Acórdão nº 09A141 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Helena [...] intentou, no dia 6.12.1995, no Tribunal Cível de Lisboa (13º Juízo) a acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Maria Adelaide [...] 2.

Alegou, em suma, que entre ambas foi realizado, em 18 de Outubro de 1988, um contrato-promessa de compra e venda pelo qual esta (ré) declarou prometer vender àquela, que declarou prometer comprar-lhe, pelo preço de 8.000.000$00, o prédio urbano sito na Rua [...] em Lisboa; a título de sinal e princípio de pagamento a autora entregou à ré a quantia de 1.000.000$00; naquele contrato a ré assumiu como encargo seu a responsabilidade pela execução das obras de que o prédio necessitava, as quais, à data da realização do contrato-promessa ascendiam a 2.900.000$00.

  1. Em determinada altura a ré, através da sua advogada, informou a autora, através do seu advogado, que a clarabóia do prédio ruíra, estando o seu arranjo em fase de conclusão, estando para breve o início das obras de restauro do prédio cuja realização havia sido exigida pela Câmara Municipal de Lisboa para o que dispunha de dois orçamentos, sendo o mais baixo no valor de 2.400.000$00.

  2. Após a realização do contrato-promessa, a autora entrou em poder do imóvel acima identificado, não tendo a escritura definitiva de compra e venda sido realizada por causa imputável à ré; a autora tem vindo a ser notificada pela Câmara Municipal de Lisboa para realizar obras no prédio acima identificado, nas quais já despendeu alguns milhões de escudos.

  3. Por outro lado, a ré, antes da realização do contrato-promessa informou a autora que o rendimento mensal do prédio era de 105.000$00, quando na realidade tal rendimento mensal era de 68.465$00.

  4. A autora terminou pedindo que a acção fosse julgada procedente, devendo consequentemente:

    1. Reduzir-se o negócio tendo em conta o valor do orçamento mais baixo, de 2.400 contos enunciado pela R e pela Dr.ª Isabel [...], para a execução das obras no imóvel dos autos, e o valor do rendimento mensal do bem de 105.000$00 para 68 465$00.

    2. Condenar-se especificamente a ré a transmitir o bem pelo valor que viesse a ser determinado, nele se deduzindo o sinal.

    3. Declarar-se a A. investida no direito real desse imóvel contra o pagamento dessa verba.

    4. Declarar-se nulo qualquer outro eventual contrato que haja sido celebrado com o mesmo ou outro objecto imediato ou mediato e que afecte ou possa vir a afectar o investimento da A no direito real requerido.

    5. Expurgar-se o bem de qualquer ónus ou encargos que eventualmente a ré houvesse sobre ele feito recair, declarando-se a A. com direito de regresso sobre as verbas que para tal haja de dispensar, sem prejuízo das sanções respectivas".

  5. A ré contestou invocando a excepção de caso julgado, com a sua consequente absolvição do pedido ou, caso assim se não entenda, pediu que a acção fosse julgada improcedente, por não provada, igualmente com a sua absolvição do pedido.

    Para além de contestar, a ré deduziu pedido reconvencional Invocou, em síntese, que o negócio consistente no contrato-promessa invocado na petição inicial é contrário à lei e aos bons costumes e usurário.

    Mais alegou que, em 08.05.1996, a ré enviou à autora uma carta registada com aviso de recepção, pela qual declarava resolvido o contrato-promessa por incumprimento da autora (que não lhe pagou nos trinta dias a que se obrigara, o resto do preço ajustado) e consequente perda de interesse da sua parte na celebração do contrato prometido.

    Terminou pedindo que a reconvenção seja julgada procedente e provada, declarando-se a nulidade do contrato-promessa em causa ou, a não ser assim entendido, que o mesmo seja declarado inválido face à arguida anulabilidade ou ainda validamente resolvido, nos termos expostos no mesmo contrato, com todas as consequências legais e, em qualquer dos casos, condenando-se a A. reconvinda a restituir à Ré reconvinte o valor de todas as rendas recebidas cujo montante se apuraria em execução e ao qual deveria ser deduzido o montante de um milhão de escudos que lhe fora pago a título de sinal.

  6. Na réplica, a autora respondeu à matéria da excepção de caso julgado e contestou a reconvenção, pondo a tónica na existência de mora por parte da ré pelo facto de nunca ter fornecido à autora os documentos necessários à marcação da escritura, designadamente o seu BI e a licença de utilização do prédio, acrescentando no art. 69º desse articulado que: "por outro lado, a prestação ainda é exequível e redutível, o que se requer:" 9.

    Terminou a A. pedindo que a excepção, a impugnação e a reconvenção fossem julgadas improcedentes, devendo a reconvenção ser julgada nula e condenar-se a ré, como litigante de má fé, em multa e em justa indemnização a favor da A. não inferior a 1.000.000$00 10.

    A ré Maria Adelaide [...] faleceu na pendência da acção - em 11.03.1997 - tendo, por sentença de fls. 24 do incidente de habilitação de herdeiros (apenso A), datada de 14 de Maio de 1998, sido declarados habilitados a suceder na posição processual daquela os seus filhos Maria [...], Filipe [...] e Júlia [...].

