Acórdão nº 0545/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelFREITAS CARVALHO
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo A... identificada nos autos, e o Presidente do Conselho de Administração do Instituto da Farmácia e do Medicamento - INFARMED, recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que, concedendo provimento ao recurso contencioso interposto por B... identificada nos autos, anulou a deliberação do segundo recorrente que, em 27-09-2002, homologou a lista de classificação final do concurso público para instalação de uma farmácia no lugar de ..., freguesia de Lavra, concelho de Matosinhos.

A recorrente particular formula as seguintes conclusões:

  1. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente o recurso contencioso de anulação do acto administrativo praticado pelo Conselho de Administração do INFARMED, em 27.09.2002, homologatório da classificação final dos concorrentes ao "Concurso Público para Instalação de uma farmácia no Lugar de ..., sito em ..., Freguesia de Lavra, concelho de Matosinhos".

  2. A conjugação e a análise agrupada de todos os elementos que integravam aquele procedimento concursal, bem como de outros documentos carreados para os presentes autos, evidenciam que, à data do concurso, a Recorrente residia na freguesia de São Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos e, bem assim, que lá residia há, pelo menos, 5 anos.

  3. A aqui Recorrente instruiu o seu processo de candidatura, entre outros, com o Atestado de residência, fotocópia do Bilhete de Identidade, do cartão de contribuinte e do cartão de eleitor (ponto 8 da matéria de facto apurada).

  4. No atestado de residência, emitido pela Junta de Freguesia de São Mamede de Infesta, em 03.07.2001 declara-se que "(...) com base nos elementos arquivados e nas informações escritas pelo(a) requerente e, como tal, consideradas verdadeiras, atesta que A... (...) residente na ..., n° ..., em São Mamede de Infesta, reside na morada atrás indicada desde o dia 23 de Maio de 1981. (...) - ponto 8.

  5. A Comissão Recenseadora da Junta de Freguesia de Cedofeita, em declaração emitida em 21.11.2003, atestou que "A... não consta dos nossos ficheiros de Recenseamento Eleitoral" - ponto 22, doc. n° 3.

  6. No Bilhete de Identidade, no cartão de contribuinte (doc. n° 2), na ficha de identificação do Centro de Saúde da ..., criada em 09.06.95 (doc. n° 7), no registo da Segurança Social, criado em 13.03.91 (doc. n° 8), na carta de condução, emitida em 03.03.1982 (doc. n° 9), na carta de condução, emitida em 08.08.2002 (doc. n° 10), no registo de pessoal no Hospital Especializado Maria Pia, desde 18.07.94 (fls 169 a 171) e na comunicação da Câmara Municipal de Matosinhos, de 22.05.1997 (doc. n° 11), consta como residência S. Mamede de Infesta, Matosinhos - pontos 22 e 24 (fls. 110 a 125 e 169 a 171).

  7. O Tribunal a quo deu como provado que a Recorrente, em 05.11.1999, subscreveu um requerimento dirigido ao Hospital Central e Especializado de Crianças Maria Pia, no qual indicou como residência a Rua ..., ... no Porto (ponto 19).

  8. Aquele documento foi apresentado num concurso público no qual a Recorrida era membro do júri e, portanto, sujeita a sigilo, sendo aquele reservado aos respectivos serviços e aos interessados - o que não é o caso da Recorrida - não podendo a mesma utilizá-lo em proveito próprio.

  9. O documento em causa não poderia ter sido admitido, nem valorado como prova nestes autos, pois a sua obtenção e posterior junção são ilegais e, como tal, configurando prova nula.

  10. Deve ser ordenada a eliminação do ponto 19. da matéria de facto assente.

  11. A ora Recorrente instruiu a sua candidatura com todos os documentos que lhe eram legalmente exigidos para a prova da sua residência.

  12. A Recorrente apresentou-se, assim, a residir na Rua ..., ..., em São Mamede de Infesta, tendo-o comprovado através do documento exigido pelo INFARMED e destinado à atestação daquele facto - o atestado emitido pela Junta de Freguesia de São Mamede de Infesta.

  13. O atestado da Junta de Freguesia é um documento autêntico, porque elaborado e subscrito por uma autoridade pública (o Presidente da Junta de Freguesia de São Mamede de Infesta) no âmbito das suas competências e atribuições e com base nas suas percepções, fazendo prova plena dos factos nele atestados.

  14. O Bilhete de Identidade, o cartão de contribuinte e o cartão de eleitor apresentados pela Recorrente e que permitiram a confirmação da dita atestação, encontram-se autenticados, nos termos da lei notarial, tendo, como tal, a força probatória dos documentos autênticos, fazendo tal-qualmente prova plena dos factos nele atestados.

  15. A aqui Recorrida não suscitou a falsidade de qualquer um dos ditos documentos, único meio legalmente fixado para ilidir a força probatória de um documento autêntico, pelo que os factos ali atestados se devem considerar provados.

