Acórdão nº 08S1036 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2008

Data10 Dezembro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - A autora AA, intentou acção de impugnação de despedimento, com processo comum, contra a ré Centro de Educação Especial BB, CRL, pedindo que se declare nulo o despedimento e se condene a R. a reintegrá-la e a pagar-lhe as remunerações em atraso no valor de € 6.908,34 e as que se vencerem até à data da efectiva reintegração, bem como juros após a citação.

Alegou, em síntese, que manteve com o R. contrato de trabalho, tendo sido despedida, na sequência de processo disciplinar, sem verificação de justa causa.

A R. contestou, alegando, em resumo, que foi transmitido à A. que deveria aprontar uma candidatura ao Programa Constelação, de forma a que a mesma pudesse ser analisada pela Direcção, em 6.11.01, mas a A., nesse dia, ainda não tinha a candidatura pronta, tendo a Ré conseguido apresentar a candidatura ainda incompleta ao Programa Constelação dentro do prazo (9.11.01).

Com essa conduta, a A. fez a R. correr um grande risco de não vir a receber os respectivos subsídios, tudo como melhor consta dos factos descritos na nota de culpa constante do processo disciplinar que lhe foi instaurado, existindo justa causa para o seu despedimento.

Concluiu pela sua absolvição do pedido.

Saneada, instruída e discutida a causa, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: a)declarou a ilicitude do despedimento, b) condenou a R. a reintegrar a A. no seu posto, funções e com a remuneração correspondente e c) condenou a R. a pagar à A. a quantia que se liquidar em execução de sentença relativa a retribuições deixadas de auferir e juros nos termos sobreditos .

E absolveu a R. do mais que vinha pedido.

Dela apelou a R., tendo a Relação de Lisboa confirmado a sentença.

II - Novamente inconformado, o R. interpôs a presente revista, em que apresentou as seguintes conclusões: 1ª. O acórdão recorrido é objecto de contestação na interpretação feita dos artigos 9.º e 12.° do DL n.º 64-A/89, quanto ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes e ao quadro de gestão da empresa, factores determinantes da justa causa do despedimento 2ª. Verifica-se na decisão recorrida um erro de interpretação na apreciação da actuação negligente e não zelosa da Recorrida, quanto a poder ser considerada suficientemente grave para justificar o despedimento nos termos do disposto nos artigos 9.º e 12.º da LCCT, com base na violação dos deveres consagrados no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 49408, de 24/11/69 (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho).

  1. Com efeito, a Recorrida não realizou a tarefa de que foi incumbida no prazo estipulado para que a candidatura fosse entregue no IEFP, colocando, assim, em risco a possibilidade de obtenção por parte da Recorrente da terça parte essencial do seu orçamento.

  2. Este comportamento da Recorrida consubstanciou a violação dos deveres secundários ou acessórios de execução do trabalho com zelo e diligência, consagrados nas alíneas b) e c) do artigo 20.° do Decreto-Lei n.º 49408, de 24/11/69 (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho), os quais impõem ao trabalhador a obrigação de executar o seu trabalho de acordo com a finalidade a que a actividade se destina face ao interesse do empregador, cujo respeito se mostra essencial à manutenção da relação de trabalho.

  3. A falta de cumprimento dos deveres previstos no artigo 20.° do diploma acima referido constitui justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 9.° do DL n.º 64-A/89 de 27/02/89 que exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: a. um comportamento ilícito e b. culposo do trabalhador, censurável em termos de culpa, não carecendo atingir o grau de dolo; c. com consequências gravosas na relação de trabalho; e d. naturalmente deverá existir um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral.

  4. O preenchimento dos conceitos indeterminados é feito de acordo com as circunstâncias do caso concreto, analisando o comportamento do trabalhador por referência à de um trabalhador normal colocado na sua posição, segundo o critério geral do "bonus pater familias" (artigo 487.° do Código Civil).

  5. Se bem que a existência de um comportamento ilícito e culposo não é suficiente para preencher o conceito legal de justa causa, a questão presentemente em apreço adquire essencialidade face ao nível de responsabilidade da Recorrida e ao seu posicionamento na estrutura hierárquica da Recorrente, uma vez que, sendo coordenadora da unidade de formação profissional, se situava imediatamente a seguir à Direcção.

  6. A Recorrida era responsável pela elaboração da componente técnico pedagógica da candidatura ao Programa de Constelação, mas, conhecendo sobejamente a importância de tal trabalho, descurou a sua entrega atempada, e, mesmo verificando que iria chegar ao último dia do prazo sem ter a documentação que sabia ser indispensável, não solicitou à Direcção da Recorrente qualquer reforço da equipa ou a atribuição da tarefa a outro funcionário.

