Acórdão nº 5992/2007-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelRUI RANGEL
Data da Resolução20 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam em Conferência na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa 1. Relatório 1.1.No Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa foi proferida decisão instrutória a fls. 4586 que, entre outras questões, considerou sem fundamento as nulidades invocadas, de violação das regras de competência do Tribunal do Júri, bem como de intercepções telefónicas realizadas nos autos levadas a cabo pelo arguido ora recorrente.

1.2. Inconformado com este despacho interpos recurso o arguido (A) que motivou, concluindo nos seguintes termos: O art° 207° n° 1 da CRP exclui a intervenção do Tribunal de Juri no julgamento de crimes de terrorismo e criminalidade violenta ou altamente organizada.

De acordo com as regras de competência material e funcional previstas no art° 11° e ss do CPP, conjugadas com a previsão do art° 51° do D.L. 15/93, equiparam-se aos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, as condutas que integram os crimes previstos nos art°s 21 a 24 e 28 do D.L.15/93.

Ao ter o Tribunal de 1ª Instância decidido como decidiu, violou claramente o preceituado no art° 207° da C.R.P.

Os despachos a ordenar as escutas não estão fundamentados, nem de facto, nem de Direito, tal como é exigido; não estando consequentemente justificada a primazia deste meio de prova, antes de qualquer outro, tendo-se pois violado o princípio da subsidiariedade.

Estando em causa interesses tão elevados como o direito à identidade pessoal, à capacidade civil, ao bom nome e reputação à imagem, palavra e reserva da identidade da vida privada e familiar é normal que a falta de fundamentação leve à nulidade do despacho e não à mera irregularidade como se de um simples despacho se tratasse.

Por isso mesmo o art° 189° do CPP é claro ao afirmar que os requisitos e condições referidas no art° 187° e 188° do CPP terão de ser respeitados sob pena de nulidade.

O M. Juiz ao não ter fundamentado os despachos, fez errada interpretação das normas contidas no art° 97° n° 4 e 187° n° 1 do C.P.P., por violação do dever de fundamentação - art° 205° n°1 e direito ao recurso, art° 32° n° 1 da CRP, pelo que nos termos supra referidos e do art° 189° do C.P.P. são nulos, sendo consequentemente as escutas dependentes desses despachos.

A interpretação e aplicação que o Tribunal fez das normas contidas no art° 187°-1 do C.P.P. está ferida de inconstitucionalidade por contender como o estatuído no art° 18°, 32° e 34° da C.R.P.; Todo o trabalho de acompanhamento e supervisão judicial das intercepções telefónicas realizadas na investigação, deve encontrar documentação inequívoca no processo de prova de forma a evitar situações como as do caso concreto; Não se constata nos despachos do M. Jic que as intercepções telefónicas tenham sido escutadas na sua globalidade e só após a sua escuta tenham sido seleccionadas e ordenada a transcrição da matéria seleccionada isto é até Novembro de 2004; O que se constata é que foi escutada somente a matéria seleccionada pelo OPC e promovida pelo M.P. e outra nem isso; E foram presentes ao Juiz muito tempo depois de terem sido ouvidas pelo OPC ou seja não foram presentes ao JIC logo após terem sido ouvidas ou quanto antes, sendo por vezes com 30 dias ou mais , em clara violação do art° 188°-1 do C.P.P.; O M. Jic, limitou-se a ordenar a transcrição e junção aos autos nos precisos termos em que foram sugeridos pelo OPC, obedecendo unicamente aos critérios destes pelo que foi violado art° 188°-3° do C.P.P., conforme o concretizado na Motivação.

Apesar de não se entender o prazo de imediato de forma tão apertada em termos de controlo como quanto ao n° 1 do art° 188° do C.P.P., a flexibilidade, não poderá querer dizer 40 dias e mais; Trata-se de um direito fundamental do arguido não ver a sua intimidade devassada na "praça pública", nas mãos da polícia, seja de funcionários, ou de quem quer que seja, sendo por isso que a lei ordinária em consonância com as garantias constitucionais da inviolabilidade de comunicação prevista no art° 34° n° 1 e n° 4 da C.R.P, impõe a simultaneidade das operações referidas no n° 3 do art° 188°, do C.P.P., o dever do segredo em relação a todos os participantes nelas; Foi violado o n° 3 e 4 do art° 188° do C.P.P., conjugado com o disposto no art° 101 n° 2 e 3 do mesmo diploma; Assim sendo, as escutas telefónicas são nulas e consequentemente nulo o valor das provas obtidas mediante o recurso às mesmas nos termos do art° 188° n° 1, 3, 189 e 122° do C.P.

