Acórdão nº 1932/2008-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Dezembro de 2008

Data18 Dezembro 2008
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência os Juízes na Secção Criminal (9ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No processo nº 180/07.4 TAPDL do no 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada foi proferido pelo Mmº Juiz o despacho de que consta cópia a fs. 35 rejeitando a acusação proferida pelo Mº Pº contra o arguido A imputando-lhe um crime de desobediência p. e p. pelo artº 348º nº 1 b) do CP porquanto, tendo sido temporalmente inibido, (por decisão judicial que o condenou como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguês), de conduzir veículos automóveis, não procedeu, como aí foi determinado com a cominação de incorrer em desobediência, à entrega da sua carta de condução no prazo fixado, sendo que de tudo foi advertido quando da leitura da sentença.

Inconformado com a rejeição de tal acusação decidida vem o Mº Pº interpor o presente recurso extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: • A legitimidade da ordem emitida pelo juiz que adverte o arguido que incorre na prática de um crime de desobediência no caso de não entregar a carta de condução, nos termos do disposto no art.° 348°, n.° 1, al. b), do C.P. reconduz-se à sua conformidade à lei ou às qualidades que esta requer e traduzirá, também, a justeza da ordem, a sua conformidade às regras da equidade, a circunstância de ser fundada na razão, segundo a natureza das coisas (Ac., do TRP, de 15 -11-2006) Não se pode fazer uma interpretação restritiva do artigo 348°, n.° 1, al. b) do C.P., de forma a esgotar por completo o seu conteúdo útil, pois, caso contrário teríamos que supor que o legislador se enganou ao criar uma norma criminal que não tem razão de ser nos casos em que a advertência é feita por um Juiz; • Essa advertência justifica-se para os casos em que se está perante uma desobediência impura, aquela que for acompanhada da lesão ou perigo de lesão de outro bem jurídico; • O perigo de lesão ou lesão que justifica essa cominação não pode radicar-se na exequibilidade ou coercibilidade das decisões judiciais mas deverá assentar, antes, no perigo latente que representaria o não cumprimento daquela ordem para o bem jurídico que se pretende acautelar de modo a evitar a sua violação pelo agente, não obstante o Tribunal ter à sua disposição meios para obrigar o agente a entregar a carta de condução • A aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos a pressupõe uma ponderação prévia e necessária sobre os perigos que aquele agente potencia para os restantes utentes da via ao conduzir o veículo sob o efeito do álcool, nos termos em que o fez e que justificou a aplicação da sanção principal, para que deste modo se alcance o objectivo que o legislador pretendeu atingir de redução da sinistralidade rodoviária; § A sua aplicação passa necessariamente pela entrega da carta de condução. Pois, enquanto estiver na posse do arguido o perigo é potencial e o efeito que se pretende com a pena é nulo. O arguido poderá continuar a conduzir impunemente, basta apresentar o título ao agente de fiscalização do trânsito. A possibilidade de vir a ser fiscalizado por um agente que tem conhecimento da aplicação daquela sanção e dos seus termos é remota; • É consabido que é prática comum neste país os arguidos ou réus mudarem de residência (s) ou subtraírem-se de diversos modos às notificações do Tribunais, sem deixarem paradeiro conhecido, e desta forma eximirem-se às sanções aplicadas pelos Tribunais; § Nas situações semelhantes à dos autos o não acatamento da pena de inibição de conduzir e a impossibilidade prática de apreensão da carta de condução pelas agentes de fiscalização do trânsito vai colocar em perigo a segurança rodoviária precisamente devida à incapacidade do Estado em garantir a validade da norma violada pelo arguido, que na maioria dos casos representam um perigo para a segurança rodoviária, pois, caso contrário, não lhes teria sido aplicada essa sanção acessória, O facto da condução por parte do arguido ser proibida e cominada com o crime de violação de proibições não altera esta conclusão: o arguido não entrega a carta precisamente para não cumprir aquela pena ou, entrega-a apenas quando lhe der mais jeito cumprir a pena, recorrendo aos mais diversos expedientes para o efeito; • Por isso, a cominação com o crime de desobediência, frustra a pretensão do arguido que pretende eximir-se ao cumprimento daquela pena acessória, e reforça a validade da norma penal violada oferecendo maiores garantias à comunidade que não pretende ver frustrada a sua confiança na tutela resultante da norma infringida, contribuindo deste modo para a segurança na circulação rodoviária; É a motivação provocada por esta nova incriminação que vai debelar aquele perigo que a simples execução da pena acessória não consegue entravar • Também consideramos que não se justifica fazer a distinção entre a fase do cumprimento voluntário e do cumprimento forçado da obrigação da entrega da carta para fundamentar a incriminação ou não da conduta quando a advertência é feita no primeiro momento; • A nosso ver, a legitimidade substancial da ordem não é afectada ou alterada consoante o momento em que é feita a cominação. Essa advertência deverá ser feita no momento próprio que é por excelência o momento da leitura da sentença onde o Tribunal pode exercer cabalmente o efeito pedagógico pretendido com essa cominação; • As alterações efectuada ao C.E., no que toca à incriminação da referida conduta, nos termos previstos na actual redacção do art.° 160°, n.° 3, e na redacção anterior às alterações de 2005, nos art.° 166° e 157°, tem duas consequências: • Sabido que a jurisprudência dominante não punha em causa a referida incriminação, designadamente, a legitimidade do juiz para fazer a referida advertência, demonstra que a intenção do legislador foi a de manter a referida incriminação em virtude de ter reforçado essa ideia no âmbito do processo contra-ordenacional e não estabeleceu qualquer restrição no regime penal • Por força do princípio da Unidade do Sistema Jurídico não teria qualquer cabimento descriminalizar a referida conduta no âmbito dum processo de natureza criminal na medida em que, "não pode sustentar-se um regime mais benévolo para sanção de natureza criminal/penal que o da contra-ordenação correspondente" (Ac. do TRC de 31/10/2007), ou seja, por maioria de razão, não pode o legislador deixar de incriminar o mesmo facto para os casos em que a decisão é tomada por um Magistrado Judicial, quando a mesma advertência pode ser feita por um funcionário da Administração Pública! A advertência feita pelo Juiz é justa e adequada às finalidades que se pretendem atingir e mantêm-se dentro dos limites da lei, obedecendo a critérios de legalidade estrita, conferindo-lhe a necessária legitimidade que fundamenta a incriminação do não cumprimento da ordem; Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido por violar o disposto nos art.°s 9° do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT