Apresentadas as alegações, foram ali formuladas as seguintes conclusões que se transcrevem: " 1) O presente recurso tem por fundamento, por um lado, a nulidade da sentença, e, por outro, a discordância do Recorrente quanto à qualificação da garantia dos autos como garantia autónoma, bem assim quanto à existência de dois contratos de empreitada e ainda quanto ao âmbito da garantia prestada.

2) No caso dos autos, o Juiz conheceu do mérito da causa sem que tivesse sido assegurado o cumprimento do princípio do contraditório, previsto no artigo 3º do C.P.C., o que constitui violação do disposto no referido artigo e no artigo 3º-A do C.P.C..

3) No despacho proferido em sede de Audiência Preliminar o Juiz ordenou se solicitasse ao processo n.º .../... do 3º Juízo Cível do Tribunal de Almada, certidão do Acórdão do S.T.J., da petição inicial, contestação e outros articulados e decisões finais aí proferidas, mais determinando a posterior notificação das partes dessa junção.

4) O Banco Recorrente não foi notificado da junção, e em consequência dessa omissão não lhe foi possível pronunciar-se quanto aos documentos em causa, o que diminuiu o uso dos seus meios de defesa.

5) O desconhecimento do teor das certidões impediu o Banco Recorrente de esclarecer a sua posição quanto à falsa existência de dois contratos de empreitada e quanto ao facto absolutamente erróneo, de a garantia respeitar somente a um suposto primeiro contrato.

6) Enfim, a omissão da notificação fez com que nos autos apenas se tenha lançado uma versão dos acontecimentos, a que defendeu a existência de dois contratos de empreitada, versão essa que influiu no exame e decisão da causa uma vez que veio a ser subscrita pelo Tribunal "a quo" na sentença recorrida.

7) Não era lícito ao julgador proferir saneador sentença sem que as partes se pronunciassem sobre as certidões juntas ao processo, nem podem as mesmas, mormente o Banco Recorrente, ser prejudicadas por tão ostensiva omissão.

8) Assim, a sentença recorrida está ferida de nulidade.

9) Os factos descritos nas alíneas G) e H) dos factos assentes na decisão recorrida devem ser considerados matéria controvertida, porque obviamente o são, uma vez que os artigos da petição inicial citados naquelas alíneas (7º e 8º, respectivamente), se mostram expressa e especificamente impugnados na contestação do Réu.

10) Com a errónea selecção da matéria assente que fez nas referidas alíneas G) e H), o Juiz transgrediu de forma assaz grave, o disposto no nº 1 do artigo 511º do CPC.

11) No texto da garantia dos autos lê-se que a beneficiária, para accioná-la, teria de invocar o incumprimento das obrigações da garantida, o que só pode significar, pela teoria da impressão do destinatário consagrada no artigo 236º, n.º 1, do Código Civil, que o Banco garante está, através dessa imposição, a exigir a prova do incumprimento alegado pela beneficiária.

12) A garantia prestada não é, pois, uma garantia autónoma, mas uma fiança, porque, claramente, a obrigação do garante é acessória da obrigação principal. Se o não fosse, o texto da garantia conteria as habituais cláusulas, ínsitas nas garantias autónomas, que proíbem o garante de apresentar objecções ou de alegar meios de defesa próprios do devedor. Trata-se de cláusulas que excluem explícita ou expressamente a possibilidade de o garante discutir ou excepcionar a questão do cumprimento ou incumprimento do contrato base.

13) A prática, quer no âmbito nacional quer no âmbito internacional, é precisamente essa: inserir nas garantias que se pretendem autónomas a cláusula de proibição de invocação de meios de defesa do devedor.

14) Pese embora o supra exposto, a natureza da garantia em nenhum momento foi questionada no presente litígio, nem tem qualquer interesse para a resolução do mesmo.

15) O Juiz, considerando a garantia dos autos uma garantia bancária autónoma, apreciou questão cuja resolução não lhe foi pedida, em clara violação ao princípio da necessidade, plasmado no n.º 1 do artigo 3º do C.P.C..

16) Nesse sentido, incorreu em excesso de pronúncia, tornando nula a sentença nesse segmento, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do C.P.C..

17) O Tribunal "a quo" decidiu contrariamente ao já definitivamente determinado por decisão do S.T.J. transitada em julgado, incorrendo em violação do disposto no artigo 671º, n.º 1 do C.P.C, pelo que se impõe a aplicação do disposto no artigo 675.º do mesmo Código.

18) A interpretação que o Juiz do Processo faz dos factos dos autos não se coaduna com os exactos termos em que a garantia foi prestada nem com o sentido da decisão do Supremo Tribunal transitada em julgado.

19) Entre a A Lda. e a C S.A. foi celebrado um contrato de empreitada para remodelação das instalações fabris sitas na P.... O Banco Apelante, a pedido da Autora, prestou garantia bancária do tipo fiança para assegurar perante o dono da obra (C) as obrigações decorrentes do incumprimento contratual da empreiteira, no âmbito do referido contrato.

20) Contrariamente ao entendimento do Juiz, em nenhum momento o Acórdão do S.T.J. considera existirem dois contratos de empreitada.

21) Tal como consta da própria garantia prestada e da alínea E) dos Factos Assentes na decisão recorrida, o valor da garantia corresponde a 10% do montante indicado na cláusula 6 do contrato de empreitada, ou seja, 2.923.000$00.

22) Assim, não faz qualquer sentido dizer-se que o contrato garantido, ou seja, a alegada primeira empreitada, tinha o preço de 571.861$00.

23) Se o valor da garantia era 2.923.000$00, e correspondia a 10% do valor global da empreitada que era estimado em 29.230.000$0, como pode o Tribunal "a quo" considerar que a garantia estava afecta a um contrato de empreitada cujo preço era de 571.861$00, ou seja, de valor inferior à própria percentagem e valor estabelecidos na garantia? 24) Na verdade, decorre do Acórdão do S.T.J. que a quantia de 571.861$00 correspondeu ao valor do micro-betão colocado para além da espessura de 7 cm.

25) E foi precisamente essa colocação em excesso que provocou uma fendilhação generalizada do pavimento, conforme consta dos factos dados como provados no referido Acórdão, "A causa principal da fendilhação foi a retracção do betão, agravada por ter sido colocado betão com a espessura de cerca de 12 cm quando estava previsto 7 cm e por deficiente colocação da armadura;".

26) Ainda que por hipótese se admitisse existirem dois contratos de empreitada e que a garantia apenas tivesse sido prestada ao primeiro, constata-se, dos...

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