Acórdão nº 3599/2008-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Dezembro de 2008

Data17 Dezembro 2008
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: O, S.A. propôs contra R, S.P.A. acção declarativa de condenação, sob forma comum e processo ordinário. Alegou, em síntese, que: a autora é uma sociedade anónima de direito português que tem por objecto social, entre outros, a exploração e comercialização de direitos ao espectáculo desportivo, comunicação audiovisual, publicidade, marketing, patrocínios e imagem; a 1ª ré é uma sociedade comercial de direito italiano que tem a concessão exclusiva do serviço público de rádio e televisão, incluindo os serviços de satélite e plataforma digital terrestre do Estado Italiano; no exercício da sua actividade, a 1ª ré explora diversos canais televisivos, entre os quais a RAI SPORT, que se dedica essencialmente à transmissão desportiva de eventos desportivos; a 2ª ré é uma sociedade comercial de direito italiano que integra o grupo RAI e tem por objecto social, entre outros, a aquisição de direitos desportivos para efeitos da sua exploração pelos diversos canais televisivos controlados pela 1ª ré; em 15.3.04, a autora e a 1ª ré celebraram um contrato mediante o qual aquela cedeu a esta, mediante o pagamento de 300.000€, a transmissão televisiva para os territórios de Itália, São Marino e Cidade do Vaticano de dois dados jogos de futebol, a realizar nos dias 30 e 31 de Março de 2004; tendo a autora procedido em conformidade com o acordado, permitindo que a 1ª ré emitisse os jogos de futebol em causa através da RAI SPORT, as rés não pagaram a quantia contratualmente estabelecida. Considerou a autora que as normas de conflitos aplicáveis à situação são as que constam da Convenção de Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, de 19 de Junho de 1980, que o ordenamento jurídico que apresenta mais estreita conexão com o contrato celebrado entre as partes é o português e que os tribunais competentes para apreciar este litígio, de acordo com o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, são os tribunais portugueses. Concluiu a autora, pedindo a condenação solidária das rés a pagar-lhe a quantia de 300.000€, acrescida de juros de mora às taxas aplicáveis aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais desde a data de vencimento da factura emitida - 19.5.04 - até integral pagamento.

As rés contestaram. Excepcionaram a incompetência internacional dos tribunais portugueses para o litígio em causa, porquanto i) as rés têm a sede, a administração central e o estabelecimento principal em Itália, não tendo qualquer delegação em Portugal, ii) não chegou a ser celebrado qualquer contrato entre as partes e, mesmo atendendo à forma como foi configurada a acção, iii) trata-se da cessão de direitos televisivos para efectivação de transmissões televisivas em Itália. À cautela, as rés impugnaram os factos articulados pela autora, invocando, em síntese, que o funcionário que estabeleceu as conversações com a autora não tinha poderes para, atendendo ao montante envolvido, as representar, que a autora não detinha os direitos televisivos que se propôs transmitir e que a 2ª ré nada tem a ver com a situação dos autos. Concluíram, pedindo a sua absolvição da instância, ou, se assim se não entender, a sua absolvição do pedido.

A autora replicou, acusando irregularidades na junção de alguns documentos, refutando as excepções invocadas e pedindo a condenação das rés como litigantes de má fé.

As rés pronunciaram-se sobre as questões atinentes aos documentos e à litigância de má fé.

Aplicando à situação o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, e entendendo que o lugar onde foram prestados os serviços em causa ou entregues as coisas em questão (dependendo da qualificação do contrato) sempre seria a Itália, o tribunal de 1ª instância julgou internacionalmente incompetentes os tribunais portugueses e absolveu as rés da instância.

De tal decisão agravou a autora, formulando as seguintes conclusões: a) No despacho de que ora se recorre, o Tribunal a quo julgou procedente a excepção de incompetência internacional do Tribunal, absolvendo as agravadas da instância, com fundamento numa errada qualificação jurídica do contrato celebrado entre aquelas e a ora agravante. Assim é que, b) 0 Tribunal a quo considerou - salvo o devido respeito, que muito é, sem razão - que o contrato celebrado entre a agravante e a 1ª agravada (e que se encontra junto à PI como Doc. nº 4) constitui um contrato de prestação de serviços, aplicando, em consequência, a norma de conflitos constante do 2º parágrafo da alínea b) do nº 1 do art. 50 do Regulamento. Ora, c) O contrato celebrado entre as aqui agravante e 1ª agravada tinha por objecto a cessão onerosa dos direitos de transmissão televisiva de dois jogos disputados entre as selecções profissionais e sub-21 de Portugal e Itália, em Março de 2004, em Portugal. Ou seja, d) O objecto do contrato firmado é constituído pela cedência de um direito ou feixe de direitos, mediante o pagamento de uma contrapartida, isto é, de um preço; e) Nos ternos do disposto no artigo 1154° do Código Civil, a prestação de serviços é o contrato pelo qual um dos contraentes (o prestador dos serviços) se obriga a proporcionar ao outro o resultado do seu trabalho, intelectual ou manual, com ou sem retribuição; f) No caso dos autos, a agravante não se comprometeu a entregar à 1ª agravada o resultado de qualquer actividade ou criação sua, mas apenas a ceder-lhe uma específica faculdade que integrava o seu património - faculdade essa traduzida na possibilidade de autorizar, onerosa ou gratuitamente, a transmissão televisiva de um certo evento desportivo; g) O objecto mediato do contrato celebrado entre a autora e a 1ª ré não é, pois, constituído pela cedência de uma qualquer actividade ou resultado criativo, mas sim por um direito ou, melhor, um conjunto de direitos ou faculdades, que integram o conteúdo de um direito conexo ao direito de autor - doutrinariamente identificado como "direito ao espectáculo"; h) Note-se, aliás, que a aqui agravante - transmitente da faculdade específica de autorizar a exploração televisiva dos espectáculos desportivos em causa nos autos - não é, ela mesma, a titular primitiva desse direito ao espectáculo, tendo os direitos de exploração comercial desses espectáculos, na vertente da sua difusão pública, sido cedidos pela referida F. Ou seja, i) A agravante obrigou-se - e cumpriu integralmente essa obrigação - a transmitir à 1ª agravada um direito que ela mesma havia adquirido do seu primitivo titular, pelo que o contrato celebrado entre autora e 1ª ré configura, afinal, uma modalidade de compra e venda de direitos. Sendo que, j) Na medida em que o objecto da transmissão acordada é um direito e não uma coisa, a "obrigação de...

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