A norma constante do art° 188° n° 3 e 4do CPP, quando interpretada como o foi no sentido de não impor que a selecção do material recolhido na intercepção e gravação das comunicações telefónicas, com ordem de transcrição dos elementos considerados relevantes seja efectuada e determinada imediatamente após a correspondente audição, mas possa sê-lo posteriormente, designadamente passados 40 ou mais dias (a ordem de transcrição), de tal audição ter tido lugar, viola os princípios contidos nos art° 32° n°8, 34° n° 1 e n° 4 e 18° n° 2 da CRP.

Toda a iniciativa e verificação do interesse da matéria interceptada ficou a cargo exclusivo dos elementos da Polícia judiciária, a qual não foi de imediato apresentada ao M. Juiz, estando no desconhecimento deste por vezes mais de 30 dias, nem a sua transcrição no mais curto espaço de tempo, foi feita; Autorizar novos períodos de escuta sem que a autorização de prorrogação seja precedida de conhecimento judicial do resultado das escutas anteriores, entende-se que as escutas realizadas aos postos móveis são nulas e consequentemente nulo o valor das provas obtidas mediante o recurso às mesmas, por violação dos preceitos constitucionais.

O despacho recorrido fez errada interpretação e aplicação das normas contidas no art° 188° n° 1-2 e 3 do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios contidos nos arts. 18° , 32° e 34° da C.R.P.

Requer-se a instrução do recurso com os respectivos despachos, promoções e ofícios do OPC, no que se referem às intercepções telefónicas, concretamente autorizações, prorrogações e ordens de transcrição e despachos de junção das transcrições.

O conhecimento dessas nulidades é que deveriam levar à despronúncia do recorrente, bem como ao reconhecimento da incompetência do Tribunal do Júri.

1.3.O MºPº na 1ª instância respondeu, pugnando pela rejeição do recurso.

1.4. Nesta Relação o Exmº PGA teve Vista dos autos ao abrigo do disposto na art. 416º do CPP, tendo proferido parecer concordante com a posição do MºPº, em 1ª Instância.

1.4. Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº2 do CPP.

1.4. Foram colhidos Vistos legais * Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.

Não existe causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal, que, aqui, e agora ponha termo ao processo.

* Cumpre, pois, apreciar e decidir: 2. O DIREITO 2.1.O objecto do recurso, encontram-se delimitados pelas conclusões da motivação do recorrente e prende-se com as seguintes questões: O art° 207°-1, da CRP, em conjugação com o disposto nos artigos 11° e segs., do CPP e art° 51°, do Dec. Lei n° 15/93, de 22/01, afastam a competência do tribunal do júri para julgar os crimes previstos pelos artigos 21°, 24° e 28°, deste último diploma.

Os despachos que ordenaram as escutas não são fundamentados, nem de facto nem de direito, nem respeitaram princípio da subsidiaridade do recurso a este meio de prova.

O Mmo. JIC limitou-se a seguir as sugestões avançadas pelo opc e MP para selecccionar as conversações consideradas relevantes para a prova.

Os registos das conversações foram apresentados com atraso excessivo, tal como a transcrição e junção dos autos respectivos ao processo.

Foram violados, pelo despacho recorrido, os artigos 11 ° e segs., 187°, n° 1 e 188°, todos do CPP, o art° 51°, do Dec. Lei n° 15/93, de 22/01, bem como os artigos 18°, 32° e 34°, todos da CRP.

Vejamos, então, se o arguido recorrente tem razão nos argumentos apresentados.

  1. - Da Nulidade das Escutas Telefónicas O art. 187º, do CPP consagra a admissibilidade da intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas, como meio de prova, desde que ordenadas ou autorizadas, por despacho judicial, relativamente aos crimes enumerados nas alíneas a) a e), do nº1, do citado normativo «se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova".

Por seu vez o art. 188º, do CPP determina as formalidades a que estão sujeitas as intercepções e gravações como meio de recolha de prova.

Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e controlo judicial, e «sistema de catálogo», em que a escuta telefónica é reservada exclusivamente a tipos criminais que pelas suas características tornam tal meio de recolha de prova particularmente apto à investigação ou que, pela gravidade dos interesses em jogo (expressa numa moldura penal abstracta qualificada), podem justificar a adopção de uma medida consensualmente vista como portadora de um elevado potencial de «danosidade social». (vide Manuel da Costa Andrade, in "Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra, 1992, págs. 272, 275, 281, 283 e 285).

Tais normas estão em consonância com o art. 34º, nº 1, da CRP, segundo o qual "O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis", bem como com o disposto no nº 4, do mesmo preceito constitucional, no qual se consagra que "é proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação social, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo penal".

Do referido normativo da lei fundamental resulta que só em matéria de processo penal é admissível a limitação do direito fundamental do sigilo da correspondência e nas telecomunicações pelas autoridades públicas...

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