Acórdão nº 02174/08 de Tribunal Central Administrativo Sul, 17 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelJOSÉ CORREIA
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2009
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SECÇÃO DESTE TRIBUNAL: 1. -Inconformada com a sentença proferida pelo Sr. Juiz do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa que julgou improcedente a presente impugnação deduzida por U.........- C....................., Ldª., contra a liquidação de taxa municipal pela emissão de licença de construção no montante de 10.541.440$00, operada pela C................, veio aquela recorrer concluindo as suas alegações como segue: 1a Nos n° s 4 a 7 das Alegações de 27.03.2006 apresentadas no Tribunal a quo, a Recorrente defendeu que a situação subjudice não se integrava na previsão normativa deste art. 19°, n° 4, da Tabela (relembre-se, para o efeito, a nota 1 das Alegações remetidas em 26.10.2007).

O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre esta questão, pelo que padece de nulidade por omissão de pronúncia (art. 668°, n° 1, d., do CPC).

2a No cálculo das taxas que vem impugnado, os serviços da CML aplicaram as taxas previstas nos arts. 16° (taxa geral) e 17°, n° 5, b) (taxas especiais) da Tabela, que regulam as taxas aplicáveis aos processos de licenciamento de construções (cfr. Doc. n° 1 junto à Petição Inicial - cálculo da liquidação da taxa de licença de construção). Para além destes preceitos e taxas, foi ainda aplicado o art. 19°, n° 4, da mesma Tabela, onde se prescreve que "Quando a obra tenha sido ou esteja sendo executada sem licença ou autorização, ou com a licença caducada, as taxas a aplicar às licenças a conceder serão iguais, ao quíntuplo das taxas determinação do cálculo da taxa devida pela emissão da licença de construção ocorreu um manifesto lapso, uma vez que não se verifica in casu a previsão normativa do art. 19°, n° 4, da Tabela.

De facto, apesar de a Impugnante ter iniciado a construção do edifício industrial sem que a respectiva licença de construção tenha sido emitida (embora os respectivos projectos de arquitectura e especialidades já tivessem sido aprovados) e de o referido art. 19°, n° 4, da Tabela determinar um agravamento das taxas devidas pela emissão da licença de construção nos casos em que a construção é iniciada sem a respectiva licença, este agravamento previsto no art. 19°, n° 4, da Tabela nunca poderia ser aplicado no caso sub judice, pois esta disposição normativa destina-se a agravar as taxas "previstas e aplicáveis por força dos artigos 18° ou 19o".

Ora, claramente, não é o caso dos autos, pois as taxas devidas e aplicadas pela emissão da licença que nos ocupa são, como se referiu, as previstas nos arts. 16° (taxa geral) e 17°, n° 5, b) (taxas especiais) da Tabela.

Assim, a violação do art. 19°, n° 4, da Tabela por ter sido aplicado sem que se verifique a respectiva previsão normativa.

3a Nos n°. s 7 a 11 das suas Alegações de 27.03.2006, a Recorrente defendeu que o agravamento previsto no art. 19°, n° 4, da Tabela envolve uma contra-ordenação/coima ilegais.

Sentença recorrida, sem qualquer fundamento, entendeu que este agravamento não é uma coima (assim 3° parágrafo da pág. 7 e último parágrafo da pág. 8). Assim, porque a Sentença recorrida não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificaram essa decisão (uma das principais questões que se discutia no processo), trata-se de uma Sentença nula (art. 668°, n°1 b., do CPC).

4ª Ao contrário do que se entendeu na Sentença recorrida, o agravamento do referido art. 19°, n° 4, da Tabela não corresponde a uma taxa ("prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares", art. 4°, n° 2, da Lei Geral Tributária - "prestação pecuniária, de carácter não sancionatório") mas sim a uma verdadeira e ilegal contra -ordenação/coima (sanção pecuniária que se aplica a um facto ilícito, contra-ordenação, resultante da inobservância de certas proibições ou imposições legais). O agravamento imposto à Recorrente é, precisamente, uma pena pecuniária aplicada pelo facto de aquela ter iniciado a construção antes de emitida a licença (acto ilícito) - cfr. art. 1° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro.

Na verdade, o facto que originou o agravamento da taxa estipulado pelo art. 19°, n° 4, da Tabela (o início da construção do edifício industrial pela Impugnante sem a respectiva licença de construção) corresponde à contra-ordenação prevista no art. 54°, n° 1, a), do Decreto-Lei n° 445/91, de 20 de Novembro (Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares então em vigor - RJLMOP) que envolve uma específica coima: a que vem estabelecida no art. 54°, n° 2, desse mesmo diploma.

Ora, a Assembleia Municipal de ..... não tinha competência nem habilitação legal para estabelecer ou alterar as coimas legalmente estabelecidas para uma determinada contra-ordenação prevista na lei, de onde se retira uma efectiva inconstitucionalidade orgânica (reserva de lei) que a Sentença sancionou.

