Acórdão nº 4412/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 18 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelJOSÉ AUGUSTO RAMOS
Data da Resolução18 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na secção cível da Relação de Lisboa: I - Relatório J intentou esta acção, com processo ordinário, contra M e H, pedindo: a) seja decretada a nulidade da promessa de alienação do andar em causa que fez aos Réus, com a consequente devolução a estes do sinal por eles prestado no valor de 390.000$00; b) subsidiariamente, para o caso de improcedência do antecedente pedido, que seja decretado que ocorreu em 1979 o incumprimento definitivo da promessa de compra e venda que fez aos Réus, fixando-se em 780.000$00 o montante da indemnização que deve aos Réus.

Os Réus contestaram para concluir pela improcedência da acção e deduziram reconvenção pedindo: a) que se declare que adquiriram por usucapião o direito de propriedade sobre a fracção do imóvel, ordenando-se, em conformidade, o cancelamento do registo predial; b) subsidiariamente, para a hipótese de improcedência do antecedente pedido, que o Autor seja condenado a pagar-lhes, a título de indemnização, a quantia de 22.400.000$00 acrescida de juros.

Foi chamada a intervir como associada do Autor, no tocante ao pedido reconvencional principal, a sua mulher Maria.

No despacho saneador decidiu-se admitir a reconvenção, bem como se decidiu nada mais obstar ao conhecimento do mérito da causa, pelo que se prosseguiu com a organização da selecção da matéria de facto com base instrutória.

O Autor interpôs recurso de agravo do despacho saneador na parte que decidiu pela admissão do pedido reconvencional e pela improcedência da sua ineptidão.

Para tanto apresentou as suas alegações com as conclusões seguintes: «I - A causa de pedir do pedido reconvencional principal não foi expressamente alegada pelos RR. e ora recorridos.

II - Não conhecendo o A. a verdadeira causa de pedir da reconvenção e sendo o pedido reconvencional principal admitido, consideram-se violados os direitos do A. decorrentes do Princípio do contraditório.

III - Mal andou assim o despacho recorrido ao decidir que a reconvenção não é inepta pois ao fazê-lo violou o disposto nos arts. 193.º n.º 2 al. a) e 501.º do CPC, e ainda os direitos de defesa do A. e ora recorrente decorrentes, entre outros, dos arts. 3.º, 3.º-A e 502.º n.º 1 do CPC.

IV - O facto jurídico que serve de fundamento à acção (a nulidade do contrato promessa de compra e venda) e o facto jurídico que serve de fundamento à defesa (a "existência" e "validade" do contrato promessa) - questão meramente obrigacional - não coincidem com a suposta causa de pedir da reconvenção (a posse e consequente aquisição da propriedade por usucapião) - questão de direitos reais.

V - Mal andou assim a sentença recorrida ao admitir a reconvenção, e nomeadamente o seu pedido principal, pois ao fazê-lo violou o disposto no art. 274.º n.º 2 al. a) do CPC pois os factos que servem de fundamento à acção e à defesa não constituem a causa de pedir do pedido principal da reconvenção.

VI - O pedido reconvencional subsidiário deduzido pelos RR. e ora recorridos reporta-se simultaneamente a "prejuízos causados com a presente acção", como à pretensa "frustração de legítimas expectativas", como a uma pretensa "actualização monetária", como ainda a uma "mais-valia com que o A., injustificadamente, enriqueceu" em prejuízo dos RR. o que o torna perfeitamente ininteligível tanto quanto aos seus fundamentos de facto e de direito como ao seu pedido.

VII - Mal andou assim o despacho recorrido ao decidir que a reconvenção (pedido reconvencional subsidiário) não é inepta pois ao fazê-lo violou o disposto nos arts. 193.º n.º 2 al. a) e 501.º do CPC, e ainda os direitos de defesa do A. e ora recorrente decorrentes, entre outros, dos arts. 3.º, 3.º-A e 502.º n.º 1 do CPC.

VIII - O despacho saneador recorrido ainda enferma de nulidade por falta de fundamentação da decisão de admissão da reconvenção e de improcedência da excepção da ineptidão, em conformidade com o disposto no art. 668.º n.º 1 al. a) do CPC.» Termina as conclusões acima transcritas pedindo a substituição do despacho saneador por outro que não admita a reconvenção por inadmissibilidade e por ineptidão.

Os Réus nas contra-alegações entendem dever ser negado provimento ao recurso.

Foi proferido despacho que reparou parcialmente o agravo, pois que se limitou a não admitir o pedido reconvencional principal, e que consequentemente ordenou a eliminação do quesito 10º da base instrutória.

Realizado o julgamento, com gravação da audiência final e sem reclamação da decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença que decidiu: a) absolver da instância a interveniente Maria; b) absolver os Réus dos pedidos formulados pelo Autor; c) absolver o Autor do pedido reconvencional formulado pelos Réus.

