Acórdão nº 5888/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: J propôs acção declarativa, com processo comum, na forma ordinária, contra Clube de Campismo de Lisboa, pedindo: a) que seja declarada inexistente a infracção disciplinar aplicada ao A. pelo R.,; b) que seja declarada anulada a deliberação do Conselho Directivo do R., de 20.07.2005; c) que o R seja condenado no pagamento dos danos patrimoniais sofridos pelo A., no montante de € 1.421,48, e no montante de € 23.500,00, a título de danos não patrimoniais.

Alegou, para tanto, em síntese: - que enviou ao Presidente da C.M de Lagoa na sequência de despacho emanado pelo R., no sentido de que o fornecimento de água por parte da rede pública era altamente deficitário, uma carta dando conta de que a notícia deixou apreensivos os campistas, receosos com o que fazer em caso de incêndio; - por outro lado, informou o Presidente da C.M. de Lagoa da existência de uma lixeira a céu aberto a escassos 3 metros dos equipamentos, demonstrando preocupação com a saúde pública e perigo para eclosão de incêndio; - que, por tal motivo, lhe foi instaurado processo disciplinar que culminou na aplicação de sanção de 180 dias de suspensão temporária, sendo que a deliberação em causa não especifica os fundamentos de facto e de direito, nem os critérios de facto que estiveram na base da determinação da medida da pena, resultando do processo disciplinar que não foi intenção do A. prejudicar o clube, além de serem verídicos os factos relatados na missiva enviada à C.M. de Lagoa.

- que a execução da deliberação lhe causa prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.

O R.

contestou, por excepção (arguindo as excepções da incompetência material e a prescrição) e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção, alegando para tanto que a deliberação do conselho directivo do CCL não é passível de ser posta em causa por via judicial, tendo prescrito o direito de recorrer do A., já que, estando em causa a deliberação de órgão de gestão de pessoa colectiva, impugnável mediante recurso para as respectivas assembleias gerais, não pode a mesma ser objecto de acção de anulação ou de suspensão dos efeitos.

Por fim, alegou que a sanção foi já executada, pelo que os efeitos que se poderiam produzir foram já produzidos, sendo que o despacho em causa revelou-se pertinente, atendendo à seca que se vivia na região, sabendo o A. que, ao dirigir-se ao presidente da C.M. de Lagoa, pretendia pôs em causa as condições do funcionamento do parque, sendo que a descrição que fez não correspondia à realidade.

Foi proferido despacho saneador, no qual foram conhecidas as invocadas excepções da incompetência material e da prescrição, tendo as mesmas sido julgadas improcedentes.

Organizada a base instrutória, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente declarou anulada a deliberação datada de 20.07.2005 e condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 1.412,48, a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da citação até integral pagamento, e a quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da prolação da sentença até integral pagamento.

Inconformado com o assim decidido, o Réu apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: "1ª - Estabelece o n.º 1 do artigo 75º dos Estatutos - que se encontram juntos aos autos - que a aplicação das sanções de advertência, censura registada e suspensão temporária é da competência do conselho directivo, cabendo recurso, sem efeito suspensivo, para a assembleia-geral.

Ora, se o Recorrido entendia, como veio a alegar em Tribunal, que não existia fundamento justificativo da aplicação da sanção disciplinar deveria ter recorrido para a Assembleia Geral, que, pela sua composição e competência - é o órgão deliberativo do Clube - poderia corrigir eventuais erros ou desvios cometidos pelo conselho directivo, que é um órgão executivo de composição restrita.

Na verdade, como decorre dos Estatutos e do Regulamento Disciplinar, a formação da vontade do Clube e a sua manifestação operam-se, em última instância, mediante deliberação da Assembleia Geral.

  1. - Porém, apesar de afirmar na sua petição ser pessoa conhecida e respeitada por todos no âmbito do Clube de Campismo de Lisboa, o Requerente não fez uso do direito de recurso para a Assembleia Geral, pelo que não podia vir impugnar judicialmente o processo disciplinar e a sanção que no seu âmbito lhe foi aplicada por não ter esgotado a via de recurso no âmbito do Clube de Campismo de Lisboa.

  2. - Neste sentido se pronunciou, aliás, o Tribunal da Relação de Lisboa em recurso de agravo interposto pelo ora Recorrente de sentença proferida no âmbito de procedimento cautelar em que o Recorrido pretendia a suspensão da mesma deliberação, junto por apenso aos presentes autos (doc nº 1).