  16. O INFARMED analisou o acervo documental acima enunciado - atestado de residência, Bilhete de Identidade, cartão de contribuinte e cartão de eleitor - encarou tais elementos como capazes de instruir o processo e detentores da capacidade de provar os factos neles mencionados: 1. o atestado de residência e o cartão de eleitor provaram que a Recorrente habitava na Rua ... ..., em São Mamede de Infesta, Matosinhos e que lá residia há mais de 5 anos contados da abertura do concurso público em causa; 2. o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte que, para além permitirem a aquisição de outros elementos de identificação da Recorrente, consentiram a confirmação da sua residência.

  17. A aqui Recorrente apresentou, nos termos da lei que regulava o concurso e do respectivo aviso, todos os documentos que tinha de apresentar, os quais não inseriam qualquer contradição entre si - todos eles, sem excepção, indicavam a Recorrente como sendo residente na freguesia de São Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos.

  18. No processo não constava nenhum documento que contrariasse aquela afirmação inserta nos referidos documentos - atestado de residência, Bilhete de Identidade, cartão de contribuinte e cartão de eleitor.

  19. O INFARMED, em face daqueles documentos não teve quaisquer dúvidas quanto à residência desta última, dúvidas que pudessem impor que aquela Autoridade Administrativa tivesse de se socorrer de outras diligências instrutórias.

  20. O júri do INFARMED, no exercício das suas funções, não se limitou a sustentar a sua decisão no atestado de residência, mas conjuntamente no bilhete de identidade, no cartão de contribuinte e no cartão de eleitor, os quais, pela leitura conjugada, permitiram chegar à conclusão de que, pelo menos, há mais de 5 anos, a Recorrente residia na Rua ..., ..., em São Mamede de Infesta.

  21. O INFARMED baseou-se nos elementos que lhe foram exibidos - que são verdadeiros por corresponderem à realidade - e que cumpriam todos os requisitos da lei.

  22. A Recorrida não invocou que o acto administrativo em causa estivesse ferido de vício de forma, designadamente por falta de audiência de interessados.

  23. Só se o INFARMED tivesse consultado, em momento prévio à prolação da sua decisão, os candidatos interessados, é que o mesmo teria tomado conhecimento do conjunto de documentos que a aqui Recorrida decidiu juntar aos presentes autos - não o fez.

  24. Seria nesse momento que o INFARMED analisaria aqueles documentos e poderia chegar a uma das seguintes conclusões: a) ou confirmava que a residência da Recorrente era no concelho de Matosinhos, considerando que aqueles documentos não abalavam as atestações que sobre a residência resultavam do acervo documental junto com o processo de candidatura; b) ou concluía que, em face dos novos documentos, a Recorrente afinal não residia no concelho de Matosinhos.

  25. Assim sendo, só caso tivesse ocorrido a primeira daquelas situações, poderia o Tribunal a quo avaliar o pedido de anulação do acto administrativo em crise com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto.

  26. Não tendo a Recorrida suscitado o vício de forma por falta de audiência de interessados, nem tendo o INFARMED procedido à referida consulta, encontrando-se o processo de concurso instruído apenas com documentos que sustentavam a residência da Recorrente no concelho de Matosinhos, não podia o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, ter apreciado o invocado vício de violação de lei - erro nos pressupostos de facto - com base nos documentos só agora trazidos pela Recorrida a conhecimento.

    A

  27. O Tribunal a quo diz a determinada altura: "Não se olvida que uma pessoa possa ter várias residências; no entanto, o que releva para efeitos de ponderação no concurso em causa é a residência habitual, o lugar preparado para servir com estabilidade de base de vida. É isso que se certifica nos atestados de residência." (fls. 370, 4° §; sublinhado e negrito nosso).

    BB) O Tribunal a quo conclui que a Recorrente tem residência habitual na cidade do Porto e não em São Mamede de Infesta.

    CC) Ora, como expressamente reconhece o mesmo Tribunal, uma pessoa pode ter mais que uma residência (cfr. art. 82°, n° 1 do Código Civil).

    DD) Assim sendo, em face do conjunto de documentos constantes do processo concursal e daqueles que a Recorrida veio trazer com a sua petição de recurso, sempre se poderia, na pior das hipóteses, concluir que a Recorrente tinha mais que uma residência habitual, sendo uma delas na Rua ..., ..., em São Mamede de Infesta.

    EE) Estaria, desta forma, confirmada a atestação da residência constante no atestado emitido pela Junta de Freguesia de São Mamede.

    FF) Para além disso, a Recorrente apresentou o documento que, segundo o próprio Tribunal a quo, e bem, certifica a residência habitual de uma pessoa: o atestado de residência.

    GG) A Recorrente não poderia apresentar um atestado de residência emitido pela Junta de Freguesia de Cedofeita, pois não tinha ali a sua residência habitual, incorrendo em falsas declarações, com as consequências anunciadas no ponto 10 do aviso do concurso.

    HH) Assim sendo...

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