Acórdão nº 1061/2008-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelGRAÇA ARAÚJO
Data da Resolução20 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I Companhia de Seguros, S.A. propôs contra Maria acção declarativa de condenação, com processo comum e forma sumária. Alegou, em síntese, que: pelo resgate de dada apólice de seguro do ramo vida que contratara com Maria, homónima da ré, a autora deveria pagar àquela a quantia de 1.188.400$00; por falha do sistema informático, a autora pagou tal quantia à ré, em 4.4.00; não obstante instada para o efeito, a ré não devolveu à autora aquele montante; a ré enriqueceu à custa da autora, que, em contrapartida sofreu um dano patrimonial. Concluiu, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe 5.927,51€, acrescida dos juros vencidos desde a interpelação no montante 636,62€ e dos vincendos até integral pagamento.

Contestou a ré, invocando, em primeiro lugar, não ter recebido cópia dos documentos juntos com a petição inicial nem saber em que data foi a mesma proposta, reservando-se, assim, a possibilidade de contestar após conhecer os referidos aspectos. À cautela, porém, deduziu a excepção da prescrição. E alegou, de seguida, que: contratou com a então Companhia de Seguros, E.P. um seguro do ramo vida, com início em 14.7.83 e duração de 20 anos, titulado pela apólice nº 5004470; durante mais de 5 anos, pagou os correspondentes prémios semestrais; tendo deixado, a dada altura de pagar o prémio, a ré resolveu pedir o resgate da apólice; contactado para o efeito o seu mediador, aconselhou este a ré a converter o seguro do ramo vida num depósito a prazo (seguro rendimento/liquidez), pois nada teria de pagar, poderia levantar o capital quando entendesse e beneficiava de condições mais vantajosas que as oferecidas pelos Bancos; procedendo em conformidade com o conselho recebido, a ré passou a receber da seguradora diversas cartas anuais, mencionando a apólice nº 46001586 (indicada pela autora na petição inicial) e indicando o valor acumulado; para fazer face a uma intervenção cirúrgica, em Março de 2000 a ré deslocou-se às instalações da autora em Oliveira do Hospital onde, apresentado e fotocopiado o seu bilhete de identidade e cartão de contribuinte, lhe foi entregue o valor acumulado e referido na petição inicial; quando recebeu a carta da autora datada de 1.8.01, pedindo a devolução daquela quantia, a ré falou com o funcionário da autora que lha havia entregue, que lhe disse que não se preocupasse pois seguramente se trataria de um lapso; e nada mais lhe foi comunicado. Mais invocou a ré que, mesmo que tenha havido um erro por parte da autora, sempre a ré teria direito à quantia devida pelo resgate que solicitou e que pretende ver compensada com a devolução que ora lhe é exigida. E, no caso de a quantia que tem direito a receber por via desse resgate ser superior à peticionada pela autora, pede em reconvenção que esta seja condenada a pagar-lhe a diferença.

Juntando as cópias que a ré acusara não ter recebido, a autora respondeu à contestação, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição. Mais sustentou a ineptidão do pedido reconvencional por falta de causa de pedir, para além de não ser processualmente admissível. Alegou, ainda, que: à excepção do nome, os elementos de identificação da segurada do contrato titulado pela apólice nº 46001586 são diferentes dos da ré; a ré contratou, de facto, em 14.7.83, um seguro (produto do tipo "mistos com créditos periódicos), por 20 anos, sendo o valor do capital de 100.000$00; em 1988, a ré pediu o resgate desta apólice, mas não reinvestiu a quantia recebida em qualquer aplicação da ré; aliás, a apólice nº 46001586 data de Abril de 1996 e a quantia aplicada foi de 1.000.000$00; as cartas recebidas pela ré sobre tal seguro resultam do mesmo lapso informático que existiu aquando do pagamento da quantia peticionada.

Apresentou a ré nova contestação em que, por força do conhecimento dos elementos anteriormente em falta, reconheceu não se verificar, efectivamente, a antes invocada excepção de prescrição. Rectificou a contestação que apresentara no sentido de que, tendo entretanto falado com o seu mediador, soubera que, afinal, ele não só não resgatara a apólice de 14.7.83 como não reinvestira qualquer quantia, sendo certo que a ré estava convicta de que tal acontecera. Sucede que, então, a ré continua a pretender haver da autora a quantia relativa ao resgate daquela apólice e a pretender exercer a compensação e deduzir reconvenção, como já fez. Sustentou que o pedido reconvencional não padecia de ineptidão, sendo processualmente admissível. Mais invocou a ré que: a autora actuou com negligência grosseira, não só pelos reiterados lapsos informáticos que corroboraram na ré a convicção de que era titular da apólice nº 46001586, mas principalmente quando lhe entrega a quantia peticionada sem cuidar de confirmar, através dos documentos de identificação que solicitou, se se trata da pessoa a quem devia efectuar o pagamento; a ofensa que toda esta situação representou na sua honra e a possibilidade de ter de vir a devolver à autora a quantia que já gastou numa intervenção cirúrgica e de que não dispõe, causaram à ré danos morais e causar-lhe-ão danos patrimoniais se tiver de pedir um empréstimo para reembolsar a autora. Pediu, assim, em reconvenção a condenação da autora a pagar-lhe uma indemnização de 10.000€ a título de danos não patrimoniais e uma indemnização pelos danos patrimoniais previsíveis, mas ainda não determinados, a liquidar em execução de sentença, bem como nos correspondentes juros de mora desde a data da notificação da autora até integral pagamento.

A autora apresentou "réplica", reiterando o já alegado anteriormente e rejeitando os novos pedidos reconvencionais.

Foi proferido despacho que, por força da alteração do valor da acção pela dedução de reconvenção, determinou que o processo passasse a seguir a forma ordinária.

Admitido o pedido reconvencional, procedeu-se ao saneamento e condensação do processo.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que condenou a ré no pedido e absolveu a autora do pedido reconvencional.

De tal sentença apelou a ré, formulando as seguintes conclusões: a) A resposta restritiva aos quesitos 15° e 21°, não o deveria ter sido, uma vez que resultou provado que a ré só recebeu a quantia reclamada nos autos por estar convicta que a mesma lhe pertencia, resultando tal facto do depoimento da testemunha António José Alves, cujo depoimento ficou gravado em fita magnética da cassete n° 1, lado A, de voltas 12 a voltas 628; b) A resposta aos quesitos 16º e 17º, também com fundamento no depoimento da aludida testemunha e por ser relevante para a boa decisão da causa, deveria ter dado como provado, a título instrumental e complementar, que a ré gastou integralmente a quantia que lhe foi paga pela autora antes da interpelação extra-judicial para a restituição, a qual foi despendida com despesas médicas que, doutro modo, a recorrente nunca poderia ter suportado, atenta a sua parca situação económica; c) A matéria de facto apurada, acrescida dos factos que com o presente recurso se pretende sejam dados por assentes, ao abrigo do disposto pelo artigo 712° n° 1 al. a) do C.P.C., impõem, salvo o devido respeito, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que absolva a ré/recorrente do pedido, ou, quando assim não se entenda, que julgue procedente o pedido reconvencional subsidiariamente deduzido; d) O valor a restituir pela recorrente à recorrida, atentas as normas do enriquecimento sem causa em que se funda a presente acção, tem de ser medido pelo locupletamento efectivo e actual da recorrente, por ser esse o valor com que efectivamente a recorrente se encontraria enriquecida e não a indemnização para reparação do dano à recorrida; e) A recorrente não se locupletou efectivamente com a quantia recebida da autora, pois gastou-a integralmente em despesas médicas que doutro modo nunca poderia ter suportado, atenta a sua parca situação económica de reformada com apenas 200€ de reforma mensal pagos pelo Centro Nacional de Pensões, pelo que não poupou qualquer quantia em consequência do recebimento da quantia em causa nos autos; f) Conforme dispõe o artigo 479° n° 2, a obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento à data da verificação de algum dos factos referidos nas duas alíneas do artigo seguinte, ou seja, à data da citação judicial ou do conhecimento da falta de causa do respectivo enriquecimento, contudo em qualquer desses momentos a recorrente já havia gasto integralmente a quantia que lhe tinha sido entregue pela recorrida pelos motivos expostos, pelo que o locupletamento efectivo e actual da recorrente sempre seria inexistente; g) Deverá fixar-se que a data em que a recorrente teve conhecimento de que o pagamento que lhe tinha sido feito era indevido foi o do momento da citação para a presente acção e não da recepção da interpelação em Agosto de 2001, uma vez que a recorrente dirigiu-se com essa mesma carta aos balcões da recorrida, tendo sido informada que tal cata consubstanciava um erro, pelo que não deveria considerá-la (cfr. facto n° 33 dos factos assentes da sentença recorrida); h) A ré actuou sempre de boa fé recebendo o capital peticionado pela recorrida por estar convicta de que lhe era devido, não tendo actuado com culpa, ainda que negligente, atento o facto de, tal como se provou, ter 62 anos de idade, apenas o 3° ano de instrução, ser titular de seguro do ramo vida na Bonança e terem sido conferidos todos os seus dados pessoais pelos próprios funcionários da recorrida no momento da entrega da quantia peticionada, o que levaria qualquer pessoa na situação da recorrente a não pôr em causa a legitimidade do recebimento, não sendo exigível que comparasse os números das apólices; i) Caso a recorrente actuasse com má fé, teria, logo após a recepção da primeira carta em 1999, recebido imediatamente o capital a resgatar e não teria aguardado por mais um ano para o fazer; j) Não poderá, salvo o devido respeito, a recorrente ser...

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