Acórdão nº 09A0273 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2009
Magistrado Responsável | SALAZAR CASANOVA |
Data da Resolução | 19 de Março de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Pedro Miguel [...] e Ana Maria [...] demandaram P. [...] S.A. pedindo a sua condenação no pagamento de 278.443,24€ acrescido de juros legais que se vencerem até efectivo pagamento bem como na sanção pecuniária compulsória de 100€ por cada dia de atraso no pagamento da quantia em dívida.
2.
Os AA outorgaram no dia 30-10-2001 com a ré contrato-promessa de compra e venda de moradia a implantar no lote de terreno integrando loteamento correspondente ao empreendimento turístico denominado "P...V... Sports Residence".
3.
O preço acordado para a compra e venda foi de 227.736,16€.
4.
Os AA pagaram, a título de sinal, quantias sucessivas, importando o montante total de 139.078,24€.
5.
De acordo com o estipulado (cláusula quarta) a escritura de compra e venda seria celebrada até ao termo de 30 meses após a assinatura do contrato-promessa, ou seja, até ao dia 30-4-2004, conferindo-se em caso de incumprimento aos promitentes compradores a faculdade de interpelar a promitente vendedora para proceder à marcação da respectiva escritura no prazo de 180 dias, podendo aqueles, se esta não fosse efectuada, resolver então o contrato, exigindo o valor do sinal dobrado (cláusula sexta/5).
6.
Estipulado foi ainda na mesma cláusula sexta/6 que se " considera incumprimento para o efeito do número anterior, a não realização da escritura de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à promitente vendedora, no prazo de 45 meses a contar da data da assinatura do presente contrato-promessa de compra e venda", ou seja, até ao dia 30-7-2005.
7.
Ora a ré não procedeu à marcação da escritura e, por isso, decorridos os referidos 45 meses, entrou em incumprimento definitivo.
8.
Os AA por carta de 10-1-2006 procederam então à resolução do contrato-promessa de compra e venda, notificando a ré para lhes pagar a quantia de 275.645,00€.
9.
A acção foi julgada procedente por decisão da 4ª Vara Cível de Lisboa, confirmada pelo acórdão, ora recorrido, do Tribunal da Relação, nos seguintes termos: - Condenou-se a ré a pagar ao A. a quantia de 278.156,48€ (duzentos e setenta e oito mil e cento e cinquenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da interpelação até efectivo pagamento, absolvendo-a do demais pedido - Absolveram-se os AA do pedido reconvencional.
Pedido reconvencional que se traduziu a) no pedido principal de condenação do A. marido reconvindo a celebrar a escritura de compra e venda, assim adquirindo a propriedade da moradia que prometeu comprar e a, nesse momento, pagar à ré o remanescente do preço que é a quantia de 91.094,46€ visto que não foi por culpa imputável à ré que o contrato-promessa não foi outorgado até àquela data, mas por responsabilidade da câmara municipal de Palmela por atraso no alvará de construção e também da empreiteira à qual a ré adjudicou a construção das moradias). Ora, de acordo com a referida cláusula sexta/6 o incumprimento da vendedora só ocorria se resultasse de " causa imputável exclusivamente à promitente vendedora", não sendo, portanto invocável fundadamente pelos AA a violação desta cláusula b) no pedido subsidiário de declaração de nulidade do contrato-promessa por força do disposto no artigo 47.º/10 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho c) no pedido subsidiário, duplo grau de subsidiariedade, de redução equitativa do correspondente ao dobro do sinal, sendo a ré condenada apenas na devolução do montante do sinal e reforços, acrescido dos juros legais, ou, no máximo, no valor do mesmo sinal acrescido de mais alguma, não muito elevada, percentagem desse sinal, a determinar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal.
10.
Nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a ré sustenta que o contrato-promessa de compra e venda é nulo, de acordo com o disposto no artigo 46.º/10 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei nºs 305/99, de 6 de Agosto e 55/2002, de 11 de Março, pois nele não se faz menção ao depósito na então Direcção-Geral de Turismo do título constitutivo do empreendimento turístico no qual se encontra situada a moradia objecto do contrato-promessa de compra e venda.
11.
