Acórdão nº 2740/05.9TBMGR-E.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelT
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1. RELATÓRIO.

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.

Nos presentes autos, tendo sido declarada a insolvência da A.., com sede na X.., na Marinha Grande, por sentença datada de 30.06.2006, transitada em julgado no dia 21.12.2006, vieram as credoras " B.." e " C..” apresentar as alegações a que se reporta o nº 1 do artº 188º do CIRE, requerendo, a final, a qualificação da aludida insolvência como culposa.

Alega a primeira factos tendentes a demonstrar que a conduta dos administradores da insolvente foi orientada no sentido de prejudicar os seus credores, fazendo dissipar todo o seu património em benefício de terceiros (cfr. fls. 13-21).

A segunda veio alegar factos que, na sua opinião, são demonstrativos que a insolvente alienou bens e celebrou negócios ruinosos em proveito de terceiros com ela especialmente relacionados, sabendo que tais actos levariam ao encerramento da empresa e à consequente não liquidação do seu passivo (cfr. fls. 51-59): Por sua vez, a Sra. Administradora da Insolvência emitiu parecer nos termos do artº 188º, nº 2, do CIRE, propugnando pela qualificação da presente insolvência como culposa.

Refere, em síntese, que: - A insolvente não exerce qualquer actividade desde Setembro de 2005, não tendo como a retomar; – Durante os anos de 2004/2005 vendeu e/ou cedeu a maioria dos seus bens imóveis e móveis; – O valor de venda dos bens imóveis foi muito inferior ao valor real dos mesmos (chegando, inclusive, a ser inferior ao seu valor patrimonial); - Durante o último ano aumentaram de forma significativa os suprimentos dos administradores à devedora, tendo no entanto tais suprimentos sido novamente recebidos pelos administradores, com prejuízo dos credores; - A insolvente não se apresentou à insolvência; – A legal representante da insolvente incumpriu, ainda que não reiteradamente, o seu dever de total colaboração; Identifica todos os seus Administradores como as pessoas que devem ser afectadas pela referida qualificação (cfr. fls. 64/65).

O Ministério Público foi ouvido, nos termos do disposto no artº 188º, nº 3, do CIRE, pronunciando-se no sentido da concordância com o sobredito parecer (cfr. fls. 67).

Notificada nos termos do nº 5 do artº 188º do CIRE, a insolvente pronunciou-se, opondo-se à referida qualificação, requerendo que a presente insolvência seja qualificada de fortuita (cfr. fls. 103-110).

Alega, em síntese, que através da venda dos bens a que procedeu, obteve a importância de € 117.159,50, que utilizou para pagar a empregados e fornecedores (nos termos que constam dos documentos juntos a fls. 243 a 330), e para solver dívidas que detinha para com o Banco G...

(referente a um empréstimo), o Banco H...

(livrança) e à Segurança Social.

A Sra. Administradora da Insolvência e a credora " C..” vieram responder à oposição apresentada pela insolvente, rebatendo-a e reiterando a posição anteriormente assumida (v. fls. 120-121 e 146-155).

Foi realizada a tentativa de conciliação a que alude o artº 136º nº 3 do CIRE (aplicável por força do preceituado no nº 7 do artº 188º do citado diploma legal), na qual não foi possível obter qualquer acordo (v. fls. 216-218).

Foi proferido despacho saneador a fls. 347 e ss..

Procedeu-se à condensação da matéria de facto relevante, discriminando-se a factualidade assente da controvertida (fls. 348 e ss.).

Realizou-se audiência de julgamento, com observância do formalismo legal (v. actas fls. 459-463, 485-487, 519-521 e 612-613).

Respondeu-se à matéria de facto, por despacho de fls. 618-624, que não foi objecto de qualquer reclamação.

Foi proferida sentença que julgou Qualificar como culposa a insolvência ”da " A.."; - Declarar os administradores da insolvente (à data de Setembro de 2005) - D.., E.. e F..- afectados pela presente qualificação como culposa, na medida em que serão os seus responsáveis; - Decretar a inibição dos referidos D.., E.. e F..por um período de 2 (dois) anos; - Declarar os mesmos administradores inibidos para o exercício do comércio, bem como para ocupar qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, durante um período de 5 (cinco) anos; - Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a massa insolvente, que os referidos administradores pudessem eventualmente deter.

Daí o presente recurso de apelação interposto pela A..., a qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a decisão apelada.

Foram para tanto apresentadas as seguintes, Conclusões.

