Acórdão nº 08S2471 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução26 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1. AA intentou, em 3 de Abril de 2003, pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e contra BB, acção de processo comum, pedindo que fosse declarada improcedente a justa causa de despedimento de que ele, autor, foi alvo, e que a ré fosse condenada a proceder à sua reintegração, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria ou, em alternativa, pagar-lhe a indemnização por despedimento no montante de € 9.696,66, todas as remunerações desde o despedimento até à sua reintegração ou até à decisão final, € 62.401,04, a título de trabalho suplementar prestado e não pago, e € 19.540,16, a título de indemnização por não ter beneficiado de descansos compensatórios, e juros.

Alegou, em síntese, que: - - foi admitido pela ré em 1 de Dezembro de 1998, a fim de, sob as suas ordens e instruções, exercer a actividade de técnico de construção civil, tendo-lhe sido instaurado processo disciplinar em Novembro de 2002, no qual lhe foram imputados actos e intenções criminosas não correspondentes à verdade, vindo tal processo a culminar com a decisão de despedimento; - nesse processo disciplinar o autor foi suspenso preventivamente sem que lhe fosse efectuada a comunicação a que se refere o nº 1 do artº 10º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro; - aquando da admissão, ficou estipulado que o horário de trabalho do autor era de quarenta horas semanais, vindo ele, após o período experimental, a beneficiar de isenção de horário, embora entrando diariamente às 8 horas e nunca saindo antes das 17 horas, tendo, na sequência de ordens da ré, prestado um número de horas semanais muito superior às quarenta horas, e prestado trabalho em dias de descanso, nunca lhe tendo sido pagas essas horas e, bem assim, o equivalente ao descanso compensatório remunerado (165 horas em 1998, sendo 30 prestadas em dias de descanso semanal, 1.146 horas em 1999, sendo 292 prestadas em dias de descanso semanal, 1.287 horas em 2000, sendo 367 prestadas em dias de descanso semanal, 628 horas em 2001, sendo 116 prestadas em dias de descanso semanal, 421 horas em 2002, sendo 113 prestadas em dias de descanso semanal); - em consequência do despedimento que sofreu, o autor ficou com graves problemas de saúde, sofrendo de insónias, desequilíbrios, entrando em profunda depressão, tendo tido necessidade de recorrer a apoio médico e a medicamentos, não se encontrando em condições físicas e psicológicas para voltar trabalhar, o que motivou que se visse forçado a vender a viatura automóvel que possuía e que o seu filho tivesse, por dificuldades económicas advenientes da circunstância de o autor se encontrar em tal estado, deixado de estudar.

Contestou a ré, que sustentou ter ocorrido justa causa de despedimento e que não era devida remuneração pelo trabalho suplementar invocado pelo autor, já que não só ele desfrutava de isenção de horário, como os dias de descanso semanal, quer obrigatórios, quer complementares, nem sempre podiam coincidir com os fins de semana ou serem estabelecidos em dias fixos, tendo-lhe sido dadas as «folgas» correspondentes àqueles dias de descanso e paga uma gratificação anual (igual, em 1999, à retribuição de dois meses e meio, igual, em 2000, à retribuição de um mês e meio, e igual, em 2002, à retribuição de dois meses).

A dado passo, veio o autor ampliar o pedido, solicitando a condenação da ré a pagar-lhe as despesas médicas efectuadas desde o seu despedimento até à data em que formulou a ampliação do pedido, despesas essas que ascendiam a € 1.495, a pagar à Segurança Social os descontos devidos desde a data do despedimento até aos 65 anos de idade do autor, no quantitativo de € 59.109,80, e a quantia de € 40.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

A esta pretensão opôs-se a ré, aduzindo que a requerida ampliação não poderia ser admitida, pois que ela não constituía um desenvolvimento ou consequência do pedido inicial, estando prescritos os créditos reclamados a esse título.

Por despacho lavrado em 19 de Outubro de 2004, foi indeferida a ampliação do pedido, o que motivou o autor a, do assim decidido, agravar para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 13 de Julho de 2005, a ser proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré dos pedidos contra ela deduzidos.

Inconformado, apelou o autor, tendo igualmente arguido nulidades da sentença e impugnado a matéria de facto.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Novembro de 2006, decidiu: - - negar provimento ao recurso de agravo; - não tomar conhecimento, por extemporaneidade, das arguidas nulidades da sentença; - alterar a decisão da matéria de facto, acrescentando à que foi assente pela primeira instância dois items, e dando como não provado um item; - julgar a apelação parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento do autor, por inexistência de justa causa, e condenando a ré a pagar-lhe a quantia global de € 125.472,99, correspondendo € 12.928,88, a título de indemnização por antiguidade, € 112.544,11, a título de retribuições vencidas desde 3 de Março de 2003 até à data do acórdão, incluindo férias e subsídios de férias e de Natal - sendo que, nesta última quantia, deveriam ser deduzidas as importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pelo autor em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento - e juros, devidos na forma que no aresto foi discriminada.