  7. Na verdade, a realização do trabalho só foi possível devido à intervenção da Recorrente, ao fazer as correcções indispensáveis no trabalho da Recorrida, e à benevolência do IEFP, ao aceitar a candidatura depois das 14h30 no último dia do prazo.

  8. A Recorrida colocou, conscientemente, em risco 1/3 do orçamento da Recorrente, orçamento esse que serve para pagar os salários dos seus trabalhadores e desenvolver a actividade do centro de formação e reabilitação profissional, arriscando, inclusivamente, a própria insolvência da Recorrente.

  9. Devido ao nível de responsabilidade inerente ao posicionamento da Recorrida na estrutura hierárquica da Recorrente, o comportamento apurado assume enorme gravidade, uma vez que poderia ter inviabilizado por completo a candidatura e a obtenção de um financiamento que constitui parte substancial do orçamento da Recorrente.

  10. Estando, por isso, em causa não as efectivas consequências, mas o risco que advém da conduta da Recorrida.

  11. Se bem que o comportamento da Recorrida se traduziu num mero atraso, que não chegou a inviabilizar a entrega atempada da candidatura no IEFP, todavia, "o facto de o trabalhador ter dado causa a um lapso, de que poderia decorrer prejuízos (avultados) para a entidade patronal, não cumprindo com o dever de zelo e dílígência a que estava obrigado, seguido da recusa do mesmo, na presença de outros trabalhadores, em desfazer o que de mal tinha feito, constitui justa causa de despedimento" (ACSTJ de 24/01/1999 in www.dgsi.pt).

  12. Ficou provada a censurabilidade do comportamento da Recorrida, face ao desinteresse total que manifestou pelo cumprimento das suas obrigações e pela execução daquela tarefa em concreto, que se revestia de uma importância vital para a Recorrente.

  13. Ainda assim, o acórdão recorrido julgou diminutas a culpa e a ilicitude do comportamento da Recorrida.

  14. Contudo, em sentido diverso da decisão recorrida, entendeu anteriormente o STJ: "Ainda que da conduta do Autor não tenha resultado qualquer prejuízo patrimonial, tem de considerar-se, que, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, aquele mínimo de confiança, atenta a posição do Autor na organização empresarial, ficou intensamente afectado" (ACSTJ de 03/05/2006 in www.dgsi.pt).

  15. De forma semelhante, a decisão ora recorrida considerou que tal comportamento não teve consequências gravosas para o Réu, de onde resulta que não assume gravidade suficientemente forte para inviabilizar de imediato a relação laboral. Não é este, no entanto, o entendimento da Recorrente.

  16. Com efeito, o comportamento ilícito da Recorrida foi culposo e teve consequências gravosas na relação de trabalho, implicando a perda de confiança mínima indispensável à prossecução da relação laboral, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

  17. Precisamente, o que determinou a decisão de despedimento foi o risco desnecessário e grave que a Recorrente correu de vir a perder 1/3 do seu orçamento, em virtude do comportamento culposo, ilícito e desinteressado da Recorrida e que levaria ao seu encerramento.

  18. Na verdade, as consequências só não foram mais graves porque, graças à intervenção da Direcção da Recorrente, se conseguiu impedir a produção dos danos.

  19. Ou seja, o nexo causal entre a actuação da Recorrida e os prejuízos que daí poderiam advir foi quebrado por intervenção da direcção da Recorrente que fez ela própria o trabalho, e pela acção do IEFP. Razão pela qual não se produziram quaisquer prejuízos para a Recorrente.

  20. Em bom rigor, caso tal intervenção não tivesse sido levada a cabo pela Recorrente, inevitavelmente, pela conduta da Recorrida não teria sido possível entregar a candidatura em tempo e a Recorrente não teria obtido o financiamento.

  21. Não obstante a inexistência de consequências gravosas, a confiança mínima essencial na manutenção de qualquer contrato de trabalho quebrou-se.

  22. Assim, perante a gravidade da violação, culposa, de deveres essenciais, a que o Autor se encontrava vinculado, o prognóstico sobre a viabilidade da subsistência da relação laboral, num clima de boa fé e leal cooperação, é fortemente negativo, pois a atitude daquele, [ ... ] por si só, abalou, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da sua conduta." (ACSTJ de 03/05/2006 in www.dgsi.pt).

  23. E, em sentido divergente do acórdão recorrido, entende a Recorrente que, nestas circunstâncias, a sanção do despedimento era a única sanção adequada e proporcionada à gravidade da infracção e à culpa do infractor.

  24. ...

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