1) Vem o presente recurso interposto da sentença que qualificou a insolvência da A..como culposa e que afectou, pessoal e patrimonialmente, os seus Administradores e Ex-Administradores; 2) No caso em apreço, face à prova produzida, imperioso era que a insolvência da A..tivesse sido qualificada como fortuita; 3) Os elementos de prova constantes dos autos deviam ter sido considerados pelo Tribunal a quo na sua totalidade e entende a ora apelante que não o foram total e devidamente, 4) Andou assim mal o Tribunal a quo, já que devia ter feito uso do poder de livre apreciação da prova, assim escrutinando toda a prova que consta dos autos e que é abundante para o efeito, análise exaustiva essa que certamente teria levado a decisão diversa da proferida; 5) A sentença ora em crise padece, tal como o parecer que lhe deu origem, de um vício que a inquina fatalmente; parte do pressuposto que a insolvência foi culposa, não cuidando de ir construindo um suporte fáctico e jurídico que chegue a uma conclusão, isto é, chegou-se ao resultado final logo no início e, como tal, ainda antes de percorrer todo o iter lógico e cronológico do processo; 6) Ficou bem plasmada nestes autos, mormente pelo depoimento do Senhor Dr.

I...

, ROC da insolvente, que cuidou de explicar que a insolvente tinha muitos créditos incobráveis que afectaram irremediavelmente o seu equilíbrio económico e financeiro, e, fatalmente, a partir do momento em que o seu principal credor decidiu não garantir a sua reestruturação, que a insolvência da A..se deveu à conjuntura menos favorável, e não à actuação ou omissão dos seus Administradores; 7) O parecer da Senhora Administradora da Insolvência e o aresto ora em crise, dão como origem da situação de insolvência da A..o facto de a mesma não se ter apresentado à insolvência e de os respectivos accionistas terem prestado suprimentos que lhes foram depois restituídos pela sociedade; 8) O Tribunal a quo não cuidou de valorar o facto de os accionistas da ora apelante, terem pago pessoalmente financiamentos desta; 9) A sociedade/insolvente/apelante não viu a sua saúde financeira afectada pela restituição dos suprimentos aos accionistas, 10) Era essencial que os factos dados como provados no aresto ora em crise, tivessem sido praticados pelos Administradores da ora apelante, com dolo ou culpa grave, e que tivessem sido aptos a criar ou agravar a situação de insolvência da A.., para que a insolvência da A..fosse qualificada de culposa: 11) Ao contrário do que consta da sentença ora em crise, estão os autos instruídos, e, bem assim, também a contabilidade da insolvente, dos meios que permitem aferir que a insolvente vendeu activos a fim de, com o produto da venda, pagar dívidas que tinha. Andou mal o Tribunal a quo, que decidiu não valorar tal factualidade, e, ainda, vir invocar no aresto em crise que a insolvente “... não logrou minimamente (nem se esforçou para) provar tal factualidade; 12) Parece esquecer o Tribunal a quo que toda a documentação relativa à insolvente está em poder da Senhora Administradora da Insolvência; 13) Por outro lado, ficou provado nos autos, com o depoimento do Dr. I..., que com as vendas efectuadas, a insolvente pagou às Finanças, à C.. e financiamentos bancários, cfr. página 6 da resposta à matéria de facto; 14) Tal não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo: 15) Ficou provado nos autos (depoimento do ROC da apelante e do funcionário do S... responsável pela operação) que a apelante não conseguiu reestruturar o seu passivo porque uma das entidades que com ela negociava e, aliás, iria garantir tal operação de reestruturação de passivo se negou a prestar as garantias reais e avales que foram exigidos pelo Banco financiador da operação; 16) Ademais, além de fazer ruir tal reestruturação, veio ainda tal entidade a requerer a declaração de insolvência da ora insolvente; 17) Dispõe o quadro legal que presentemente regula o nosso direito falimentar, o CIRE, que, salvo verificação, isto é, a prova de que factos houve na vida da insolvente que criaram ou agravaram a sua situação de insolvência, imperioso é concluir que a insolvência foi fortuita; 18) O nosso regime regra é assim de que as insolvências são fortuitas, a menos que tenha existido prova de que Administradores da insolvente, com dolo ou culpa grave, hajam tido uma actuação ou omissão apta a criar ou agravar a situação de insolvência latente da insolvente; 19) O artº 186º do CIRE contém comportamentos e vicissitudes que, só por si, não são idóneos e susceptíveis de conduzir a uma situação de insolvência, como seja o caso da não apresentação das contas ou da elaboração da contabilidade, que mais não são que normas de conduta, mas de cuja violação não pode decorrer ipso facto a qualificação de uma insolvência como culposa; 20) A insolvência, para poder ser qualificada como culposa, tem de ter sido criada ou agravada pela violação de tais normas de conduta; 21) O artº 186º do CIRE, até pelo facto de inovar face ao artº 64º do CSC, exige uma interpretação ponderada por parte do julgador, que permita responsabilizar administradores por ocorrência de condutas dolosas ou com culpa grave, mas não responsabilizar todo e qualquer administrador, independentemente de culpa; 22) Era imperioso apurar se os factos dados como provados criaram ou agravaram a situação de insolvência, já que só em tal caso é que a insolvência da A..pode ser qualificada com culposa, e assim...

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