  1. Inconformada, pediu a ré revista, solicitando, no requerimento de interposição de recurso, que: - - fosse suprida uma nulidade do acórdão revidendo, consistente em se ter ele pronunciado no sentido de que não ficou provada a matéria pela qual foi despedido o autor ou, assim se não entendendo, que os autos fossem enviados à 1ª instância, a fim de ser efectuada pronúncia sobre a falsidade da acta da sessão de julgamento ocorrida em 1 de Março de 2005 (na qual foi respondida à matéria de facto constante dos articulados), ou que o Tribunal de 2ª instância procedesse à audição dos depoimentos gravados quanto a tal matéria; - fosse anulado o acórdão por omissão de pronúncia.

    Reza assim o referido requerimento: - "(...) Antes, porém, e nos termos do disposto no artº 77º, nº 1 do CPT, vem arguir a nulidade do mesmo, na parte em que julgou a apelação procedente e nos termos do disposto no artº 668º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável por força do disposto no artº 716º, nº 1 do mesmo Código.

    Com efeito, 1- Diz-se a fls. 448: ‘Foi perante os factos apurados no processo disciplinar e descritos sob o nº 24, que o Senhor Juiz a quo apurou a existência da justa causa ...

    ' 2- Toda a gente sabe que a prova constante do Processo Disciplinar não tem relevância em Tribunal: Em Tribunal, é à entidade patronal que cabe fazer prova dos factos pelos quais procedeu ao despedimento do trabalhador - cfr. último segmento do nº 4 do artº 12º da LCCT (regime jurídico aprovado pelo Dec.Lei 64-A/89 de 27.02) - que é o aplicável aos presentes autos, uma vez que o despedimento ocorreu em 03.04.2003.

    3- E a Ré, em audiência de julgamento, fez prova cabal de que os factos que foram levados às diferentes alíneas do nº 24 da matéria de facto ocorreram realmente.

    Para provar que no processo disciplinar foram dados como provados os factos que constam da ‘Decisão' do mesmo PD, a Ré não necessitava de arrolar testemunhas: bastava juntar aos autos, como o fez, o Processo Disciplinar. Deste, como aliás se pode verificar da providência cautelar apensa, já consta que a Ré procedeu ao despedimento do Autor pelos factos que na Decisão refere.

    Mas, em sede de audiência de discussão e julgamento, a Ré provou com as testemunhas que arrolou, - o que, até, foi confirmado pelas testemunhas arroladas pelo Autor - que, na realidade, os factos ocorreram como vêm descritos no Processo Disciplinar e mais concretamente na Decisão em que aquele culminou, foram na realidade praticados pelo Autor.

    4- Aliás, o Autor, nas suas alegações, não diz que não ficaram provados os factos alegados pelo Ré para o despedimento. O que diz é que ele, Autor, nunca teve intenção de se apropriar das caixas de garrafas de vinho em causa.

    É certo que a sentença, numa tirada infeliz, porque equívoca, diz, repetindo ‘ipsis verbis' o despacho de fls. 320 a 322: ‘24- No processo disciplinar instaurado ao autor, foram dados como provados os seguintes factos', e depois, refere os factos que a Ré deu como provados no P.D. e que, repita-se, ficaram provados em audiência de julgamento.

    5- Trata-se de uma formulação, admite-se, infeliz. Mas a verdade é que a Ré provou em julgamento - não apenas no P.D., mas na audiência de julgamento - todos os factos que constam daquele nº 24. Basta ouvir os depoimentos das testemunhas: 5.1- CC - cassete 5 - lado A do registo nº 950 à volta nº 2368 - cfr. fls. 300 e cassete 8 - lado A, registo 191 até ao fim e cassete 9 - lado A, até ao registo 220 - cfr. fls. 304.

    5.2- DD - cassete 7 e cassete 8, lado A, até ao registo 190.

    E até o da testemunha do Autor: 5.3- EE - cassete 5, lado A registo 2368 e cassete 5 - Lado A e Lado B até o registo 2712 - cfr. 301 6- Aliás, como se pode constatar a fls. 304, as testemunhas da Ré e, nomeadamente, a testemunha FF, pronunciaram-se longa e convincentemente sobre toda a matéria que levou ao despedimento do Autor.

    Como se vê, o próprio Autor requereu que as declarações prestadas no P.D. pela testemunha FF fossem juntas aos autos. Donde que o próprio Autor aceita que a testemunha em causa estava a depor sobre factos que lhe...

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