Acórdão nº 2014/08-2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelGOMES DA SILVA
Data da Resolução06 de Novembro de 2008
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I – INTRODUÇÃO 1. Aos 2007.02.12, por apenso aos autos de insolvência em que é requerida P... MALHAS, S.A.

, vieram a COMISSÃO DE CREDORES, o ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA e o Digno Magistrado do MINISTÉRIO PÚBLICO propor a qualificação da insolvência como culposa, com processo especial, contra aquela e J... GUIMARÃES .

  1. Pretendiam obter decisão que declarasse que a insolvência da requerida demonstrava culpa grave desse seu administrador.

  2. Para o efeito, alegaram como se vê da petição.

  3. Citado, o referido deduziu oposição a tal pretensão, considerando, em síntese: - o normativo que suporta o pedido (art. 186º-nº2 C.I.R.E.) padece de inconstitucionalidades orgânica (por falta de autorização legislativa e quando conjugado com o art. 189º-nº2 do mesmo diploma) e material (por estabelecer presunções que violam direitos fundamentais como sejam o direito ao trabalho, à livre escolha de uma profissão e à iniciativa privada); - a interpretação implicitamente atribuída ao art. 12º do Código Civil, no sentido de que o disposto no nº 2 do art. 186º e no art. 189º do CIRE têm aplicação retroactiva, é inconstitucional por violar os arts. 2º, 9º-b), 16º-nº1, 202º-nº2 e 204º da Constituição da República Portuguesa; - não foram alegados factos que sustentem o nexo de causalidade entre a imputada actuação do Requerido e a criação ou agravamento do estado de insolvência; - a degradação da situação económica e financeira da insolvente iniciou-se no ano de 2003, em consequência da instauração de um processo crime, já que em Maio de 2003, a insolvente foi inspeccionada pela Inspecção Geral das Actividades Económicas e, na sequência de tal inspecção, foram apreendidos milhares de packs de meias; - tal degradação agravou-se com a recessão da economia, quebra no consumo e abertura de mercados de leste e asiático, bem como, com um incêndio nas suas instalações, em 2005, para além de ter perdido um cliente para o qual canalizava 60% do volume de vendas; - os empréstimos concedidos a terceiras sociedades, além de não terem prejudicado a insolvente, ainda a beneficiaram, pois que houve outras empresas que lhe prestaram garantias reais, as quais foram indispensáveis para assegurar a continuidade da respectiva laboração; - tais empréstimos a empresas do ramo da saúde se configuravam como um investimento com vista à futura criação de uma SGPS que gerisse todas as participações sociais dessas sociedades; - os membros da Comissão de Credores agem com má fé pois que a relação da insolvente com aqueles sociedades sempre foi do conhecimento público, pois que as contas estão depositadas na respectiva Conservatória do Registo Comercial.

  4. Saneada a causa, foram selecciomados os factos assentes e elaborada a base instrutória, esta com reclamação parcialmente deferida.

  5. Foi oficiosamente ordenada uma perícia singular, tendo posteriormente sido requerida uma segunda perícia colegial.

  6. Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação dos respectivos depoimentos, o Tribunal proferiu a decisão sobre a matéria de facto, a qual não foi objecto de reclamações.

  7. A sentença, tendo a questão incidental como acção provada: i. qualificou como culposa, com culpa grave, a insolvência de “P... MALHAS, S.A.”, com sede no Lugar do Motelo, Fermentões, em Guimarães, com o NIPC 501131450, matriculada na C.R.C. de Guimarães sob o nº. 501131450 (antiga 1785/19810317), considerando que essa qualificação abrange o respectivo Presidente do Conselho de Administração, J... GUIMARÃES, residente no Lugar do Paço, Serzedelo, em Guimarães; ii. declarou J... GUIMARÃES inibido para o exercício do comércio, durante um período de cinco anos, não podendo, durante igual período, ocupar de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa; iii. determinou a perda de quaisquer eventuais créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelo referido J... GUIMARÃES; iv. condenou-o a restituir todos os bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; e v. julgou inconstitucional a norma constante do art. 189º-b) do C.I.R.E., por ofensa ao art. 26º, conjugado com o art. 18º, ambos da CRP, no segmento que consagra o direito à capacidade civil, desaplicando-a no caso concreto.

