Acórdão nº 013/08 de Tribunal dos Conflitos, 09 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelPAULO DE SÁ
Data da Resolução09 de Dezembro de 2008
EmissorTribunal dos Conflitos

Acordam no Tribunal de Conflitos: 1. A... instaurou na 1ª Vara do Tribunal da Comarca do Seixal acção ordinária contra B..., C.... e D..., pedindo a condenação das rés: a) A reconhecer o desaparecimento da necessidade de expropriação do prédio em litígio; b) A reconhecer sobre o prédio em litígio a oneração resultante do exercício, pelo Autor, do direito de reversão previsto nas leis de expropriação; c) A absterem-se de alienar, onerar ou transformar, directamente ou por interposta pessoa, quaisquer parcelas pertencentes ao prédio em litígio; d) Subsidiariamente, quando o direito de reversão não seja reconhecido em sede administrativa, a restituir ao Autor o valor correspondente ao seu enriquecimento, em termos a calcular em execução de sentença; e) Em qualquer dos casos, a indemnizar o Autor por todos os prejuízos sofridos, despesas e outros custos, causados com a recusa injustificada em reconhecer os seus direitos, em termos a calcular, também em execução de sentença.

Foi proferido despacho que, declarando o tribunal incompetente, em razão da matéria, absolveu os Réus.

Inconformado agravou o Autor, tendo a Relação de Lisboa negado provimento ao agravo e confirmado a decisão da 1ª instância.

Foi pelo A. interposto recurso de agravo de 2ª instância, o qual foi admitido.

O A. remata as suas alegações com as seguintes conclusões: (I) O litígio a que respeita a sentença recorrida recai sobre o âmbito de jurisdição dos tribunais comuns e não dos tribunais administrativos e fiscais, como erradamente julgou o tribunal a quo.

(II) Esta constatação resulta de argumentos de natureza material ou substantiva e argumentos de natureza formal ou adjectiva.

(III) O argumento de natureza substantiva prende-se com o facto de a relação material controvertida sub judice ter natureza jurídico-privada, e não jurídico-administrativa como erradamente julgou o tribunal recorrido.

(IV) Na verdade, o Autor não entende qual o critério que levou o tribunal recorrido a configurar esta relação jurídica como materialmente administrativa.

(V) A natureza jurídico-privada da relação material controvertida resulta da aplicação do critério da natureza dos sujeitos processuais envolvidos, todos pessoas singulares ou colectivas de natureza jurídico-privada.

(VI) A natureza jurídico-privada da relação material controvertida resulta, igualmente, do critério da natureza da pretensão do Autor subjacente à acção interposta, a saber, única e exclusivamente a tutela de interesses meramente privados - o direito de propriedade do Autor contra a actuação de determinadas pessoas colectivas de direito privado - e não a tutela de qualquer interesse público.

(VII) Aliás, a factualidade vertida dos autos nada tem que ver com a tutela do interesse público, sendo, ao invés, arguida a completa ausência de razões de interesse público justificativas da actuação das empresas públicas demandadas.

(VIII) Neste sentido, o que o Autor pretende dos tribunais comuns é que impeçam as Rés de disporem livremente sobre os referidos imóveis e que as condenem a indemnizar o Autor pelos prejuízos decorrentes da aquisição inválida de imóveis que em tempos foram seus.

(IX) Esta acção judicial visa, pois, exclusivamente obter tutela jurisdicional para o direito de propriedade do Autor contra a apropriação e disposição ilegítimas por parte de entidades privadas, as Rés.

(X) Este direito está consagrado no artigo 62.° da CPR como um direito fundamental que goza do regime jurídico-constitucional dos direitos, liberdades e garantias.

(XI) Ou seja, é um direito directamente aplicável por força da CRP e directamente vinculativo para as entidades privadas, as Rés, sem necessidade de mediação de qualquer norma de legislação ordinária (cfr. art. 18.° n.° 1 CRP).

(XII) A presente acção não implica, pois, directamente, a aplicação de normas de direito público, mas sim a identificação dos vínculos jurídico-constitucionais que impendem sobre as entidades privadas por força do regime constitucional de protecção da propriedade privada.

(XIII) Na verdade, o sistema constitucional de protecção do direito de propriedade abrange, no seu conteúdo garantístico mínimo, o direito de não ser privado da propriedade fora das situações legalmente previstas.

(XIV) E incumbe aos tribunais judiciais tutelar este direito, o que se reclama neste autos, designadamente pela via da tutela secundária da indemnização civil e do enriquecimento sem causa.

(XV) A natureza jurídico-privada da relação material controvertida resulta, por fim, da natureza do objecto processual, que nos presentes autos respeita à actuação que as Rés desenvolvem enquanto entidades empresariais e que o Autor considera lesiva dos seus direitos subjectivos de propriedade.

(XVI) O objecto processual não incide, pois, sobre a actuação das Rés no exercício da função administrativa ou de prerrogativas de direito público ("ius imperii").

(XVII) Na verdade, o tribunal recorrido procede a uma errada identificação do objecto processual a que respeita a acção judicial intentada pelo Autor, (XVIII) Porque confunde a relação jurídica que existe entre o Autor e as Rés com a relação jurídica que existe entre o Autor e o Estado, esta sim de natureza administrativa e subsumível à aplicação do direito público.

(XIX) Ora, a actuação que o Autor pretende obter do Estado, designadamente a declaração do direito à reversão, não é objecto desta acção mas sim da acção judicial que o Autor interpôs na jurisdição administrativa, como referido na sentença recorrida.

(XX) O objecto processual deste Autos reside na pretensão que o Autor visa efectivamente alcançar, ou seja, ‘que as Rés sejam condenadas a: c) absterem-se de alienar, onerar ou transformar, directa ou por interposta pessoa, quaisquer parcelas pertencentes ao prédio em litígio; d) Subsidiariamente, (...) a restituir ao Autor o valor correspondente ao seu enriquecimento (...), e) Em qualquer dos casos, a indemnizar o Autor por todos os prejuízos sofridos, despesas e outros custos, causados com a recusa injustificada em reconhecer os seus direitos (...).

(XXI) Quanto aos argumentos de natureza formal ou adjectiva, são várias as razões que levam o Autor a considerar que o litígio a que respeita a sentença recorrida recai sobre o âmbito de jurisdição dos tribunais comuns. Prendem-se com (XXII) Desde logo, ao tempo em que a acção judicial em causa foi interposta, em 1997, estava em vigor o Decreto-Lei n.° 260/76, de 8 de Abril, diploma que estabelecia o regime jurídico das Empresas Públicas.

(XXIII) Ora, o artigo 46.° deste diploma expressamente consagrava o modelo tradicional de repartição de competências entre jurisdições, que esteve em vigor até à reforma do contencioso administrativo de 2002/2004, (XXIV) Segundo o qual as entidades privadas e as empresas públicas apenas podiam ser demandadas nos tribunais administrativos relativamente a actos praticados no exercício de poderes de autoridade.

(XXV) Acresce quem, à época, a delimitação da competência material dos tribunais administrativos e fiscais constava do...

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