  7. Foi julgada por decisão de 9-1-2001 procedente a excepção de caso julgado tendo sido os RR absolvidos do pedido (a presente acção foi proposta antes da revisão de 1995/1996 que passou a considerar excepção dilatória o caso julgado).

  8. Inconformados com aquela decisão, na parte em que não conheceu do pedido reconvencional, dela vieram os réus interpor recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 8 de Novembro de 2001, ordenou que os autos prosseguissem termos na 1ª instância para apreciação do pedido reconvencional (fls. 246 a 248).

  9. Após julgamento, foi proferida sentença a julgar procedente a reconvenção deduzida pela ré Maria Adelaide [...] (cuja posição processual, após o seu óbito, passou a ser ocupada pelos seus filhos, ora réus, Maria Francisca [...], Filipe [...] e Júlia [...]) contra Helena [...], em consequência do que: - Foi declarado nulo e de nenhum efeito o contrato-promessa de compra e venda celebrado em 18 de Outubro de 1988, entre Maria Adelaide [...], como promitente vendedora, e Helena [...], como promitente compradora, tendo por objecto o prédio urbano sito na Rua [...] em Lisboa, descrito na [...] Conservatória do Registo Predial de Lisboa - Foram os réus condenados a restituírem à autora a quantia em euros equivalente a 1.000.000$00 (um milhão de escudos), que Maria Adelaide [...] recebeu da autora a título de sinal e princípio de pagamento no âmbito do contrato-promessa em causa; - Foi a autora condenada a restituir aos réus o montante equivalente a todas as rendas que recebeu do prédio identificado em 5.1, após a assinatura do contrato-promessa igualmente ali referido.

  10. O Tribunal da Relação (acórdão de fls. 847/865), apreciando a apelação interposta pela A., julgou-a parcialmente procedente, alterando a sentença recorrida, condenando as partes a restituírem, operada a respectiva compensação na parte em que a mesma é possível, tudo o que tiverem recebido por virtude do contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano sito na Rua [...] em Lisboa.

  11. Desta decisão foi interposto recurso principal pela A. e recurso subordinado pelos RR habilitados.

  12. A A., nas conclusões da sua minuta, salientou que o acórdão recorrido extraiu consequências do abuso do direito decretado pela decisão proferida no 15.º Juízo Cível cuja decisão constitui caso julgado reconhecido obstativo da procedência do pedido da A; salientou que esse não foi o caminho prosseguido na sentença que considerou o contrato-promessa nulo por contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes e, por isso, ocorre uma contradição entre as decisões, a de 1ª instância que julga o contrato nulo, a da Relação que o reconhece válido.

    Defende a recorrente que a nulidade não podia ter sido deduzida por via reconvencional.

    Conclui que o abuso do direito não se destina a fazer extinguir direitos mas apenas a moldá-los em termos julgados mais justos, de modo a que os seus titulares não sejam deles despojados e possam exercitá-los.

    Sustenta ainda a recorrente que só pela via do recurso, e no então 15.º Juízo, é que os RR deviam ter pugnado, se a tanto tivessem direito, pelo reconhecimento da invocada nulidade e daí a extemporaneidade da sua posterior pretendida arguição, e razão pela qual devia desde logo ter sido rejeitada a sua apreciação por estarmos perante caso julgado.

  13. Considera a recorrente violados no sentido em que foram interpretados e aplicados os dispositivos contidos nos artigos 280.º/2 e 334.º do Código Civil bem como o artigo 496.º do C.P.C., actuais 493.º/3 e 496.º do C.P.C. e ainda o artigo 522.º/1 do C.P.C.; refere que o acórdão recorrido está em contradição com outros acórdãos transitados e, em caso de eventual negação de revista, também o artigo 289.º/1 do Código Civil no que diz respeito às despesas tidas pela A. com obras, administrativas e judiciais.

  14. Interpuseram os RR recurso subordinado considerando que o acórdão da Relação, tendo por prejudicadas as questões suscitadas no âmbito dos presentes autos, frustrou o interesse da reconvinte em ver declarada a manifesta nulidade do contrato-promessa de compra e venda; a ser assim, como decidiu a Relação, não deveriam então os autos ter prosseguido para conhecimento e julgamento do pedido reconvencional.

  15. Defendem os RR na minuta de recurso subordinado que na presente acção discutiu-se a nulidade do contrato-promessa que foi reconhecida pela decisão de 1ª instância por se considerar verificada a previsão constante do artigo 280.º/2 do Código Civil segundo a qual é nulo o negócio contrário à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes; ao invés, o Tribunal da Relação aplica o artigo 334.º do Código Civil, normativo que pressupõe a existência do direito que se pretende exercer; estamos, portanto, face a leis substantivas de diverso conteúdo e alcance e, por conseguinte, incorreu o acórdão recorrido na nulidade contemplada na alínea d) do...

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