  8. Irresignado, deduziu recurso aquele condenado José P..., tendo sumariado conclusões.

  9. Contra-alegaram os credores F... , LDA e P... MALHAS, LDA.

  10. Cumpre apreciar e decidir, colhidos que foram os legais vistos.

    II – FUNDAMENTOS FÁCTICOS Vem apresentada como provada em 1ª instância a seguinte materialidade: 1. A P... MALHAS, LDA, com sede no Lugar do Motelo, Fermentões, em Guimarães, com o NIPC 501131450, matriculada na C.R.C. de Guimarães sob o nº 501131450 (antiga 1785/19810317), cujo objecto era o exercício da indústria de malhas e sua comercialização, requereu, por douta petição entrada em juízo, em 13 de Novembro de 2006, a sua insolvência, a qual veio a ser declarada por sentença de 14 de Novembro de 2006, já transitada em julgado.

  11. J... GUIMARÃES, residente no Lugar do Paço, Serzedelo, era o Presidente do Conselho de Administração da P... MALHAS, LDA, sendo a contabilidade processada informaticamente sob responsabilidade de F... Lobo, TOC dos quadros da empresa.

  12. A P... iniciou a sua actividade em 1981, na área do fabrico de artigos têxteis, tendo apresentado resultados líquidos positivos até ao final do exercício de 2000, tendo os primeiros prejuízos surgido em 2001 e a situação económico-financeira da insolvente começado a degradar-se em 2003, mantendo-se a produção e o volume de facturação e sendo os custos da produção cada vez mais elevados.

  13. Em 2005, a situação agravou-se em consequência da apreensão referida em 16. e em consequência de um incêndio, no mês de Agosto, que destruíu edifícios, máquinas e matérias primas, originando um prejuízo aproximado de 750.000 €.

  14. Em 2005, a situação agravou-se em consequência de um cliente ter protelado para 2006 o recebimento de uma encomenda de 500.000 €, dos quais 100.000 € ficaram por receber.

  15. No balanço de 2005 consta um prejuízo superior a 140.000 €.

  16. As dificuldades mantiveram-se no início de 2006, quando a insolvente entrou em ruptura com o cliente Metro que representava mais de 60% das vendas, tendo-se esgotado aí as condições de viabilidade.

  17. Nos últimos três anos, foram contabilizadas quantias na rubrica “outros devedores”, cujos saldos foram variando e foram objecto de movimentos, sendo de 870.000 €, e nas contas o exercício de 2003, de 1.395.000 e nas contas do exercício de 2004 e de 1.024.000 € nas contas do exercício de 2005.

  18. Desde 2003, que vinha sendo feita uma reserva na certificação das contas relativa à rubrica “outros devedores” (cfr. fls.27, 28, 42, 43, 57 e 58 dos autos principais).

  19. No ano de 2004, as quantias concedidas às L... ANÁLISES, LDA e I... – IMAGIOLOGIA, LDA apresentavam uma saldo devedor de 801.877,34 € e, no final do ano de 2005, contabilizavam-se em 703.613,33 €, valor que se manteve inalterável até à data da apresentação à insolvência.

  20. Nas contas da insolvente verifica-se o lançamento, há mais de quatro anos, de um crédito inexistente no valor de 312.000 €.

  21. Nas contas da insolvente verifica-se a existência de uma provisão mal lançada no montante de 212.000 €, a qual se relaciona com o pagamento de horas extraordinárias e que, em consequência, deveria processada como “custos com pessoal”.

  22. O referido em 12. comprometeu os resultados operacionais em 2005, dado que os mesmos seriam positivos se não se considerasse tal provisão, que foi criada para regularizar situações anteriores (cfr. fls.254 dos autos principais).

  23. Da contabilidade da insolvente constam os seguintes valores como...

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