Acórdão nº 7229/2008-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Fevereiro de 2009

Data05 Fevereiro 2009
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 9.a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa: I - Relatório 1. No inquérito NUIPC 482/04.1TABCL, na sequência de promoção do MP, por despacho de 6 de Junho de 2008, o TCIC viria a determinar o adiamento do acesso aos autos, pelo período de um ano, por parte dos arguidos, prazo que, considerou objectivamente indispensável à conclusão da investigação.

  1. Inconformados com a mencionada decisão, vários arguidos interpuseram recurso daquela decisão, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que recuse o adiamento do acesso aos presentes autos por mais 1 ano. O recurso interposto pela arguida A..., S.A, deu origem aos presentes autos, sendo as seguintes as conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada ao mesmo: A. Vem o presente recurso interposto da decisão datada de 6 de Junho de 2008, de fls. 28241-28243 de acordo com a qual o TCIC determinou o adiamento do acesso aos autos pelo período de 1 ano e a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para efeitos de impugnação ("Decisão Recorrida").

    B. Integrando a Decisão Recorrida na tramitação processual em causa, verifica-se que: (i) o presente processo crime iniciou-se em 2004; (ii) os primeiros arguidos foram constituídos em 2005; (iii) em 17 de Setembro de 2007, o Ministério Público requereu um primeiro adiamento do acesso aos autos por 3 meses que veio a ser validado pelo TCIC em 18 de Setembro de 2007 (Primeiro Despacho do TCIC); (iv) em Outubro de 2007, a A... requereu a notificação da referida promoção do Ministério Público, a qual não lhe foi disponibilizada se não muito posteriormente; (v) foi interposto recurso daquele despacho do TCIC, o qual deu origem ao Acórdão do TRL, de 23 de Janeiro de 2008 que aqui se dá por integralmente reproduzido e que revogou tal despacho dele tendo resultado a ordem para o TCIC indicar se devia ser ou não validado o pedido de adiamento do acesso aos autos formulado pelo Ministério Público em 17 de Setembro de 2007; (vi) apesar de só poder resultar do Acórdão do TRL que o prazo de 3 meses para o adiamento do acesso ao processo começava em 18 de Setembro de 2007 e terminava em 18 de Dezembro de 2007, o Ministério Público renovou o pedido de adiamento do acesso aos autos por mais 3 meses e esta promoção foi validada por despacho do TCIC de 4 de Março de 2008; (vii) deste despacho foi interposto recurso que, tanto quanto a Arguida tem conhecimento, ainda não obteve resposta do Tribunal da Relação de Lisboa; (viii) em 6 de Junho de 2008 foi proferida a Decisão Recorrida que, na sequência de uma promoção do Ministério Público cujo conteúdo a Arguida desconhece, validou o terceiro pedido de adiamento do acesso aos autos e por mais 1 ano.

    C. A Decisão Recorrida deve ser revogada porquanto a promoção do Ministério Público devia ter sido notificada à Arguida, aqui Recorrente, mas, tal como sucedeu anteriormente não o foi.

    Com efeito: (i) a Decisão Recorrida foi antecedida da promoção do Ministério Público, de fls. 28235-28238, que não foi dada a conhecer à Arguida, aqui Recorrente; (ii) a ausência de tal notificação - que se baseará na argumentação já anteriormente manifestada neste processo pelo TCIC no que respeita ao Primeiro Despacho deste Tribunal - impede a Arguida de exercer cabalmente o direito de recurso, violando o direito de acesso aos Tribunais, já que o conhecimento da promoção do Ministério Público que antecede a prolação da Decisão Recorrida mostra-se essencial para a Arguida compreender na íntegra o teor desta; (iii) ao não dar conhecimento à Arguida da promoção do Ministério Público, o Tribunal a quo está a impedir que esta possa pronunciar-se cabalmente sobre a Decisão Recorrida, equivalendo, por isso, tal circunstância à restrição ilegal dos direitos fundamentais de acesso à Justiça e aos Tribunais, de defesa do arguido e de recurso; (iv) ocorreu, por isso, uma violação dos artigos 400.º do CPP, 18.º, 20.º e 32.º n.º 1 da CRP.

    D. A Decisão Recorrida deve ser revogada porquanto contraria frontalmente o sentido do Acórdão do TRL que não está a ser respeitado pelo TCIC.

    Com efeito: (i) do Acórdão do TRL ressalta que - não obstante estarem ultrapassados há muito os prazos de inquérito - esse Tribunal superior admitiu (o que não se aceita) que o Ministério Público podia requerer o adiamento do acesso aos autos por um período máximo de 3 meses, ao abrigo do artigo 89.º n.º 6 do CPP, o que admitiu como uma última possibilidade de adiamento do acesso aos autos "na base dos interesses em jogo"; (ii) tendo o Tribunal da Relação de Lisboa revogado o Primeiro Despacho do TCIC, que foi proferido em 18 de Setembro de 2007 e determinado a respectiva substituição por outro que decidisse se o acesso aos autos devia ou não devia ser adiado por 3 meses, só pode entender-se que os 3 meses em causa começaram a contar desde aquela data, terminando, por isso, no limite, em 18 de Dezembro de 2008.