Para a recorrente, a arguição de tal nulidade não configura um abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, como se decidiu, uma vez que tal modalidade de abuso pressupõe a desconformidade de uma actuação com uma posição anteriormente assumida; nunca a ré declarou, ou deu a entender, que não iria alegar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda, não sendo aplicável o estipulado no artigo 410.º/3 do Código Civil pois isso traduzir-se-ia na aplicação analógica de tal norma que, por ser de natureza excepcional, não comporta recurso à analogia, sendo certo que, com o artigo 410.º/3 do Código Civil, se visa proteger os promitentes compradores e com o mencionado artigo do Decreto-Lei n.º 167/97 se visa o controlo prévio, pela Administração Pública, da qualidade urbanística e turística dos empreendimentos turísticos, nulidade que resulta de omissão imputável a ambos os contraentes, não existindo fundamento para a aplicação da modalidade de abuso do direito, tratando-se de inalegabilidades formais.
12.
Sustenta ainda a recorrente que os AA não procederam à transformação da mora em incumprimento definitivo, recorrendo, para tal, aos mecanismos previstos no artigo 808.º/1 do Código Civil, não ocorrendo incumprimento definitivo pela ultrapassagem do prazo de 45 meses previsto na cláusula sexta do contrato-promessa de compra e venda, pois as partes sujeitaram a aplicação de tal cláusula ao facto de a não celebração da escritura pública de compra e venda se dever a causas exclusivamente imputáveis à ré, verificando-se que os atrasos na obra são da responsabilidade da câmara municipal e do empreiteiro.
13.
Na minuta das contra-alegações, os AA referem que a recorrente, quer na sua contestação, quer nas alegações ora apresentadas, se limitou a referir que o contrato-promessa objecto dos presentes autos é relativo à compra e venda de uma coisa imóvel integrada num empreendimento turístico, nada mais alegando designadamente que, quando o contrato-promessa foi outorgado, se estava perante um empreendimento turístico nos termos definidos no artigo 1.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho e não perante uma mera designação como tal de uma comum urbanização.
14.
Salientam ainda os AA que jamais a recorrente, nos presentes autos, demonstrou que a urbanização em causa foi submetida a procedimento de licenciamento adequado à sua classificação como empreendimento turístico e licenciada enquanto tal, o que basta para inquinar toda a argumentação expendida com base no Decreto-Lei n.º 167/97 e conduz à improcedência da invocada nulidade do aludido contrato-promessa 15.
Concluem os recorridos o seguinte quanto a esta questão: 1. A recorrente jamais provou ou sequer alegou nos presentes autos factos que efectivamente permitam concluir que o imóvel objecto do contrato-promessa outorgado integra o conceito jurídico de "fracção imobiliária de uma urbanização que, por sua vez, integra o conceito jurídico de " empreendimento turístico" 2. Mas mesmo que se considere que o fez, jamais provou ou sequer alegou que à data de outorga do contrato, dia 30 de Outubro de 2001, os pressupostos para que estivesse obrigada a requerer o título constitutivo da composição do empreendimento e a mencioná-los nos contratos que outorgasse estivessem preenchidos o que, aliás, nem o poderia ter feito, porque efectivamente, à data de 30 de Outubro de 2001, a recorrente não era titular de licença de utilização turística do empreendimento ou da respectiva licença de construção.
Por outro lado, o abuso do direito é manifesto considerando que, ao longo de quase cinco anos de execução do contrato-promessa, a recorrente sempre actuou como se o contrato fosse perfeitamente válido e como se fosse pelas suas regras que as partes iriam regular a relação contratual firmada, recebendo a recorrente sucessivas quantias a título de sinal, criando uma confiança e expectativa sólidas; nem sequer quando os recorridos iniciaram os contactos com a recorrente no sentido de a entrega da moradia se estar a atrasar foi mencionada a questão da eventual nulidade do contrato, questão que igualmente não foi apontada quando os recorridos, em 10 de Janeiro de 2006, enviaram à recorrente carta de resolução do contrato- -promessa. Só com a contestação a questão veio a ser suscitada, depois de os recorridos recorrerem ao Tribunal para ver satisfeitos os seus direitos, tudo isto evidenciando abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil).
A finalidade do aludido preceito - artigo 47.º/10 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho - é a de evitar que as partes outorguem contratos referentes a um empreendimento turístico cuja classificação como tal ainda não seja certa e, na eventualidade de ser recusada pela Direcção-Geral do Turismo, tornar impossível o cumprimento do contrato, situação completamente afastada actualmente.
Quanto ao incumprimento do contrato-promessa, é ele imputável exclusivamente ao promitente-vendedor que é responsável pelos actos das pessoas que utiliza para o cumprimento das...
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