  3. - Neste sentido se pronunciou também o Tribunal Constitucional em caso análogo, tendo decidido, através do seu Acórdão n.º 415/2003, de 24 de Setembro ( D.R. II série, de 17 de Novembro) não julgar inconstitucional a norma do artigo 412º do CSC, por não violar o artigo 20º, n.º 1, da CRP, interpretada no sentido de que está vedada a impugnação judicial directa das deliberações do conselho de administração nulas ou anuláveis.

  4. - Assim, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo deveria ter julgado, como julgou o Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do procedimento cautelar apenso a estes autos, não ser directamente recorrível na via judicial a deliberação cuja anulação vinha pedida pelo ora Recorrido.

  5. - A conclusão, na douta sentença recorrida, tal como se tinha concluído na sentença proferida no âmbito do procedimento cautelar, que o ora Recorrente violou o disposto no artigo 48º do Regulamento Disciplinar, por não constarem da sua deliberação os concretos factos imputados ao ora Recorrido e as razões de direito que implicaram a aplicação da sanção impugnada, constitui manifesto lapso.

  6. - O Recorrido instruiu a sua petição com cópia da notificação da deliberação em causa, constituída pela carta através da qual lhe foi comunicada a deliberação, acompanhada do Relatório Final do respectivo processo disciplinar, com a informação de que os fundamentos dessa deliberação são os constantes daquele Relatório Final, que contém os fundamentos de facto e de direito com base nos quais foi aplicada ao ora Recorrido a sanção disciplinar.

    E afirma, na petição inicial, que a decisão se limita a remeter para o Relatório Final e que este nada adianta quanto à fundamentação.

  7. - Ora, Estabelece expressamente o Regulamento Disciplinar acima mencionado, no seu artigo 48º que "A decisão final, quando concordante com a proposta formulada no relatório do instrutor, pode apropriar-se das razões de facto e de direito nele invocadas, valendo como fundamentação a remissão para esse documento".

  8. - E, como se pode verificar, quanto à forma foi respeitado o que se encontra estabelecido no artigo 48º do Regulamento Disciplinar e, quanto ao conteúdo, o Relatório Final faz uma descrição exaustiva e circunstanciada das razões de facto e de direito pelas quais foi aplicada a sanção disciplinar em causa.

  9. - A douta sentença recorrida louva-se apenas na acta da reunião do Conselho Directivo do Recorrente em que foi tomada a deliberação em causa, concluindo que essa deliberação é de todo omissa quanto aos fundamentos de facto e de direito que sustentam a aplicação da sanção.

    Todavia, salvo o devido respeito, o que é relevante é a motivação do autor da deliberação, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito, bem como a comunicação dessa motivação ao interessado, isto é, das razões de facto e de direito que motivaram a aplicação da sanção e não o que ficou a constar da acta da respectiva reunião.

  10. - Em todo o caso, o Conselho Directivo do Recorrente cumpre o disposto no artigo 48º do Regulamento Disciplinar, segundo o qual "A decisão final, quando concordante com a proposta formulada no relatório do instrutor, pode apropriar-se das razões de facto e de direito nele invocadas, valendo como fundamentação a remissão para esse documento".

  11. - Aliás, na própria sentença recorrida afirma-se que "da leitura da acta, relativa ao Conselho Directivo, na qual foi tomada a deliberação sob apreciação, depreende-se que a mesma foi tomada com base no teor do relatório final, já que é mencionado como tendo, então, sido entregue ao mesmo Conselho Directivo". 13ª - De resto, na notificação da deliberação ao ora Recorrido, o Conselho Directivo do Recorrente informa-o de que essa deliberação tem por fundamento o Relatório Final do processo disciplinar, de que juntou cópia.

    E o Recorrido entendeu bem essa deliberação, pois do que se queixa na sua petição, quanto a esta matéria, é da alegada insuficiência de fundamentação do Relatório Final e não da deliberação, que bem sabia assentar nesse Relatório Final.

  12. - Pelo exposto, a douta sentença recorrida viola o disposto no artigo 48º do Regulamento Disciplinar do Recorrente, bem como os artigos 285º, 286º e 295º do Código Civil, mencionados na sentença como fundamento legal da anulação da deliberação em causa, e o artigo 177º do Código Civil - aparentemente aplicado por analogia -, uma vez que a ilegalidade considerada não se verifica.

  13. - Como decorre do processo disciplinar junto aos autos, a aplicação da sanção em causa mostra-se justificada.

    Na verdade, quando o Conselho Directivo do CCL emitiu um comunicado aos utentes do Parque de Ferragudo recomendando-lhes que deveriam abster-se, temporariamente, de consumir água que não fosse estritamente necessária, designadamente em actividades de rega, de lavagem de viaturas, etc., ocorria no Algarve uma acentuada seca e uma vaga de incêndios e o caudal de água fornecida...

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