    Contudo: (i) contrariando o Acórdão do TRL, o TCIC aceitou a renovação pelo Ministério Público da sua promoção de 17 de Setembro de 2007, no sentido do prolongamento do regime de segredo de justiça por um prazo de 3 meses contados desde 4 de Março de 2008 e, por despacho de fls. 26240-26241 (datado, precisamente, de 4 de Março de 2008) determinou o adiamento do acesso aos autos, (ii) quando do Acórdão do TRL só pode concluir-se que o prazo de 3 meses nele mencionado se refere ao prazo de 3 meses contados desde 18 de Setembro de 2008 e não contados desde 4 de Março de 2008; e, assim (iii) ao determinar o adiamento do acesso aos autos por mais 1 ano na Decisão Recorrida, o TCIC está a validar, de forma ilegal, a terceira promoção de adiamento desse acesso, o que viola o sentido do Acórdão do TRL.

    Se se admitisse a interpretação do Tribunal a quo do Acórdão do TRL, então estaria a admitir-se que um prazo de 3 meses que, de acordo com a lei, é contado desde o fim do prazo de inquérito previsto no artigo 276.º do CPP, contasse desde a data em que o Ministério Público junto do DCIAP decidisse requerer novo adiamento do acesso aos autos, o que poderia ocorrer 1 mês depois de findo o prazo de inquérito, 6 meses depois de terminado esse prazo ou 1 ano depois do terminus desse mesmo prazo, ficando na dependência da oportunidade de um pedido do Ministério Público um prazo que o legislador fixou na lei com rigor.

    Ao não respeitar o sentido do Acórdão do TRL, a Decisão Recorrida violou o princípio constitucional da obrigatoriedade das decisões judiciais, ínsito no n.º 2 do artigo 205.º da CRP.

    Tendo o Acórdão do TRL sido proferido na sequência do exercício do direito dos arguidos ao recurso e tendo-se pronunciado sobre a matéria do segredo de justiça e do acesso aos autos, nele foram tutelados os direitos dos arguidos neste processo, pelo que, ao não respeitar o Acórdão do TRL, a Decisão Recorrida violou também a garantia da tutela judicial efectiva, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º da CRP e acabou por deixar postergado o direito ao recurso, já que não foi respeitada a decisão proferida na sequência da impugnação das decisões do TCIC, o que viola ainda o disposto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP.

    E. Finalmente, a Decisão Recorrida deve ser revogada porquanto violou de forma manifesta o regime legal do segredo de justiça tal como o mesmo se encontra no Direito constituído desde 15 de Setembro de 2007, tendo o TCIC interpretado e aplicado de forma incorrecta (e numa visão restritiva do direito de defesa do arguido) os artigos 86.º e 89.º do CPP na redacção da Lei 48/2007, conjugando-os - também de forma incorrecta - com o disposto no artigo 276.º do CPP, o que tem por consequência o desrespeito pelas garantias fundamentais dos arguidos em processo penal, designadamente o direito de defesa, ínsito no artigo 32.º n.º 1 da CRP.

    Isto porque: (i) na fundamentação da Decisão Recorrida, o TCIC não considerou que os interesses de todo e cada um dos arguidos deve ser tomado em consideração de forma individualizada, dado que a responsabilidade criminal é pessoal e intransmissível e não podem uns arguidos ficar a aguardar eternamente que sejam encontrados outros suspeitos da prática de crimes para que seja proferida uma decisão quanto a eles; Nomeadamente, na Decisão Recorrida não foi ponderado que (a) a constituição dos primeiros arguidos ocorreu há cerca de 2 anos e 8 meses; (b) mesmo a aqui Recorrente foi já constituída arguida em 6 de Dezembro de 2006, tendo já decorrido 18 meses desde essa data até à presente (30 de Junho de 2008); (c) foi buscada nessa mesma data; (d) os representantes legais da Arguida, aqui Recorrente foram já ouvidos em Novembro de 2007; e (e) não obstante manter a posição manifestada neste processo, a A... procedeu a regularizações no final de 2007/princípios de 2008.

    (ii) A Decisão Recorrida não respeitou o regime legal do segredo de justiça subjacente à reforma do processo penal de 2007, na sequência da qual o n.º 1 do artigo 86.º do CPP passou a prever a regra da publicidade do processo penal em todas as suas fases, ressalvadas as excepções previstas na lei.

    Na fase de inquérito - que é aquela em que se encontra o presente processo - o Ministério Público só tem o direito de requerer a aplicação do segredo de justiça até ao final dos prazos de inquérito previstos no artigo 276.º do CPP, caducando no final desses prazos ou, nos termos do artigo 89.º n.º 6 do CPP, decorridos 3 meses sobre o final destes prazos.

    No caso sub judice foram ultrapassados todos os prazos de inquérito previstos no artigo 276.º do CPP e, tendo em consideração a tramitação deste processo e acima melhor descrita, conclui-se que, no momento em que o Ministério Público requereu a aplicação do segredo de justiça, já não estavam a correr os prazos previstos no artigo 276.º do CPP, pelo que esta autoridade já não podia sequer requerer tal aplicação.

    Com efeito, até 14 de Setembro de 2007 o presente processo estava em segredo de justiça, mas com a entrada em vigor da Lei 48/2007 passou a ser...

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