Acórdão nº 08B3745 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Março de 2009

Data19 Março 2009
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA intentou, em 23.05.2005, no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, contra COMPANHIA DE SEGUROS A..., acção com processo ordinário, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe, como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de acidente de viação ocorrido em 28.02.2003, na EN n.º 13, a quantia global de € 558.980,23, acrescida de juros moratórios desde a citação até efectivo pagamento, ou - no caso de se entender deverem os danos patrimoniais futuros resultantes do que terá de despender com a empregada ou mulher-a-dias que a assistirá durante a sua vida, e que computa em € 211.330,80, ser ressarcidos através da atribuição de uma pensão anual e vitalícia - aquela quantia descontada do valor destes danos.

Alegou que o acidente, traduzido no embate entre o veículo ligeiro de mercadorias da autora, de matrícula 58-31-LI, por ela conduzido, e o veículo/ambulância de matrícula 04-35-TJ, pertencente à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Monção, e então seguro na ré, foi unicamente devido a actuação culposa do condutor da ambulância, e que dele resultaram para ela, demandante, danos patrimoniais e não patrimoniais no montante peticionado.

Oportunamente veio o CENTRO HOSPITALAR DO ALTO MINHO, S.A.

requerer a sua intervenção principal, apresentando articulado em que peticiona a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 14.668,10, devida pelos cuidados de saúde prestados à autora em consequência do acidente, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a notificação até integral pagamento.

A ré (sob a firma A... PORTUGAL, S.A.

) contestou, sustentando ter sido a autora a única culpada na eclosão do sinistro, e impugnando, por ignorar se são reais, os factos que corporizam os danos por esta alegados.

No seguimento da adequada tramitação processual veio a ter lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

A decretada absolvição do pedido assentou no seguimento segmento decisório: De acordo com a factualidade apurada resulta que o acidente em causa, contrariamente ao alegado pela autora, se ficou a dever a despiste do veículo conduzido pela autora e não a qualquer modo de conduzir imprudente por parte do segurado na ré.

Efectivamente, de acordo com a factualidade apurada, resulta ter sido a autora que, em virtude de ter entrado em despiste, veio a entrar na faixa contrária à sua (dela autora) obstruindo-a e provocando ela própria a colisão dos veículos.

Desconhece-se a razão do despiste; todavia é certo que não resulta demonstrada qualquer conduta menos própria por parte do segurado na ré. E, por outro lado, temos a culpa por parte da autora através da sua conduta no momento imediatamente antes ao sinistro que vai desencadear o embate.

Conclui-se, deste modo ainda, que a presunção de culpa por parte da companhia seguradora, face ao esclarecido em B) dos factos assentes, veio a ser elidida com a materialidade tal como configurada na matéria apurada. De facto, ficando provada a culpa da autora, desaparece a presunção de culpa por parte da seguradora.

A autora interpôs, da sentença, o pertinente recurso de apelação.

E a Relação de Guimarães, em acórdão oportunamente proferido, julgou a apelação parcialmente procedente, condenando a ré a pagar à autora/recorrente - a quantia total de € 252.844,89, acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre o montante de € 27.844,89, desde a citação e sobre o montante de € 225.000,00 desde a data da prolação do acórdão, e (em ambos os casos) até integral pagamento; - a quantia que se vier a liquidar relativamente ao valor do telemóvel Nokia e do relógio de pulso, objectos que se encontravam no interior do veículo da autora.

Condenou-a ainda a pagar ao Centro Hospitalar do Alto Minho, S.A. a quantia de € 14.668,10, acrescida de juros desde a notificação do pedido até integral pagamento.

Recorre agora a ré, de revista, para este Supremo Tribunal.

E são as seguintes as conclusões da sua alegação de recurso: 1ª - "Liberdade de julgamento" (v.g.

art. 655º CPC) ou a livre convicção do julgador na fixação da matéria de facto implicada na lide judicial, são conceitos avessos às instâncias de recurso; 2ª - O Tribunal da Relação não pode alicerçar numa "nova" convicção, ouvida a prova - sem a imediação nem a oralidade próprias a uma apreciação directa - ou num novo apriorismo intuitivo (mais lógico ou não), a diferença por si assumida no julgamento de facto; 3ª - O (novo) julgamento de facto pela Relação implica uma apreciação crítica severa (v.g.

por erro manifesto na análise crítica das provas ou na sua deficiente apreciação de direito) da livre convicção primordial do tribunal colectivo, porque (não) lhe é originária - cit. artigo; 4ª - A lei processual (v.g.