Por outro lado, o art. 68° do RJLMOP e o art. 19°, b), da LFL habilitam os municípios a adoptar, por regulamento administrativo municipal, taxas resultantes da emissão de alvarás de licenças de construção e de utilização, e da concessão de licenças para a execução de obras de construção. A habilitação legal existente é definida nestes termos e com este âmbito, sendo este o pressuposto da actuação regulamentar municipal autorizada. Daqui resulta que a definição regulamentar de taxas que ultrapassem este âmbito, e por conseguinte ultrapassem o seu pressuposto habilitante, devem ter-se como ilegais por violação do princípio da legalidade da actividade administrativa.

Assim, ao qualificar este agravamento aplicado à Recorrente como uma taxa e não como uma contra-ordenação, para além dos arts. 1° e 2° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, a Sentença recorrida violou, entre outros, os referidos arts. 54°, 55° e 68° do RJLMOP e o art. 19°, b), da LFL, bem como todo o regime procedimental inerente a aplicação de uma coima (arts. 33° e ss. do referido Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro).

5a Por outro lado, o entendimento da Sentença recorrida sempre envolveria um duplo sancionamento do mesmo facto, pois o início da obra antes da emissão da respectiva licença de construção (embora os respectivos projectos de arquitectura e especialidades já tivessem sido aprovados) já deu origem a um processo de contra-ordenação (participação n° 0220- A/DADM/FM de 18.04.2001 - Doc. 6 junto à petição inicial) onde este ilícito irá ser apreciado e, eventualmente, a Recorrente sancionada com a coima legalmente prevista. Assim, um duplo sancionamento de um mesmo facto, o que também viola princípios elementares da nossa ordem jurídica, designadamente os princípios da legalidade, da justiça, da proporcionalidade, non bis In idem e o da proibição de dupla tributação (arts. 29°, n° 5, e 266° da Constituição e art.

32° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro).

6a Nos termos do art. 68°, n° 1, do RJLMOP "A emissão de alvarás de licença de construção e de utilização está sujeita ao pagamento das taxas a que se refere a alínea b) do art. 11° da Lei n° 1/87, de 6 de Janeiro (LFL), não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações".

Este art. 11°, b), veio a corresponder, entretanto, ao art, 19°, b), da LFL aprovada pela Lei n° 42/98, de 6 de Agosto, onde não se prevêem quaisquer taxas devidas por infra-estruturas. De facto, apenas o art. 19°, a), da LFL entretanto aprovada permite a cobrança pelos municípios de taxas devidas pela realização de infra-estruturas urbanísticas. No entanto, o RJLMOP, ao estipular expressamente as taxas devidas pela emissão de licenças de construção, não faz qualquer referência à realização de infra-estruturas urbanísticas, nem a quaisquer taxas devidas nesse âmbito. Efectivamente, as taxas de infra-estruturas urbanísticas são devidas no âmbito de procedimentos de operações de loteamento (cfr. art. 32°, n° 1, do Decreto-Lei 448/91, de 29 de Novembro - diploma que aprova o Regime Jurídico do Licenciamento de Operações de Loteamento e das Obras de Urbanização - que remete para a referida alínea a. do art. 11°/19° da LFL). Nestes termos, a liquidação e cobrança de taxas nos termos do art. 33° da Tabela carece de qualquer fundamento legal, uma vez que as referidas taxas de infra-estruturas urbanísticas não podem ser cobradas no âmbito de procedimentos de licenciamento de obras particulares, como é o caso, por falta de previsão normativa para esse efeito. Do mesmo modo, a Tabela não pode criar taxas não previstas por lei, uma vez que, dessa forma, excede o previsto na respectiva lei habilitante - não existe qualquer normativo que possibilite tal tributação como condição do licenciamento em causa. De facto, nos termos do art. 8°, n° 1, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei n° 398/98, de 17 de Dezembro (LGT), as taxas estão sujeitas ao princípio da legalidade tributária, pelo que a liquidação e cobrança sub judice ao criarem impostos não previstos por lei, violam este regime e a Constituição. Assim, a violação dos referidos arts. 68°, n° 1, do RJLMOP, 19°, b), da LFL e art. 8°, n°1,daLGT.

7a Por último, a Recorrente invocou a incompetência do Senhor Vereador para a liquidação das taxas sub judice.

A Sentença recorrida considerou que este vício não se verificava já que o Senhor Vereador teria competência por via da delegação e subdelegação de poderes referidas no n° 6 dos factos provados da Sentença. No entanto, a Sentença recorrida não fez uma correcta interpretação dos poderes delegados e dos que foram praticados na situação sub judice.

De facto, de acordo com a delegação de poderes de 20 de Outubro de 1999, a CML delegou no seu Presidente a faculdade de conceder licenças, nos termos do ponto 1.18 da mesma (Doc. 4 junto às Alegações de 26.10.2007). Essa faculdade foi, no mesmo dia, subdelegada no Vereador R.................. (ponto L da subdelegação) - Doc. 5 junto às Alegações de 26.10.2007. No entanto, importa concluir que a competência para a liquidação das taxas...

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