Proferida a sentença veio o Autor requerer a rectificação de lapsos de escrita que entende nela verificarem-se, rectificação que foi indeferida, e veio dela interpor recurso de apelação, para tanto tendo apresentado as seguintes conclusões: «I - Se entretanto não for rectificado pelo Tribunal a quo, devem ser rectificados, ao abrigo do disposto no artigo 667.º do CPC, os seguintes lapsos de escrita constantes da Sentença de fls. 532 a 546: - na página 3 da Sentença, onde se lê "20 - A carta junta aos autos a fls. 335 (número que se rectifica por manifesto lapso de escrita) é da autoria do Sr. Dr. A" deve ler-se "20 - A carta junta aos autos a fls. 337 (número que se rectifica por manifesto lapso de escrita) é da autoria do Sr. Dr. A" (negrito nosso, para melhor identificação); - na página 12 da Sentença, onde se lê "Também examinando as cartas de fls. 333, 334 e 335 se conclui que a questão pendente..." deve ler-se "examinando as cartas de fls. 333, 334 e 337 se conclui que a questão pendente..." (negrito nosso, para melhor identificação).

II - A Sentença recorrida não pode subsistir, desde logo por desconforme com a lei processual, na medida em que aprecia o pedido reconvencional subsidiário deduzido pelos RR., ora Apelados, na sua Contestação-Reconvenção, pedido esse que, por ser ininteligível tanto quanto aos seus fundamentos de facto e de direito, como quando ao seu pedido, é inepto, pelo que não deveria ter sido admitido, conforme pugnado pelo A. na sua réplica. Diferentemente entendeu o Tribunal a quo no seu despacho saneador, que indeferiu a pretensão do A. e do qual este oportunamente agravou. Tal recurso de agravo veio a ser parcialmente reparado por despacho de fls. 481 a 484, mas não quanto à ineptidão do pedido reconvencional subsidiário, cuja admissão manteve e que justifica que seja agora julgado o agravo, nos termos do disposto no artigo 710.º do CPC, mas apenas nessa parte.

III - Caso venha a ser julgado improcedente o recurso de agravo, o que não se concede, sempre se defenderá que, ainda assim, a Sentença não poderia, em qualquer caso, subsistir, porquanto a decisão da matéria de facto fez igualmente mau julgamento da prova produzida em juízo, decidindo em sentido diverso daquele em que se imporia no que respeita a alguns artigos da base instrutória.

(...) V - Em suma, ao abrigo dos artigos 690.º-A e 712.º do CPC, deve ser modificada a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: (i) Substituindo-se a resposta ao artigo 9.º da base instrutória por não provado, ou, em alternativa e sem prescindir, apenas para o caso de se entender que o teor do documento de fls. 337 "consome" o facto vertido no artigo 9.º da base instrutória, dar-se como não escrita a resposta àquele artigo, eliminando-a da matéria tida por provada; (ii) substituindo-se a resposta aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 6.º da base instrutória por provados.

VI - Sem prescindir, caso se entendesse que o teor do documento de fls. 337 "consumia" por completo o próprio facto vertido no artigo 9.º da base instrutória, o Tribunal a quo deveria ter dado a resposta a esse artigo como "não escrita", nos termos do artigo 646.º, n.º 4 do CPC, e considerado na Sentença em crise como plenamente provadas pelo mesmo documento apenas as declarações atribuídas ao seu autor, nos termos dos artigos 659.º, n.º 3 do CPC e 376.º do CC.

VII - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º e 376.º, n.º 1, do CC, e, bem assim, nos artigos 646.º, n.º 4, 653.º, n.º 2, 655.º e 659.º, n.º 3, do CPC.

VIII - Quanto aos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 6.º, todos da base instrutória, logrou o A. fazer a respectiva prova, mediante testemunhas que o próprio Tribunal a quo entendeu serem credíveis (...) IX - Sem prescindir, caso se entendesse não serem de dar-se como integralmente "provados" os factos constantes dos artigos 2.º, 4.º, 5.º e 6.º, deveriam ter sido incluído na matéria de facto provada, pelo menos, o seguinte: (i) quanto ao artigo 2.º: provado que, após ter tomado conhecimento da posição assumida pela sua mulher, ainda em 1979, o A. informou os RR., através da R. mulher, que seria impossível a realização do contrato definitivo; (ii) quanto ao artigo 4.º: provado que, perante este circunstancialismo, o A. propôs aos RR., através da R. mulher, que fosse acertado um valor pelo não acordo da sua mulher à celebração do contrato definitivo; (iii) quanto ao artigo 5.º: provado; (iv) quanto ao artigo 6.º: provado.

X - Ao decidir que tais factos da base instrutória deveriam ser dados como "não provados", o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 342.º, 349.º, 351.º do CC, e, bem assim, nos artigos 653.º, n.º 2, e 655.º do CPC.

XI - Os pressupostos de facto nos quais assentou a Sentença recorrida na parte em que decidiu a questão de Direito, estavam, pois, errados. Não obstante, quer na hipótese de a impugnação da decisão sobre a matéria de facto proceder, total ou parcialmente, quer na hipótese de a mesma decisão improceder - o que se concebe sem conceder -, o pedido principal ou, apenas em último caso e sem prescindir, o pedido subsidiário, formulados pelo A. na presente acção deverão, por essa ordem de preferência, integralmente proceder.

XII - Partindo da própria circunscrição do thema decidendum efectuada pelo Tribunal a quo...

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