art. 712º CPC) não consente, pois, um segundo juízo de livre convicção do julgador quanto à fixação da matéria de facto que vai deferida aos tribunais de 1ª instância numa acção judicial; 5ª - A Relação, in casu, descarta a credibilidade das afirmações de uma testemunha presencial, o condutor da ambulância, argumentando contraditoriamente que esse condutor viu o carro da autora a atravessar-se à sua frente e, depois, acabou a manifestar dúvidas sobre o ponto de colisão dos veículos; 6ª - Com isso fundamenta bem mais debilmente do que o tribunal comarcão a sua (nova) convicção quanto ao julgamento que há-de fazer-se de facto, de entre todas as provas adquiridas no decorrer da acção; 7ª - Se a livre convicção do julgador da 1ª instância pode estar debaixo de alguma e natural subjectividade, na análise crítica das provas e sua apreciação do ponto de vista do direito, já no tribunal de recurso essa subjectividade tem de estar absolutamente ausente, por definição; 8ª - Não é, contudo, o que sucede no aresto ora proferido no tribunal a quo! BASTA TRANSCREVER ASSIM: «(...) já as partes com que os veículos embateram um no outro apontam para o embate na faixa (de rodagem) da ambulância [!], mas também é possível conceber [sic] um acidente em que a ambulância, fora da sua faixa de rodagem, embate na direita do veículo da autora [!]. Como assim aos quesitos 12º a 14º [que estavam "provados"] responde-se "não provado"»; 9ª - E lá se foi assim, sem mais, a tese tão convictamente propugnada pela julgadora da 1ª instância após o julgamento e sob as mais directas impressões trazidas pela oralidade e imediação testemunhal, confrontada com as demais provas (v.g,, croquis e outros dados objectivos do auto policial, bem como as fotos do local e dos veículos sinistrados levadas aos autos); 10ª - Não é possível um tribunal de recurso fundamentar assim uma alteração da matéria de facto que veio transformar, afinal, uma decisão absolutória numa decisão tão pesada quão tão surpreendentemente condenatória; 11ª - Surpresa até no campo teórico, pois que um veículo embatido na sua lateral direita, pouco antes de ir cruzar com outro que vinha em sentido contrário, numa recta, que o vai colidir, nessa recta e em plena via, com a sua dianteira em cheio, num país com circulação à continental (i.e.

, pela direita), das duas uma: - ou se despistou e/ou se atravessou na estrada, por algum motivo que não está à vista, oferecendo o flanco (como diriam os anglo-saxões) à ferida ou golpe trazidos pela dianteira do outro veículo; - ou este outro, flanqueador nato (como aqueles ...), faz antes uma manobra de rodeio da vítima, vendo-a tão directa a si, e vai mas é colhê-la de lado, sem se perceber bem como (de entre as várias hipóteses possíveis!); 12ª - Ora, o uso ilegal, como sucede, dos poderes de revisão ou alteração do julgamento de facto pela Relação, por ofensa directa ao disposto no já citado art. 655º do CPC, conjugado com os poderes contidos no art. 712º do mesmo Código, é passível da censura do STJ, merecendo ampla sindicância deste; 13ª - Acresce que foram sobrestimados alguns danos reclamados na acção pela pessoa lesada, com violação dos critérios jurisprudenciais mais comuns e correntes e, ainda, do disposto nos arts. 564º e seguintes do Cód. Civil, seja quanto ao dano patrimonial futuro com a diminuição de capacidade laboral e necessidade de assistência de uma terceira pessoa.

A autora, ora recorrida, apresentou contra-alegações, pugnando pela negação da revista, com a consequente manutenção do acórdão sob censura.

Corridos os vistos legais, cumpre agora conhecer.

  1. São os seguintes os factos provados (após as alterações introduzidas pela Relação, em consequência da decisão que proferiu sobre a impugnação da matéria de facto): 1) No dia 28 de Fevereiro de 2003, pelas 22 horas e 50 minutos, a autora tripulava o seu veículo automóvel, ligeiro de mercadorias, de marca Renault Clio e matrícula ...-...-LI pela Estrada Nacional n.º 13, no sentido Viana do Castelo-Vila Praia de Âncora quando, ao chegar junto do edifício denominado "Asilo de Velhos", precisamente a cerca de 20 metros de distância do Km 70, foi embatida pelo veículo/ambulância, de matrícula ...-...-TJ que, transportando uma doente, naquele momento transitava em serviço particular; 2) Este veiculo/ambulância seguia no sentido Valença-Viana do Castelo, era pertencente à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Monção, e era conduzido, na ocasião do evento, por BB, casado, funcionário público, residente em Padrões, Cortes, concelho de Monção; 3) A condução do ...-...-TJ ocorria, na ocasião do acidente, por conta, direcção e risco da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Monção; 4) A responsabilidade civil da circulação do veículo 04-35-TJ encontrava-se, à data do acidente, transferida para a "Companhia de Seguros A...", com sede à Rua Andrade Corvo, n.º 32, em Lisboa, mediante a apólice n.º .../1007795; 5) Na ocasião do acidente, a autora tinha transferida para a "Companhia de Seguros Mundial Confiança", com sede ao Largo do Chiado, n.º 8, da cidade de Lisboa, mediante...

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